Friday, January 11, 2013

141 - Temos uma Constituição ou um Livro de Horas?

Em Abril de 1974 começou uma comédia de enganos, a revindicação classista dos capitães das forças armadas que acabou na tragédia duma revolução manobrada pelos comunistas, a única força política organizada contra o regime anterior. Todos estes actores, regime anterior, golpes de estado militares e comunistas, já então estavam fora do prazo de validade na evolução política europeia. Uma marca clara de menoridade nacional.
Depois, organizaram-se outros partidos políticos: um socialista, também de matriz marxista, cuja qualidade maior era não ser o dinossáurio comunista; outro democrata, que se dizia social, porque os tempos não estavam para liberais; mais um cristão democrata, contraditoriamente ligado a uma Igreja de obediência divina; e, não esquecer, uma certa quantidade de trotskistas, maoistas e outros grupos extremistas. Tudo isto foi decantando à medida que os partidos e os seus membros atingiam a idade adulta e aprendiam alguma coisa sobre a realidade. Sobraram algumas crianças grandes que continuam com as cabeças nas nuvens e a desempenhar o mesmo papel da sarna na epiderme política.
Foram todas estas cabeças aceleradas que escreveram a primeira Constituição da terceira república e que têm resistido e limitado as revisões posteriores. Imaginaram um país de fantasia socialista, feito da projecção de utopias recorrentes, país que não existia então e não existe ainda. Uma Constituição escrita como um Livro de Horas Canónicas, uma colecção de orações, de desejos, de encantamentos. Para uma sociedade socialista, livre, justa e fraterna. Para direitos adquiridos e inalienáveis dos trabalhadores, para serviços de saúde e educação tendencialmente gratuitos, para reformas garantidas. Com a esperança de que a repetição de preces e de boas intenções, levasse ao auto-convencimento da doutrina da fé e ao milagre da realização.
Na altura, raros foram os que se atreveram a fazer as duas perguntas fundamentais: Quais eram os deveres correspondentes a esses direitos? Com que receitas iam, o Estado e as empresas, pagar todas essas novas despesas?
As respostas foram sendo sucessivamente tão ignorantes (ou hipócritas) como o são ainda hoje. Primeiro pagavam os “ricos”, depois pagava a “Europa”, e finalmente pagavam os empréstimos. Alguém mais tarde haveria de pagar, de preferência durante o governo de outro partido. Pedir emprestado era bom, era investimento, era barato e permitia ganhar eleições. O futuro estava longe e a Deus pertence.
Mas esse dia futuro acabou por chegar. Obviamente não há ricos que cheguem; os países europeus economicamente mais desenvolvidos têm os seus próprios problemas de competição global e não aceitam transferências para os países desgovernados; e finalmente a bancarrota só é evitada, ou adiada, com mais empréstimos, mas desta vez estritamente condicionados por programas de reformas e ajustamentos à economia real do país. Afinal não há milagres.
A realidade, comezinha e desagradável, é que chegou a altura de perguntar como podem e quanto querem, os cidadãos pagadores de impostos, contribuir para que os serviços do estado sejam viáveis? Toda a gente parece estar contra o aumento de impostos. Muita gente, como mostram as manifestações, está contra os cortes na despesa que limitem o custo da função pública, da educação, da saúde, do estado social em geral. A isto chama-se um impasse.
A salvação não virá só do crescimento económico possível. A entrada no mercado internacional dos países em desenvolvimento com mão de obra barata e sem protecções sociais, deslocou indústrias e reduziu o valor do mesmo tipo de trabalho nos países desenvolvidos. Re-industrializar? Os génios das lendas não voltam a entrar nas lamparinas. A nova economia do conhecimento? É preciso investimento, perseverança e tempo. Além disso, as novas tecnologias precisam de cada vez menos gente e cada vez mais bem preparada. Mais e melhores serviços, mais auto-suficiência no consumo? Isso ajudaria ao menos para manter uma balança do comércio externo positiva.
A Constituição Portuguesa está caduca e precisa de ser revista. Não há Livro de Horas, preces aos deuses ou respeito pela doutrina da fé, que resistam ao choque com a realidade. A nova Constituição tem que ser simples, técnica, concisa e garantir um Estado viável. Acabou-se o tempo das ideologias utópicas, da literatura romântica e das encantações atávicas.
JSR

2 comments:

  1. Só falta é convencer os deputados, dirigentes políticos e população em geral que "acabou-se o tempo das ideologias utópicas, da literatura romântica e das encantações atávicas" e que a "nova Constituição tem que ser simples, técnica, concisa e garantir um Estado viável", isto é, com ênfase nos deveres sobre os direitos que disponha e que sejam, de facto, contabilizados os direitos que pressupõe de forma a que o país os possa pagar.
    Ler os seus textos, caro amigo, são pelo menos um alivio de alma por perceber que afinal ainda há gente sã neste país...

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  2. Agradeço o cumprimento... Mas há muito mais gente capaz no nosso país do que parece, porque o "barulho" mediático favorece os mais estridentes e não os mais bem preparados. Esperemos que estes últimos cheguem para o que há a fazer e durem o tempo necessário.

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