Tuesday, January 29, 2013

144 - A Rã e o Boi (La Grenouille et le Boeuf)

Uma das fábulas de La Fontaine conta a história duma rã que, por ambição, queria parecer tão grande como um boi. Esta fábula aplica-se ao Icesave (departamento online do Landsbanki) da Islândia.
Tal como na fábula, a rã (Icesave) engoliu demasiada água (depósitos do estrangeiro, sobretudo do Reino Unido e da Holanda), até que rebentou. De acordo com a directiva europeia que garante compensação a cada depositante em caso de falência bancária, a Islândia devia pagar um total que representa cerca de 20% do seu PIB. Em 2008 a Islândia recusou-se a reembolsar os depositantes. O governo foi demitido e o Presidente convocou uma consulta popular.
Para um pequeno país constituído por um rochedo vulcânico no meio do Atlântico onde se instalaram em tempos uns quantos pescadores vikings (que são agora tantos como a população dum pequeno distrito português), foi preciso coragem e determinação.
A Islândia acaba de ganhar um processo que o Reino Unido e a Holanda lhe puseram junto do tribunal da EFTA (European Free Trade Association) no Luxemburgo. Porque, achou o tribunal entre outras coisas, as leis aceites pela Islândia para ser membro da EFTA não previam uma crise financeira sistémica tão severa como a que afectou o país.
Como a Islândia não é o único caso nesta situação, a decisão do Tribunal levanta a questão da credibilidade das garantias dos depósitos bancários nos países da EFTA, em tempos de crises sistémicas. Quem vai querer voltar a arriscar?
Mas esta rebelião pode também custar caro no futuro. A Islândia é membro da EFTA, mas não é membro da União Europeia. Se algum dia quiser ser membro do clube, o Reino Unido e a Holanda certificar-se-ão de que a conta estará à espera.
“Le monde est plein de gens qui ne sont pas plus sages” (que la grenouille), selon  Jean de La Fontaine.
JSR

Friday, January 25, 2013

143 - O Regresso aos Mercados

O país voltou aos mercados, com uma emissão de dívida antes da data prevista no acordo com a Troika (Setembro 2013) e com sucesso (juros de menos de 5% a 5 anos), numa oferta subscrita cinco ou seis vezes e em mais de 90% por investidores estrangeiros. Se existem sucessos na gestão das finanças públicas dum estado sujeito a um programa de ajuda externa, este é um sucesso.
Não resolve tudo, nem sequer o mais importante, mas é mais um passo para inverter a situação dramática em que o país se encontra. Finalmente uma luz ao fim do túnel, embora um túnel ainda longo.
Minimizar este sucesso é prova de má fé. Alguns socialistas menos argutos estão a colocar os interesses de facções partidárias acima dos interesses do país e do próprio partido. Ao colocar o despeito acima da razão, estão a destruir a pouca credibilidade que ainda terão após o naufrágio do último governo. O resto da esquerda, com todo o respeito devido aos cidadãos que representa, sofre de bloqueio ideológico ou intelectual e não tem grande contribuição prática na solução dos problemas presentes.
Por razões diversas, os media dão uma importância inflacionada aos críticos que peroram como analistas e em painéis de opinião. Críticos que espalham a confusão por demagogia ou ignorância. Confusão que mistura factos com as suas causas e as consequências. Uma coisa são as causas da crise em que o país se encontra, outra são as consequências económicas e financeiras, outra ainda são os graves problemas sociais.
As causas da crise são globais, com especificidades europeias e condicionalismos nacionais bem conhecidos. Se as causas globais são irreversíveis, embora possam ser minimizadas se houver vontade política das democracias ocidentais, se as causas europeias vão sendo ultrapassadas com avanços demasiado lentos, a crise nacional tem que ser resolvida como a questão de sobrevivência que realmente é.
Vir clamar que este sucesso no regresso aos mercados não vem mudar nada nos sacrifícios que continuam a ser exigidos aos cidadãos, está exactamente na mesma linha de raciocínio deformado que levou à crise em primeiro lugar. Ou seja, importante era melhorar cada vez mais os salários, o consumo e a protecção social das pessoas, sem preocupação com o facto de que o país não tinha economia suficiente para esse aumento de despesa. Por isso foi preciso tapar os buracos orçamentais, ano após ano, pedindo empréstimos que acabaram por levar à bancarrota.
Na verdade, esta volta aos mercados de capitais segue no rasto da tomada de posição do Banco Central Europeu no suporte incondicional do Euro, mas isso é o mínimo que as instituições europeias podem fazer. Se o projecto europeu não for defendido e não avançar, deixa de haver União Europeia e volta a ser cada país por si. Ainda há muito que fazer a curto prazo, tanto na Europa com a união bancária e fiscal, como no país com a continuação das reformas para reduzir o défice público.
Já foi possível renegociar algumas das condições do acordo com a Troika, como a extensão do prazo de pagamento dos empréstimos. Falta agora renegociar as taxas de juros para este período mais longo. Tudo isto podia ter sido feito antes, mas essa é uma decisão que só um governo pode tomar, na determinação do tempo possível ou mais propício. Importante é que o país consiga uma redução dos juros a um taxa igual ou inferior ao crescimento da economia. Nada disto vai ser fácil e não é possível perder mais tempo com vacilações políticas internas.
JSR

