Está bom tempo e devia ter ido
toda a gente para a praia (“grève” significa areia, cascalho, na origem da
expressão estão os trabalhadores de Paris que se juntavam no cascalho duma das
margens do Sena, esperando que os viessem contratar para descarregar os barcos).
Ir à praia até nem foi má
ideia, as praias estavam cheias. Mas há sempre quem tente estragar a festa, o
que é uma pena, pois os tempos estão difíceis e é preciso aproveitar todos os
pequenos prazeres. Logo quando há um belo dia para ir à praia, não há
transportes públicos.
Como de costume, são os
funcionários das empresas públicas que vão de folga, sobretudo os dos
transportes que paralisam o país. Pouco lhes importa a liberdade dos trabalhadores
de poderem fazer greve ou não, dependendo dos seus interesses e da sua
consciência. Ficam todos reféns. Isto nem chega a ser a ditadura do
proletariado, é a chantagem dos pendurados nas mamas do estado.
Ninguém foi a lado nenhum
Aqueles que não puderam ir à
praia, também não apareceram nas manifestações, não há pequenas vinganças. As
televisões bem tentaram disfarçar, com a falta de ética do costume, mas por
pouco não havia mais dirigentes de palanquim a falar do sucesso excepcional da greve,
do que participantes nas concentrações. As declarações falsas são uma praga
para a democracia, porque fazem falta sindicatos credíveis para negociar com
realismo e enquadrar os perturbadores.
As declarações económicas dos
sindicalistas também não resistem à avaliação duma dona de casa: primeiro gasta-se em
tudo o que for necessário e depois é que se fazem as contas (ouvido
na TV). Como é que se define o necessário? Quando o bolso da dona de casa estiver vazio e mais ninguém lhe vender
fiado, terá que ir falar com estes sindicalistas, não acham?
Sem ironias, o país sofre de
graves crises, combinando austeridade, recessão, desemprego e confusão
política. É natural que quem se sinta injustiçado se manifeste, proteste contra
a situação, queira trabalho e melhores condições de vida. Mas já não é natural
que o faça sem pensar onde estão os seus verdadeiros interesses e a
sobrevivência do país. Não é natural que, apesar dos progressos da educação e
da liberdade de informação, ainda haja tanta gente a acreditar nos lobos
disfarçados com peles de cordeiro, que acabam por os devorar, como sempre, porque
a credulidade é atávica.
Os caminhantes sem destino
Por favor, que alguém explique
a razão desta greve, acerca da qual o cura da CGTP disse já saber que o governo a ia ignorar e o funcionário do BES disse que a UGT só queria quebrar o jejum das
marchas com os amigos. Não estará a fazer muita falta a antiga Feira Popular?
Os sindicatos são dominados
pelos comunistas e seus companheiros de marcha. O que lhes interessa é defender
os direitos adquiridos por uns poucos empregados, privilegiados e
sindicalizados, deixando todos os trabalhadores, sobretudo os do privado,
ficarem reféns de interesses que não são os seus.
A ambição de escapar ao
trabalho e obter um emprego para viver pendurado no Estado ou duma
empresa, vem de longe. Os “partidos dos trabalhadores” querem que Estado e
empresas forneçam cada vez mais empregos, melhores salários, melhores serviços sociais. Não
interessa que o Estado ou as empresas estejam falidos, esse não é o problema
deles.
O paraíso dos trabalhadores
Vale a pena analisar um pouco
os objectivos desses pretendidos defensores dos trabalhadores e verdadeiros
funcionários de empregos vitalícios e direitos adquiridos. Quando o paraíso dos
trabalhadores comunistas foi alcançado, o que aconteceu?
A grande União Soviética implodiu, apesar das suas enormes riquezas energéticas, minerais e humanas, o que
lhe permitiu algumas proezas pontuais na ciência, no armamento e na indústria.
