Muitos países atravessam
dificuldades. Alguns têm a cultura cívica para se comportarem de forma responsável,
outros desagregam-se das formas mais dramáticas às mais ridículas. Neste último
caso, de nada servem os protestos ou as lamentações, rir é o melhor remédio. Assiste-se
em Portugal à infantilização da vida pública, insistindo na guerra das
“narrativas”, o novo nome para as “histórias da carochinha”. Como esta:
Numa terra do fim do mundo
vive uma família disfuncional.
O pai Aníbal e a mãe Assunção
bem tentam manter a família unida, mas os filhos não ajudam nada. O pai é do
tipo calado, puxando discretamente uma orelha a este e dando um tabefe naquele,
tentando manter um mínimo de disciplina. A mãe diz coisas meio sibilinas com
algumas chamadas de atenção, mas a prole é recalcitrante, malcriada, cada vez
mais desobediente.
O filho mais velho, o Jerónimo, desde cedo se meteu com uma
seita de seguidores das doutrinas duns alemães da firma Marx & Engels que,
apesar de nunca terem apertado um parafuso na vida, escreveram manifestos
contra a exploração do proletariado pelo capital. Como sempre acontece com
estas seitas, enquanto os outros trabalham, os que se dizem seus defensores passam
o tempo em comícios e copos, a organizar feiras, greves e manifestações. Enfim,
a família tem que o aturar, mas deixou de o levar a sério e só pede que guarde
para os amigos as suas diatribes sempre iguais, que toda a gente já conhece de
cor.
O Jerónimo tem uma filha
natural, a Heloisa, cuja mãe
conheceu em Santa Apolónia durante uma das muitas greves dos maquinistas. De
vez em quando, fartos de ter que cumprir horários, decidem descansar nos Verdes
prados ecológicos. A rapariga saiu com verve e fala muito, como o bando a que
se juntou, mas herdou a pancada genética do pai, parece um disco rachado.
O segundo filho, o TóZé, anda furioso e os amigos dele
ainda mais, porque estavam habituados a ter os brinquedos todos para eles e a
não deixarem mais ninguém brincar. Mas agora, dois dos irmãos seguintes, o Pedrinho e o Paulinho, associaram-se e tiraram-lhes os brinquedos. Dizem que
querem partilhar as brincadeiras, mas agora são eles que decidem quais os jogos
e quando querem brincar. O TóZé não quer, acha que tem ideias melhores, mas
ninguém sabe quais são. Preocupa-o sobretudo que os amigos achem que ele é um
chato e prefiram um antigo companheiro de tropelias, o Pinóquio, que teve uma grave indigestão económica e foi enviado de
férias para Paris a fazer uma dieta de francesinhas. O Pinóquio tem um novo
apoiante, o Márinho, que na sua caquéctica velhice se esqueceu que já tinha
metido o socialismo na gaveta e voltou à infância marxista. Uma confusão.
Os pais acham que estes três
irmãos se deviam entender para se ocuparem dos negócios da famiglia, pois são os que têm melhores ligações aos capi de tutti capi, tanto os nacionais
como os da Europa, da Igreja, da maçonaria, das secretas e de outras capelas
mais discretas e ainda mais influentes. Mas ao TóZé, mal aconselhado pelos
falsos amigos, deu-lhe para fazer birras.
O irmão caçula veio esperto,
mas meio autista. O Chico é um
contrariante, sempre com fogos de artifício verbais, implicativo e desfasado da realidade. Depois, com o seu grupo de amigos, têm uma tendência para deixar
que os charros inspirem as ideologias e as decisões do grupo, ou do bloco de
grupos de esquerda. Durante um dos últimos pow-wows,
imaginaram que o Chico tinha “morphado”
na dupla do Shrek e da princesa Fiona. Para o que havia de lhes dar.
É muito preocupante o que vai
acontecer a esta família. A casa está hipotecada, o carro e a mobília também foram
comprados a crédito. O rendimento não dá para pagar todas as dívidas, os Bancos
impacientaram-se e cortaram-lhe o crédito. Por sorte, têm uns tios ricos em Frankfurt, em Bruxelas e em Washington,
que lhes avançam uns trocos com a condição de estabelecerem um plano para
reduzirem as despesas, não gastarem mais do que ganham e irem pagando o que
devem.
Só o Pedrinho e o Paulinho se
acordaram para por em ordem as finanças da família, com o apoio discreto mas
condicional, como sempre, do pai. Todos os outros irmãos e os amigos deles, não
só discordam das medidas de restrição das despesas, como protestam
energicamente em todos os tons e se queixam a quem os queira ouvir. Para estragar
ainda mais a situação, apareceram os padrinhos constitucionais, que vieram decidir quais as despesas da família
que podem ser cortadas ou não.
Os tios ricos estão preocupados,
os credores indecisos, a dupla Pedrinho e Paulinho foi pedir apoio ao pai e
gostaria que o TóZé viesse brincar com eles. Mas o TóZé continua a debitar
lengalengas soporíferas, amuou e não pára de embirrar. Como algumas histórias
infantis, esta acaba sem moral e sem a certeza que todos vão viver felizes no
futuro.
JSR
O JSR está com uma veia poética (?) lírica (?) cada vez mais acutilante. Prosa digna de emparelhar com os melhores contos de ficção não fosse a realidade dar suporte ao conteúdo. Adorei.
ReplyDeletePassei a ter acesso às cronicas do JSR há pouco tempo mas, desde então, passei a ter um motivo para a olhar o facebook por um prisma diferente. Mais uma que também adorei.
ReplyDeleteAgradeço a quem gosta e a quem comenta estes meus "desabafos", é sempre motivante e encoraja a continuar...
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