Friday, March 8, 2013

152 - Mr. Song Shih-kai

(tradução abaixo)

Mr. Song was the husband of my friend, and then colleague, Diana Lee.

Diana is one of these Chinese-American women who have an american education up to the highest levels, all the while keeping a chinese mindset. She knew everything, never forgot anything, was always there, capable of listening in silence until asked for her opinion. She could work without tiring, striving to reach her own exacting standards. In true and traditional mandarin manner, she had this aristocratic streak that made her loved by her superiors, competitive with her equals and intensely feared by her inferiors.

Mr. Song was a middle-aged man, the son of a Chiang Kai-shek general when, after the Second World War, the Republic of China retreated to Taiwan. Mao had won the mainland and proceeded to, depending on the beliefs of the observer, either to devolve the pride to his nation or to preside over the worst social and economic disaster of his country’s recent history. Meanwhile, the heads of the Kuomintang turned to business and got fat and rich. Mr. Song was one of the resulting “princelings”. He saw his wife’s international career with a mix of private pride and public complaining about the loss of traditional values.

Diana came to me with the territory, when I went to work for the Organization. She was the head of one of its divisions. During our first staff meeting, while the men spoke and joked in turn, she observed me, with that slightly disquieting look of the far eastern women of her class who, as teenagers, have their eyes surgically westernized. I could not guess how old she really was, as she, like her ethnic sisters, could look pretty, fit and trim, for a very long time. When asked about her objectives and team, she simply stated her division's purpose and added that there was always a lot to improve, but the members of her team were the very best. I looked around the table and could not detect a single smirk of doubt.

Mr. Song was a self-declared businessman, obviously well off, but didn’t seem to have any particular occupation. At his large and well-located mansion he liked to give parties to his and his wife’s friends, was a good entertainer, adept at karaoke. He liked to talk into the night to whoever could stay that long to hear his stories. Indeed he had strange and exotic stories to tell and took a liking to those showing interest. Later on, with the accumulation of drink and excitement he could become a bit obnoxious, but his wife would always know when it was time to summon help and send him to bed.  

Diana presided over our gatherings for lunch in Chinatown. These were not very frequent, what with everybody’s travelling, constant meetings and the stream of visitors from all over the world. But she would beat the gong up, far in advance to get the major Chinese celebrations into the calendars of our restrict group of friends. She would take care of everything with the restaurant owners, who would bow to her so low we always expected them to tip over and fall on their faces. At ease on her own ground, she would treat the other Chinese like an Empress commands slaves and us, her friends, like favorite subjects. She would distribute the seats around the table, choose all the dishes and show her pleasure with someone by picking up choice morsels with her chopsticks and deposing them in that person’s plate.  

Mr. Song visited the Organization several times, asking to see Diana, the front desk would call her secretary and he would be allowed in. But he never actually went to see her. He would try to find a way to the offices of one of their friends, seeing if he could drop in for a bit of conversation. He rarely found anybody available, so he would walk the halls and corridors, eventually sitting down at one of the cafeterias. The security officers knew him, but grew upset with his habit of parking the car in the reserved spaces for ambassadors, who would sometimes protest, and uneasy with his aimless wandering. They went to see Diana to complain and she felt ashamed.

Diana seemed subdued at the french restaurant. Occasionally it looked like a tear was dropping down her cheek. Maybe it was the light, perhaps the fact that it was a Frenchman’s turn in the limelight. Much more than a month had passed, since we last had the opportunity to get the group together for lunch in one of the members’ favorite national hangouts. We were crossing one of those periods of political, economic and organizational upheaval, when everybody seems to float above the mundane facts of daily life, believing the world’s fate is hanging between one’s hands.

Mr. Song committed suicide. The news spread in the middle of the afternoon and all his friends were stunned. He was getting old but still in good health, comfortably wealthy and apparently without reason for such a definitive act. It turned out that he had shut all the doors to his house’s garage and sat in the car with the engine running. When he was found and rushed to the hospital it was already too late, he was dead. A few days later, at the funeral, family and friends said all the good they thought of him, how much he would be missed, later threw flowers into the grave, it was a very dignified ceremony. There he lays, in one of those cemeteries with tombstones far apart amidst the trees and the well-kept grass.

Diana noticed the garden benches, where lonely people can sit and keep company to Mr. Song.

JSR
----------------

Mr. Song Shih-kai

Mr. Song era o marido da minha amiga, e nesse tempo colega, Diana Lee.

Diana é uma dessas mulheres sino-americanas, que tiveram uma educação americana até aos mais altos níveis e todavia conseguem manter uma mentalidade chinesa. Ela sabia tudo, nunca se esquecia de nada, estava sempre presente, era capaz de escutar em silêncio até que fosse pedida a sua opinião. Trabalhava sem se cansar, até atingir os seus próprios padrões de qualidade extremamente elevados. Na verdadeira tradição dos mandarins, ela tinha aquela veia aristocrática que a fazia ser amada pelos seus superiores, competitiva com os seus iguais e intensamente temida pelo seus inferiores.