Desmoronou-se, porque a ideologia do partido único e a opressão da polícia secreta,
não podem substituir a competência política, económica, técnica e
administrativa, nas diversas actividades do Estado. A queda foi seguida pela apropriação de todos os recursos e de todas as empresas rentáveis,
por parte de oligarcas vindos do KGB, que formaram uma associação mafiosa que
pôs a Rússia e outras repúblicas a saque. Na China os “princelings”,
descendentes dos companheiros de Mao, arregimentaram a população ao seu serviço e para enriquecimento próprio, num sistema de capitalismo selvagem. Na Coreia do
Norte, a paranóia deu num regime militar, brutal, hereditário e ridículo. É
isso que os comunistas querem para Portugal?
Vamos lá recapitular:
O país faliu, ninguém lhe
queria emprestar nem mais um tostão furado. Precisou de pedir ajuda financeira
externa, elegeu um novo governo para pôr a casa em ordem, uns quantos
peregrinos aceitaram lugares no governo para lutar contra os interesses
instalados, os direitos adquiridos, o despesismo e a corrupção generalizada. E
o que aconteceu? Aqui d’el rei que as coisas estão a mudar. Protestos,
manifestações, greves. Nas finanças há um contabilista a fazer contas e a dizer
que não há dinheiro para continuar a viver como se não houvesse amanhã. É
preciso fazer economias, quase todos concordam, mas só naquilo que não causa
transtorno a cada um dos protestantes. Os outros que paguem. Quais outros? Os
ricos, os que têm salários ou reformas “milionárias” (em escudos...), que já
pagam impostos extorsionários, porque os verdadeiros ricos há muito que se puseram
a salvo. Há sempre uns bodes expiatórios apanhados com a boca na botija a dar
maus exemplos que devem ser reprimidos, mas sem importância estatística. Se não
há ricos e malandros suficientes no país, então devem pagar os países ricos da
Europa. Porquê? Não estão já pagar o suficiente? E quem os pode obrigar? Há
sempre quem venha dizer “muito claramente” que não sabe, não quer saber e detesta
quem sabe. Querem apenas trocar de lugar com os que estão no poleiro, para
depois fazerem o mesmo ou pior.
Emprego ou trabalho?
As palavras que se usam são
sempre reveladoras do que se pensa e daquilo em que se acredita. Vejam-se os
países onde se usa a palavra “emprego” (ou equivalente em cada idioma), em vez
da palavra “trabalho”. São os que estão em dificuldades. Coincidências ou não?
Em Portugal não se procura
trabalho, procura-se emprego, de preferência no Estado, e mesmo no privado com
progressão por antiguidade em vez de avaliação de qualidade e garantias contra
o despedimento por incompetência. Falta de emprego, desemprego jovem,
estatísticas do desemprego. Por pouco a International Labour Organization não
foi traduzida como Organização Mundial (das cunhas e) do Emprego...
A Náusea
Nos anos 60 do século passado,
quando Jean-Paul Sartre ganhou (e recusou) o prémio Nobel, não havia em
Portugal gato nem cão com pretensões intelectuais que não carregasse “La
Nausée” debaixo do braço. Éramos todos existencialistas e, mesmo que achássemos
que toda aquela procura palavrosa da consciência era uma seca, considerávamos
que isso se devia à nossa ignorância. Com o tempo e a experiência perde-se a
insegurança e podemos confessar
que Sartre e os existencialistas foram importantes na evolução do
pensamento do seu tempo, mas lá por isso não deixaram de ser uns filósofos
chatos e complicados.
A política portuguesa está
assim. Poucos querem efectivamente resolver os verdadeiros problemas do país,
mas procuram apenas ganhar popularidade dizendo ou escrevendo coisas que
pensam que a maioria quer ouvir.
De vez em quando é preciso
questionar as ideias feitas, porque a irracionalidade das multidões é bem
conhecida na história e bem estudada pela psiquiatria. Os xamãs, os sacerdotes,
os caudilhos, os ditadores, os grandes comunicadores, conseguem demasiadas
vezes transformar grupos de pessoas individualmente sensatas em massas acéfalas,
capazes de todos os crimes e de todos os comportamentos auto-destrutivos.
Cuidado com os desejos que repetem sem parar os recalcitrantes. Imaginem que se realizam.
Cuidado com os desejos que repetem sem parar os recalcitrantes. Imaginem que se realizam.
JSR