Durante o último meio século, um
quarto dos portugueses tem pago impostos directos cada vez mais exorbitantes e
extorsionários, a fim de que sucessivos governos possam vender aos eleitores um
progresso a crédito e favorecer uma pequena clique oligárquica que manda em
tudo e de quem esperam recompensa posterior. Com honrosas e cada vez mais raras
excepções.
Os eleitores em geral nem se
apercebem deste facto, são mantidos ignorantes e incapazes de escolha crítica.
A oferta de informação é atroz: por um lado, os media são propriedade de grupos
económicos que subsidiam os cabeçalhos enganadores da imprensa e os programas
televisivos para atrasados mentais, muitos deles com editoriais e crónicas duma
repetição intragável; por outro lado, não há informação pública independente,
excepto alguns programas fora de horas para uma pequena elite culta, à qual não
conseguem aceder os produtos dum sistema educativo que não ensina a pensar criticamente.
Muitas das “personalidades” políticas,
televisivas e jornalísticas, não jogam com um baralho de cartas completo.
Faltam-lhes naipes inteiros. Constroem sobre ilusões e sem alicerces chegam a
edifícios mentais igualmente fantasiosos. Não têm memória comparativa.
O sistema económico rebentou
uma primeira vez a seguir ao 25 de Abril de 74, por exaustão financeira. Faltou
o dinheiro novamente no princípio dos anos 80 por completo desgoverno. Agora o
país está outra vez falido por excesso de endividamento. Mas entretanto os
culpados não aprenderam nada.
Portugal não tem, nem nunca teve,
uma economia que suporte o despesismo do estado. Desde a independência, nunca
houve uma economia sustentável. Uma parte da população, paupérrima, dedicada à
agricultura, à pesca e a pequenos negócios de intermediação, sustentava as
classes guerreira e clerical, ambas economicamente parasitárias. Um país onde
se inventou a desvalorização da moeda pelo próprio emissor, reduzindo e abastardando
os metais preciosos que a compunham. D. Fernando, o falsário, que cunhou as
célebres “barbudas”, moedas só com banho de prata, que valiam oito das antigas
moedas realmente de prata e assim arruinou o país.
Houve períodos de prosperidade
superficial e passageira, como as navegações, as descobertas e a exploração de
alguns recursos coloniais. Todavia, o comércio dos escravos, do marfim, do
açúcar, das especiarias, das sedas, das porcelanas, mais tarde do ouro, em vez
de enriquecerem o país através do estabelecimento de manufacturas duradouras e
casas de comércio internacionais, só enriqueceram temporariamente reis esbanjadores
(aquela embaixada ao Papa, dum novo-riquismo ridicularizado por toda a Europa) e
aristocratas corruptos (a anedota do nababo que queimava paus de canela na
lareira, para ostentar o sucesso da roubalheira durante o exercício do seu
cargo colonial).
A Coroa, ou seja, o Estado,
estabeleceu monopólios, apropriou-se de tudo o que era rentável e arruinou a
burguesia nascente que tinha financiado as expedições, destruindo no embrião a
indústria e o comercio nacionais. As matérias primas eram negociadas no
estrangeiro e do estrangeiro eram importados não só os bens de luxo como tudo o
que tinha valor acrescentado. A machadada final veio com a expulsão dos judeus,
o que restava de burguesia, que levaram para a Holanda os mapas e os pilotos
que em breve lhes permitiram estabelecer a empresa comercial que concorreu com e
acabou por destruir o império português. Mais importante, reforçou e contribuiu
grandemente para o enriquecimento de toda uma classe de empresários dos Países
Baixos que dura até aos dias de hoje. As vantagens da liberdade e tolerância em
relação ao despotismo, fanatismo e ganância ignorante.
A melhoria do nível de vida
desde os últimos anos do século passado foi uma ilusão sustentada a crédito. Portugal
era até aí um país pobre, com uma política industrial apoiada e dirigida
pelo Estado, poucas e pequenas indústrias independentes, com uma distribuição
muito limitada de água e energia eléctrica, um caminho de ferro incipiente,
péssimas estradas, má cobertura médica, raro saneamento, uma agricultura de
subsistência. Bandos de adultos e crianças esfomeados, maltrapilhos e
descalços, percorriam o país como mão de obra itinerante.