Thursday, January 17, 2013

142 - O Falatório sobre o Relatório (...do FMI)

O recente relatório de assistência técnica, preparado por técnicos do FMI a pedido do governo português, “Portugal: Rethinking the State—Selected Expenditure Reform Options”, começa logo por dizer que as opiniões expressas no documento não reflectem necessariamente as opiniões do governo: “This paper was prepared based on the information available at the time it was completed in January, 2013. The views expressed in this document are those of the staff team and do not necessarily reflect the views of the government of Portugal”.
Este relatório tem sido objecto de tantas demonstrações de hipocrisia e ignorância, tantos aproveitamentos de política interna rasteira, que a única atitude possível é deixar que “os cães ladrem enquanto a caravana passa”. Vale a pena lembrar que este relatório será seguido de outros, particularmente o da OCDE. Nenhuma organização internacional vem a Portugal e prepara relatórios sobre o país, sem que isso faça parte dos acordos de adesão, das responsabilidades regulares em relação aos países membros, ou sem terem sido especificamente convidadas a fazê-lo.
Apesar de todos os sacrifícios já pedidos à população, aumento de impostos e redução das despesas sociais, o país ainda necessita de fazer as reformas necessárias para que as despesas não excedam as receitas, e isto duma forma sustentada. Enquanto o Estado não conseguir esse equilíbrio e tiver que financiar a diferença recorrendo a empréstimos, a economia não consegue descolar e o país continuará a empobrecer. Todas as sugestões sobre essas reformas devem ser bem vindas, compete depois ao governo fazer as necessárias negociações políticas para escolher quais, como e quando implementar. Tudo o resto é falatório de alcoviteiras partidárias.
Já nos anos 80 do século passado quando Portugal fez o seu segundo pedido de assistência, a responsável pela implementação do programa português comentava em Washington, entre surpreendida e irónica, que cada vez que vinha a Lisboa, os jornalistas esperavam uma aparição de Fátima e os políticos a chegada de D. Sebastião.
Provincianismos recorrentes.
JSR

Friday, January 11, 2013

141 - Temos uma Constituição ou um Livro de Horas?

Em Abril de 1974 começou uma comédia de enganos, a revindicação classista dos capitães das forças armadas que acabou na tragédia duma revolução manobrada pelos comunistas, a única força política organizada contra o regime anterior. Todos estes actores, regime anterior, golpes de estado militares e comunistas, já então estavam fora do prazo de validade na evolução política europeia. Uma marca clara de menoridade nacional.
Depois, organizaram-se outros partidos políticos: um socialista, também de matriz marxista, cuja qualidade maior era não ser o dinossáurio comunista; outro democrata, que se dizia social, porque os tempos não estavam para liberais; mais um cristão democrata, contraditoriamente ligado a uma Igreja de obediência divina; e, não esquecer, uma certa quantidade de trotskistas, maoistas e outros grupos extremistas. Tudo isto foi decantando à medida que os partidos e os seus membros atingiam a idade adulta e aprendiam alguma coisa sobre a realidade. Sobraram algumas crianças grandes que continuam com as cabeças nas nuvens e a desempenhar o mesmo papel da sarna na epiderme política.
Foram todas estas cabeças aceleradas que escreveram a primeira Constituição da terceira república e que têm resistido e limitado as revisões posteriores. Imaginaram um país de fantasia socialista, feito da projecção de utopias recorrentes, país que não existia então e não existe ainda. Uma Constituição escrita como um Livro de Horas Canónicas, uma colecção de orações, de desejos, de encantamentos. Para uma sociedade socialista, livre, justa e fraterna. Para direitos adquiridos e inalienáveis dos trabalhadores, para serviços de saúde e educação tendencialmente gratuitos, para reformas garantidas. Com a esperança de que a repetição de preces e de boas intenções, levasse ao auto-convencimento da doutrina da fé e ao milagre da realização.
Na altura, raros foram os que se atreveram a fazer as duas perguntas fundamentais: Quais eram os deveres correspondentes a esses direitos? Com que receitas iam, o Estado e as empresas, pagar todas essas novas despesas?
As respostas foram sendo sucessivamente tão ignorantes (ou hipócritas) como o são ainda hoje. Primeiro pagavam os “ricos”, depois pagava a “Europa”, e finalmente pagavam os empréstimos. Alguém mais tarde haveria de pagar, de preferência durante o governo de outro partido. Pedir emprestado era bom, era investimento, era barato e permitia ganhar eleições. O futuro estava longe e a Deus pertence.
Mas esse dia futuro acabou por chegar. Obviamente não há ricos que cheguem; os países europeus economicamente mais desenvolvidos têm os seus próprios problemas de competição global e não aceitam transferências para os países desgovernados; e finalmente a bancarrota só é evitada, ou adiada, com mais empréstimos, mas desta vez estritamente condicionados por programas de reformas e ajustamentos à economia real do país. Afinal não há milagres.
A realidade, comezinha e desagradável, é que chegou a altura de perguntar como podem e quanto querem, os cidadãos pagadores de impostos, contribuir para que os serviços do estado sejam viáveis? Toda a gente parece estar contra o aumento de impostos. Muita gente, como mostram as manifestações, está contra os cortes na despesa que limitem o custo da função pública, da educação, da saúde, do estado social em geral. A isto chama-se um impasse.
A salvação não virá só do crescimento económico possível. A entrada no mercado internacional dos países em desenvolvimento com mão de obra barata e sem protecções sociais, deslocou indústrias e reduziu o valor do mesmo tipo de trabalho nos países desenvolvidos. Re-industrializar? Os génios das lendas não voltam a entrar nas lamparinas. A nova economia do conhecimento? É preciso investimento, perseverança e tempo. Além disso, as novas tecnologias precisam de cada vez menos gente e cada vez mais bem preparada. Mais e melhores serviços, mais auto-suficiência no consumo? Isso ajudaria ao menos para manter uma balança do comércio externo positiva.
A Constituição Portuguesa está caduca e precisa de ser revista. Não há Livro de Horas, preces aos deuses ou respeito pela doutrina da fé, que resistam ao choque com a realidade. A nova Constituição tem que ser simples, técnica, concisa e garantir um Estado viável. Acabou-se o tempo das ideologias utópicas, da literatura romântica e das encantações atávicas.
JSR

