O tempo por vezes acelera.
Faz-se muita coisa e quando se pára para avaliar, na realidade fica-se com as
mãos cheias de nada. Porque a interacção com os outros não é fácil, quando cada
um marcha ao som do seu próprio tambor. Entretanto, o mundo continua a
girar e do que acontece ficam notas escritas à pressa, que não tiveram tempo de
crescer individualmente e tornarem-se comentários devidamente ponderados para
serem usados num post. Este é um potpourri, uma
mistura de assuntos variados que chamaram a atenção durante as últimas duas
semanas.
Os justos e os outros
Nos tempos que correm é muito
difícil ser justo, dar o seu a seu dono, ver a floresta e não só a árvore que
nos cobre, manter e espírito aberto à verdade e não ceder a ideologias,
partidarismos, histerias populistas ou circunstâncias pessoais.
Quando o país precisava de um
certo consenso acerca das medidas necessárias para sair da crise, o que
acontece é um frenesim de interesses pessoais e ambições tendenciosas. Mas é
verdade que outra coisa seria pedir demais.
As carpideiras profissionais
Nestes tempos de crises
sobrepostas, todos os que dependem da popularidade para ganhar a vida
(comentadores, cronistas, jornalistas) ou para fazerem carreira (políticos,
banqueiros, empresários), são obrigados a alinhar no coro de lamentações contra
as decisões e indecisões das instituições nacionais, europeias e mundiais. Quem
não uivar com os outros perde-se da matilha.
A continuação da austeridade
O ministro das finanças
anunciou a continuação da emergência nacional em consequência da crise económica
e financeira. Por um lado a redução do deficit através duma cura de austeridade
e o aumento dos impostos. Por outro lado e como consequência, uma recessão e o
aumento do desemprego.
A reforma dos serviços do
estado deveria ter contribuído com economias de mais de metade das reduções do
orçamento, mas só agora começa a ser posta em marcha. Porquê? Porque a subida
de impostos, taxas e contribuições, tem resultados imediatos.
A reforma do estado devia ter
sido feita com tempo, logo que as despesas começaram a exceder o rendimento, em
vez de suprir a diferença com empréstimos. Durante um período de crescimento da
economia é sempre mais fácil, mas nenhum governo anterior teve a coragem de
desagradar aos eleitores.
Agora, em período de crise é
mais difícil, leva mais tempo, mas continua a ser indispensável. Porque de
qualquer maneira o estado só pode gastar em serviços aquilo que recebe dos cidadãos
em impostos e alcavalas.
Os ingénuos, os tolos e os malandros
Algumas vozes celestiais têm
andado a escolher mensageiros para uma
evangelização em horas extraordinárias:
Vieram os ingénuos proclamar
que as pessoas devem ser mais importantes do que a austeridade. Como se mais
ninguém soubesse.
Vieram os tolos dizer que as
pessoas devem ser mais importantes que as medidas necessárias para o equilíbrio
financeiro. Como se isso não fosse evidente para todos.
Vieram os malandros dizer que
o governo não acerta uma única previsão. Como se eles ou outros pudessem fazer
melhor. Para uma pequena economia atrasada, aberta e sem soberania monetária,
acertar uma previsão económica é tão provável como abater um pássaro em voo
irregular, com uma só bala e cavalgando uma montada sem rédeas.
As previsões económicas
As previsões económicas não
podem ser mais do que isso: previsões. Que se vão afinando à medida que o tempo
passa, que novos dados vão chegando, até que finalmente as previsões se tornam
estatísticas. O FMI, a OCDE, os Bancos Centrais, todos fazem previsões e todos
as afinam quando necessário.
Sol na eira e chuva no nabal
Os exasperados pedem tudo e o seu
contrário: menos impostos e mais despesas sociais com a educação, a saúde, os
apoios sociais. Como se não fossem os impostos que tivessem que pagar as
despesas. A alternativa seria pedir mais empréstimos que depois é preciso também
pagar, um círculo vicioso que se quebrou quando mais ninguém se dispôs a
emprestar dinheiro a um estado falido. Por isso foi preciso chamar a troika.