O sobressalto democrático de
74 converteu os desejos de progresso e de equidade social em realidade legal,
mas teórica, sem alicerces no fraco progresso económico do país. A entrada na
Comunidade Europeia trouxe a possibilidade de obter empréstimos a juros tão
baixos que se tornarem irresistíveis. Endividaram-se os particulares para a
vida inteira e endividou-se o Estado para pagar infra-estruturas e serviços
sociais, com o reembolso a pagar pelas gerações futuras. Até que o sonho
acabou.
Com o Euro como moeda comum,
não há possibilidade de usar o engano da inflação usado nos anos 80, para mascarar
o empobrecimento provocado pelo ajustamento da economia à realidade. Com o Euro e os
credores agrupados na troika, não há manifestações que valham, não há greves que
sirvam senão para arruinar ainda mais as empresas.
Os ricos que paguem a crise...
Que inocência ignorante. Os verdadeiros ricos há muito que transferiram
capitais e residência fiscal para fora do país, uma fiscalidade extorsionária
apenas tem como consequência faze-los investir os seus capitais noutros lados.
Quem paga a crise são as classes médias, que não têm alternativas, mas que
ficam desmotivadas na sua produtividade e que baixam o seu consumo. Não é nem
justo nem inteligente alienar quem estudou mais, quem trabalhou mais, quem investiu
mais, quem aceitou mais riscos para criar emprego. Assim não há economia que
resista.
Alternativas ao aumento dos
impostos? Claro que há, basta reduzir as despesas do Estado ao que a economia
que existe pode realmente suportar. Todas as despesas, começando pelos órgãos
de soberania, passando pelas administrações e serviços do Estado e acabando, se
necessário e infelizmente, nas prestações sociais. Além disso, resolver as
causas da falta de produtividade, encorajar o espírito empresarial em vez da
dependência, manter os pés na terra nas decisões políticas, económicas e sociais.
E perder as manias de grandeza.
JSR
"Alternativas ao aumento dos impostos? Claro que há, basta reduzir as despesas do Estado ao que a economia que existe pode realmente suportar. Todas as despesas, começando pelos órgãos de soberania, passando pelas administrações e serviços do Estado e acabando, se necessário e infelizmente, nas prestações sociais. Além disso, resolver as causas da falta de produtividade, encorajar o espírito empresarial em vez da dependência, manter os pés na terra nas decisões políticas, económicas e sociais. E perder as manias de grandeza."
ReplyDeleteNem mais. O problema é convencer todos os "dependentes" a serem empreendedores, todos os que têm "direitos adquiridos" a abdicarem deles e o pior de tudo, que é os órgãos de soberania, administrações e serviços do Estado a diminuírem as suas despesas... Como isso não me parece possível de acontecer, desconfio que havemos mesmo de ir à bancarrota (de onde andamos lá perto o ano passado) e depois veremos o que vai acontecer...
Desde que este post foi escrito que o assunto tem vindo a ser debatido de todas as formas. A reforma do Estado (ou "refundação"...), não só faz parte do Acordo com a "troika" como é necessária desde o tempo do segundo programa com o FMI. De resto, já está a acontecer.
ReplyDeleteÉ bem verdade, mas mexer na "vaca sagrada" da Constituição e, pior ainda, mexer nos sacrossantos "direitos adquiridos" é muito, mas mesmo muito, complicado.
ReplyDeleteE o resultado é que acaba por ser a conta gotas e quase sempre tarde e a más horas.
Apesar dos muitos erros e de discordar com muitas coisas do actual Governo, acho que numa coisa eles estão a fazer um trabalho meritório (por causa ou apesar do acordo) que é na mudança de paradigma em muitas áreas de governação.
Já se está a mexer nos "direitos adquiridos", não há outro remédio.
ReplyDeleteO governo tem tomado as medidas necessárias, por ordem de urgência e com a rapidez possível. É preciso não esquecer o pouco tempo (relativo) que passou desde que tomou posse. Não admira que os credores estejam bem impressionados. Mas agora é preciso avançar com as reformas dos serviços do estado, contra ventos e marés oposicionistas. O que vai levar mais tempo.
A Constituição acabará por ser revista, mas será já por caducidade e irrelevância...
Entretanto, é preciso que a economia europeia ajude e que haja estadistas capazes de controlar os egoismos nacionais.