Friday, January 4, 2013

140 - America’s Fiscal Cliff - Uma Guerra Civil Pelo Futuro

Storm Over The U.S. Capitol
Duas concepções da sociedade Americana travam uma das últimas batalhas na sua guerra pelo futuro. Uma guerra civil entre antigos e novos paradigmas económicos e sociais.
Dum lado o partido Republicano, conservadores tradicionais e alguns extremistas, partidários dos valores de livre iniciativa e responsabilidade individual, para quem “redistribution is a dirty word”. Com um eleitorado composto na sua maioria por homens brancos, cristãos de diversas denominações protestantes regulares e de algumas fundamentalistas, das classes mais endinheiradas e também dos habitantes das cidades médias e pequenas da América profunda. Em vias de perder a guerra demográfica, lutam nos seus últimos redutos para manter o que consideram o espírito que fez a grandeza do país e o diferencia das sociedades europeias.
Do outro lado, o partido Democrata, menos conservador mas longe dos valores do centro e esquerda europeus, reivindicativo do direito ao trabalho e de maior solidariedade social. Composto por uma maioria de mulheres, minorias étnicas e outras, de crenças diversas, habitantes das grandes cidades e dos Estados mais progressistas. Em grande aumento demográfico, devido sobretudo à proliferação dos hispânicos como consequência de maior natalidade e emigração incessante dos países ao sul. O tempo só vai acentuar esta diferença.
O mundo suspendeu a respiração enquanto decorreram as negociações entre as duas partes em conflito para evitar um precipício orçamental (fiscal cliff) em 2013. Precipício causado pela possível extensão de leis supostamente temporárias, assim como resultado das medidas necessárias para reduzir o enorme e crescente deficit. Respira de alívio quando uma espécie de acordo é conseguido e o presidente promulga a legislação que aumenta ligeiramente os impostos dos mais ricos, continua os programas de apoio aos mais desfavorecidos e mantêm a miríade de deduções permitida pelo código dos impostos, assim como adia o corte nas despesas militares.
É certo que uma cura de austeridade demasiado drástica nos EU teria consequências mundiais. Demasiada austeridade, aumentando impostos e cortando despesa durante um período de abrandamento económico, leva ao perigo de recessão. O pacote original provocaria uma descida de cerca de 5% do PIB, o pacote que foi promulgado após negociações reduz a descida para cerca de 2%. Os países emergentes, como a China ou a Índia, cujo crescimento económico é altamente dependente das exportações para a Europa e para os Estados Unidos, suportariam dificilmente uma recessão Americana a juntar a uma Europa em crise.
Esta guerra civil tem um fim anunciado, para bem ou para mal. Os Estados Unidos percorrem o caminho de progressiva solidariedade social da Europa, caminho que é melhor ser sem retorno. Porque a alternativa seria o retrocesso à barbárie, a rendição às correntes mais extremistas que sempre percorrem o mundo e que por vezes vencem o progresso e a razão. O grande desafio é conseguir conjugar o dinamismo económico com o peso dos encargos necessários ao funcionamento do Estado.  
Todavia, não deixa de ser  curioso como para os Estados Unidos é considerado um “fiscal cliff”, aquilo que na Europa é considerado indispensável para a recuperação financeira e uma eventual retoma económica. Como dizem os Franceses, recentemente embalados por promessas eleitorais irresponsáveis e agora confrontados pela realidade da austeridade crescente: “Va-t’en savoir”...
JSR