Os vasos comunicantes
Com tantas manifestações dos
que querem mais dinheiro do estado, nenhum dos grupos que organizam as
manifestações se dispôs a perguntar aos que pagam mais impostos, mais
contribuições, mais taxas, se aceitam pagar mais ou se estão fartos de ver o
resultado do seu trabalho e as suas poupanças serem espoliados. O que entra no
teu bolso sai do meu, o estado somos nós, uns e outros.
E a resposta é simples, os que
não querem pagar mais vão-se embora, as empresas mudam a sua sede social, os
indivíduos mudam o seu domicílio fiscal. Uns e outros esvaziam as suas contas e
vão investir, gastar e criar emprego para outro lado. Depois, as Finanças
recebem menos impostos e os Bancos não têm dinheiro para emprestar às empresas
e às famílias que precisam.
A volta de Sócrates
Após ter sido aquele
primeiro-ministro clarividente e impoluto de que todos nos lembramos; após ter
sido estudante de filosofia em Paris, certamente junto dos últimos praticantes
peripatéticos; após ter frequentado cursos em Sciences Po, para comparar notas com os discípulos
deixados pela escola do grande mestre soarista dos anos 70, cujas proezas
poliglotas está bem equipado para igualar. Após tudo isso, o homem vai
capitalizar nas saudades que deixou para, como comentador, fazer subir as
audiências da RTP... mas sobretudo lançar o pânico no partido socialista e a
confusão entre os comentadores das gaiolas televisivas. Está aberta a guerra
dos periquitos, araras e catatuas.
Os títulos enganosos e as notícias deturpadas
Os media em Portugal tornaram-se
reféns dos patronos com dinheiro e influência. As vozes dos donos, simplesmente,
sem discernimento nem credibilidade. Os títulos são enganosos, dizem uma coisa para
atrair o cliente ocasional, mas o texto diz outra. Acontece com todos, a última
foi o “Sol” anunciando em garrafais o chumbo do orçamento pelo Tribunal
Constitucional, quando afinal se tratava de pura especulação.
A probidade, a ética
profissional, a verificação das fontes, a verdade, despediram-se para parte
incerta.
Chipre - Singularidades duma ilha sob influência
Chipre tornou-se numa máquina
de lavar o dinheiro sujo dos oligarcas russos e outros gangs mafiosos do leste.
Uma máquina simplória, sem o traquejo dos outros paraísos fiscais europeus,
como a Suíça, o Luxemburgo, o Liechtenstein, a Ilha de Man, Gibraltar e até
certo ponto, Mónaco e o Banco do Vaticano (IOR).
O sistema bancário cipriota inchou
como a proverbial rã que queria ser boi. Como prova da sua falta de maturidade
financeira, cedeu a velhos reflexos patrióticos da “enosis” em vez da pura
rentabilidade gananciosa e... comprou dívida grega. As obrigações afundaram e seguiu-se
a bancarrota.
As discussões sobre o resgate
de Chipre são uma tragicomédia de miopia política, de erros económicos e pura
estupidez nas relações internacionais. A mera hipótese dum imposto sobre os
depósitos dum país, destrói por muito tempo a confiança no sistema bancário da
zona euro.
Como toda a gente sabe, os
banqueiros só perdem o dinheiro das máfias uma vez. Acabam pendurados de pontes
em Roma ou “suicidados” dentro de cofres vazios fechados por fora.
O parlamento cipriota votou
sobre o imposto e... que grande surpresa... todos os deputados votaram contra
ou abstiveram-se. A esperança de vida de quem votasse a favor era inferior à de
um rato dentro duma toca de víboras. Vejam o que aconteceu no Bolshoi,
transformado em bordel para políticos e oligarcas que mandam atirar ácido na
cara de quem não cumpre os seus desejos suficientemente depressa.
Logo a seguir o presidente de
Chipre foi receber as ordens de Moscovo. Em troca de auxílio financeiro teria/terá?
que ceder a exploração das reservas offshore à Gazprom, sem que lhe deixem a
possibilidade de salvar a face criando um Fundo de Investimentos ou qualquer
outro simulacro de independência.
Adeus Europa.
JSR
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