No voo de Nova York para
Paris, o comandante informou os passageiros que tinha havido um golpe de estado
em Portugal. Havia tropa nas ruas, o aeroporto estava fechado e não se sabia bem
o que se passava porque a informação era escassa.
O golpe militar
Horas mais tarde, em Paris a
informação era abundante em detalhes dos acontecimentos ligados ao golpe
militar e contraditória quanto aos seus objectivos. Jornais e televisão
começavam uma cobertura noticiosa compulsiva, ao ponto de durante dois ou três
anos se estar mais bem informado em Paris do que em Lisboa.
Para a França em vésperas de
eleições, Portugal foi usado como exemplo de esperança das esquerdas primeiro e
como vacina contra os seus excessos românticos, depois. Giscard ganhou as
eleições à custa do medo de contágio do perigo comunista português.
A revolta dos capitães
Um movimento classista de
oficiais das forças armadas queria a abrogação dum decreto-lei que os
prejudicava. Depressa se aperceberam que não se negocia com fantoches. Assim se
transformou uma demonstração de descontentamento em revolução.
No que diz respeito a
revoluções, a Abrilada não começou assim tão mal, com muita confusão, algumas
confrontações e poucas mortes. Podia ter sido muito pior, se considerarmos que
os militares que souberem planear profissionalmente o golpe de estado, não
tinham a mínima ideia do que se ia passar a seguir. Mais uma vez se demonstrou
que a guerra é demasiado importante para ser deixada aos generais, como disse
Clemenceau.
O fim do Ramadão
Ou da Quaresma, ou de qualquer
outro período de restrições e penitência, como foi a ditadura após a segunda
grande guerra. Enquanto o resto da Europa seguia os Estados Unidos na expansão
da economia e dos direitos civis, em Portugal as finanças tinham melhorado, mas
ao preço duma paz social obrigatória e duramente imposta.
Após o 25 de Abril, hippies,
anarquistas, esquerdistas e libertários de todas as cores, começaram
imediatamente a sua migração para Portugal. Encheram-se os aviões, os comboios,
as boleias dos carros e camiões, os parques de campismo, as praias e as casas
da malta. Foi uma festa. “Avril au Portugal” tornou-se num longo Woodstock.
A revolução dos perdigotos
Vir a Portugal logo a seguir
ao 25 de Abril e mesmo nos meses seguintes, era sempre uma prova de
resistência. Aos micróbios transmitidos pelos perdigotos dos palradores
incansáveis com ideias novas, novas para eles. Às agulhas que voavam das mãos
das costureirinhas, apressadas a virar casacas mais depressa do que conseguiam
pensar. À pressa de estar na última moda política e de viver no ar do tempo.
Simultaneamente, veio a
revolução dos costumes. Se havia liberdade, era para tudo. Não se reconheciam
os amigos, tinham um ar diferente, diziam coisas disparatadas, tinham novos
cônjuges ou companheiros, viviam noutros lugares. Ao incómodo dos perdigotos,
juntava-se o perigo de contágio dos piolhos, das pulgas e dos chatos mal
lavados, com cabelos por cortar e barbas por fazer, a confundir liberdade com
libertinagem. Bons tempos, porque o pior estava para vir.
Das extremas esquerdas ao extremo centro...
Os democratas seculares e
liberais, que no “tempo da outra senhora” eram objecto de perseguições e
conselhos de prudência por exprimirem ideias perigosas, tornaram-se em poucas
semanas, nas palavras dos anteriores “calados e arrumadinhos”, em burgueses
reaccionários.
Os novos “barulhentos e
desarrumados”, atropelavam-se em comícios, marchas e greves, na pressa de ficar
à esquerda da extrema esquerda. O partido comunista, a única força de oposição
organizada ao anterior regime, tornou-se para os apressados mais um partido
burguês, estalinista e burguês, nesse tempo não havia contradições. Nesse tempo
ninguém ia além da esquerda até mais ao centro... da esquerda.
As mós do tempo
A revolução chutou o pêndulo,
da repressão até à exaltação, e depois, das liberdades populares à definição
escrita dos seus direitos e desejos na Constituição. O país mudou, em geral para
melhor. A maioria dos cidadãos pode escolher os seus representantes políticos e
eleger quem os governa. Há menos pobreza e mais educação. O estado social chega
à quase totalidade da população, que vive melhor, de melhor saúde e por mais
tempo.