Mr. Song era um homem de meia-idade, filho dum general de Chiang Kai-shek quando, após a Segunda Guerra Mundial, a República da China recuou para Taiwan. Mao tinha ganho o continente e prosseguiu, de acordo com o ponto de vista ideológico do observador, ou para devolver o orgulho à sua nação ou para presidir ao pior desastre social e económico na história recente do país. Enquanto isso, os chefes do Kuomintang voltaram-se para os negócios e tornaram-se gordos e ricos. Mr. Song foi um dos "príncipes" herdeiros, resultantes desse processo. Ele via a carreira internacional da sua mulher com um certo orgulho em privado, mas sempre a reclamar em público contra a perda dos valores tradicionais.

Diana entrou na minha vida com o território, quando fui trabalhar para a Organização. Era chefe duma das divisões. Durante a primeira reunião, enquanto os homens falavam e diziam piadas, ela observou-me, com aquele olhar um pouco inquietante das mulheres orientais que, ainda adolescentes, têm os olhos cirurgicamente ocidentalizados. Eu não conseguia adivinhar que idade ela teria, pois tal como outras asiáticas da sua classe, conseguem continuar bonitas, em boa forma e elegantes, por um tempo muito longo. Quando chegou a sua vez de descrever os objectivos e a sua equipa, ela simplesmente disse o que faziam e acrescentou que há sempre muita coisa a melhorar, mas os membros do seu team eram o melhor que havia. Olhei ao redor da mesa e não pude detectar um único sorriso de dúvida.

Mr. Song dizia-se empresário, estava obviamente bem na vida, mas não parecia ter nenhuma ocupação particular. Na sua mansão grande e bem localizada, gostava de juntar os seus amigos e os da mulher, era um bom conversador e adepto de karaoke. Gostava de falar pela noite fora com quem pudesse ficar para ouvir as suas histórias e na verdade, ele tinha coisas estranhas e exóticas para contar. Ficava a gostar de quem o ouvia e mostrasse interesse. Mais tarde, com o acumular das bebidas e a excitação, podia tornar-se um pouco desagradável, mas a sua mulher sabia sempre quando era hora de pedir ajuda e mandá-lo para a cama.

Diana presidia aos nossos almoços quando era a vez de irmos a Chinatown. Os almoços não podiam ser muito frequentes, ocupados como estávamos todos com viagens, reuniões constantes e o fluxo de visitantes de todo o mundo. Mas ela batia o gongo com muita antecedência, para fazer colocar as grandes celebrações chinesas nas agendas do nosso grupo restrito de amigos. Tratava de tudo com os proprietários dos restaurantes, que lhe faziam vénias tão baixas que ficávamos sempre à espera que caíssem de cara ao chão.  À vontade no seu próprio território, ela mandava nos outros chineses como uma Imperatriz comanda escravos e a nós, os seus amigos, como súbditos favoritos. Distribuía os lugares à volta da mesa, escolhia todos os pratos e mostrava o seu prazer com alguém procurando com os pauzinhos os melhores bocados e colocando-os no prato dessa pessoa.

Mr. Song ia visitar a Organização várias vezes, pedindo para ver a Diana, da recepção telefonavam à secretária e deixavam-no entrar. Mas ele na verdade nunca ia vê-la. Tentava encontrar os amigos nos seus escritórios, a ver se lhe poderiam dar dois dedos  de conversa. Raramente encontrava alguém disponível, de modo que vagueava pelas salas e corredores e acabava por se sentar numa das cafetarias. Os seguranças conheciam-no, mas foram ficando progressivamente exasperados com o seu hábito de estacionar o carro nas vagas da garagem reservadas para os embaixadores, que por vazes protestavam, e preocupados com os seus passeios sem rumo. Acabaram por ir falar com a Diana para reclamar e ela sentiu-se envergonhada.

Diana estava com um ar triste no restaurante francês. De vez em quando, parecia que uma lágrima lhe escorria pela face. Talvez fosse a luz, talvez o facto de nessa ocasião ser um Francês a estar no centro das atenções. Tinha passado muito mais do que um mês, desde que tinha sido possível juntar o grupo para almoçar num dos restaurantes favoritos da nacionalidade de cada um dos membros. Estávamos a atravessar um daqueles períodos de tensão política, económica e administrativa, quando toda a gente parece flutuar sobre os factos triviais da vida diária, acreditando que o destino do mundo está suspenso entre as suas mãos.

Mr. Song cometeu suicídio. A notícia espalhou-se no meio da tarde e todos os seus amigos ficaram espantados. Ele estava a ficar velho, mas ainda de boa saúde, confortável na vida e aparentemente sem razão para um acto tão definitivo. Soube-se que ele tinha fechado todas as portas da garagem de casa e sentou-se no seu carro com o motor ligado. Quando foi encontrado e levado para o hospital, era tarde demais, já estava morto. Alguns dias mais tarde, no funeral, a família e os amigos disseram todo o bem que pensavam dele, quanto sentiriam a sua falta, mais tarde atiraram flores para a sepultura, foi uma cerimónia muito digna. Lá ficou, num desses cemitérios com as pedras tumulares bem afastadas entre as árvores e a relva bem cuidada.

Diana observou os bancos de jardim, onde as pessoas solitárias se podem sentar e fazer companhia a Mr. Song.

JSR

No comments:

Post a Comment