Wednesday, April 3, 2013

156 - O Carnaval dos Animais

Assistir ao debate sobre a moção de censura ao governo, apresentada pelo Partido Socialista no Parlamento, afinal não foi apenas mais uma demonstração de “L'État-Spectacle”, como era esperado e tal como o definiu Roger-Gérard Schwartzenberg em 1977. Afinal, foi sobretudo “Le Carnaval des Animaux”, uma peça do compositor Camille Saint-Saëns, de 1886.
Foi uma manifestação do Estado-Espectáculo porque a aparência substitui a substância, a imagem substitui a mensagem. Esta moção de censura foi um tiro de pólvora seca, muito barulho para nada. Já se sabia que iria ser chumbada, para quê tanto desperdício?
Voltámos aos discursos encantatórios à maneira do século XIX, nas vozes trémulas em crescendos de oratória, ou às grandes declarações inflamadas próprias do fascismo ou do comunismo, cada qual repetindo os mesmos argumentos estafados. Desta vez, adicionando a falsa emoção que provoca a consciência de estar em directo na televisão. A telenovela parlamentar. Com demasiados actores, a maioria dos quais não serve para nada, mas é preciso dar emprego aos artistas das várias “troupes” partidárias.
Tal como no “Carnaval dos Animais” e respeitando o elenco de personagens, o espectáculo começou com a marcha real do leão, neste caso dos leões do PS e PSD, os chefes dos dois principais partidos, aplaudidos com mais ou menos entusiasmo pelas galinhas e galos das respectivas capoeiras. Diz um, o governo falhou e perdeu legitimidade para governar. Diz outro, a oposição não tem respeito pelos interesses do país, pois apresenta uma moção de censura numa altura delicada de negociações com os credores e de volta aos mercados.
Ao lado do governo, correm os velozes antílopes do CDS, difíceis de apanhar na coligação, de controlar nas escolhas políticas e ainda mais de manter na mesma direcção das escolhas orçamentais. Corre também o cisne negro Gaspar na sua própria “mare aux canards”...
Do lado da oposição, corre o elefante Assis, um dos desalinhados interiores do PS, correm as tartarugas do PC, carregadas com uma carapaça de certezas ideológicas quase seculares na sua irrelevância, correm os cangurus do Bloco de Esquerda, que saltitam por todo o lado com as suas discordâncias existenciais. Corre também o cuco Verde ao fundo dos bosques...
Após os factos, os discursos e as discussões, os aplausos e as pateadas, vem a “volière” dos comentadores, os pássaros, passarinhos e passarões, cada qual com a sua interpretação. Por vezes mais do que uma. Parece que cada um viu e ouviu coisas diferentes, ou melhor, viu e ouviu o que mais lhe convinha.
Assistem os burros, personagens de orelhas tristes e compridas, portugueses que suportam e pagam todas estas palhaçadas parlamentares.
JSR

2 comments:

  1. A moção de censura em 3 actos:
    "Foi uma manifestação do Estado-Espectáculo porque a aparência substitui a substância, a imagem substitui a mensagem. "
    "A telenovela parlamentar. Com demasiados actores, a maioria dos quais não serve para nada, mas é preciso dar emprego aos artistas das várias “troupes” partidárias. "
    "Assistem os burros, personagens de orelhas tristes e compridas, portugueses que suportam e pagam todas estas palhaçadas parlamentares. "
    Frases retiradas do texto O Carnaval dos Animais por JSR.
    Não podia estar mais de acordo.

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  2. Cara Sara, gosto deste sumário. Um sumário... digamos, apropriadamente tão espectacular, que reforça e pode até tornar inútil o resto do texto.

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