Mas a realidade tem o dom de
triturar as ilusões entre as mós do tempo. Desconjuntaram-se o império colonial
e a economia, o país perdeu a credibilidade e o crédito, foi preciso chamar o
FMI por duas vezes para evitar a bancarrota total. O progresso foi conseguido à custa de empréstimos para
cobrir deficits orçamentais, da colusão de políticos, de financeiros e de
empresários para se apropriarem dos recursos do estado, da corrupção
generalizada, da implosão da justiça.
O preço da palha
Quase quarenta anos após o 25
de Abril, haverá em Portugal burros suficientes para comerem toda a palha produzida
pelos demagogos actuais e que lhes é servida pelos meios de comunicação? Mais
uma crise, mais uma bancarrota a necessitar a terceira vinda do FMI, agora
parte duma troika onde os outros dois cavalos são europeus, representantes da
Comissão e do Banco Central da União.
Os salvadores da pátria aparecem
em todas as conversas, todos os programas e jornais, são citados vezes sem
conta em todos os noticiários, são os “crowd pleasers”, os que dizem e repetem os
chavões e fantasias que as cabeças ocas querem ouvir nestes tempos de crise: política
acima da economia, mandar embora a troika, não pagar as dívidas, redistribuir a
riqueza, fazer pagar os países do norte, aumentar os salários, aumentar os
apoios sociais, uma nova aparição da Nossa Senhora de Fátima, o milagre da
multiplicação dos pães, o maná a cair do céu nesta travessia do deserto...
Os factos e os argumentos
Há neste país uma quantidade
suficiente de gente competente e esclarecida que descreve a situação actual com
factos e números indiscutíveis, que usa a razão para indicar as alternativas
possíveis e os caminhos que podem ser seguidos. Na sua maioria, esses passam
discretamente na televisão ou escrevem artigos em jornais que depois têm uma
repercussão limitada.
Mas são esses também quem
critica de forma realista. Em vez de chavões patetas, exigem que o governo faça
as reformas estruturais indispensáveis, corte as rendas dos monopólios da
energia, dos transportes, das estradas, corte os abusos nas empresas estatais
para poderem melhorar a produtividade. Em vez de disputas e manifestações de
partidos nos quais já ninguém acredita, exigem a revisão da Constituição, da
legislação que manieta a justiça, do número de deputados e da sua representatividade,
exigem a optimização das divisões administrativas e a redução da burocracia.
O todo e as partes
Portugal não está a funcionar como
estado, porque os cidadãos têm concepções diferentes dos seus direitos e
deveres, assimilam a democracia à prosperidade, pensaram que a Europa era a
nova árvore das patacas ou outra mina de ouro do Brasil. Tudo isto com o mínimo
de maçadas possível.
A União Europeia não está a
funcionar, porque cada país que a compõe tem concepções diferentes do que a
União significa e de como o seu progresso se deve fazer. Há membros sérios e outros
que não o são. O palhaço que foi o terceiro candidato mais votado nas eleições
italianas, acaba de pedir que os alemães tomem conta do país para que este
possa ser governado com honestidade e competência.
A globalização foi iniciada
pela Europa e agora são os europeus quem sofre mais das suas consequências. Por
falta de competência e excesso de diversidade.
É altura de avaliar seriamente
a proposta de Obama para uma união atlântica. A OTAN/NATO tem funcionado
satisfatoriamente.
JSR
Gostei particularmente desta realista passagem: "são os “crowd pleasers”, os que dizem e repetem os chavões e fantasias que as cabeças ocas querem ouvir nestes tempos de crise: política acima da economia, mandar embora a troika, não pagar as dívidas, redistribuir a riqueza, fazer pagar os países do norte, aumentar os salários, aumentar os apoios sociais, uma nova aparição da Nossa Senhora de Fátima, o milagre da multiplicação dos pães, o maná a cair do céu nesta travessia do deserto..."
ReplyDeleteSó que eu não lhes chamo os "crowd pleasers", chamo-lhes os "clown leaders"... no fundo, é quase a mesma coisa! ;)
Um abraço ao meu analista politico preferido! As suas pequenas crónicas são um delicia, é pena estarem aqui "enjauladas" e não terem direito a uma divulgação muito maior. Portugal merecia!
Agradeço o comentário e as considerações, sempre simpáticas.
ReplyDeleteÉ muito interessante e estranhamente oportuna a ideia dos "clowns", porque “Send in the clowns” era o título duma canção dum musical que passava por volta de 1974 na Broadway, e que acabava assim:
“Isn't it rich?
Isn't it queer?
Losing my timing this late in my career.
And where are the clowns?
There ought to be clowns...
Well, maybe next year.”
Sem mais comentários...
Um abraço.