Este país tem um governo bem
intencionado, razoavelmente eficaz, embora por vezes asneirento. As
intervenções do primeiro ministro e do ministro das finanças foram pontapés num
vespeiro já muito exasperado. Dispararam vespas em pé de guerra por todas as
direcções, com muito ruído mas menos sentido, como revoadas de parvoinhas.
“Revoadas de parvoinhas” é uma
tradução muito livre da expressão japonesa para os grupos de rapariguinhas de
ultra-ninisaia que se passeiam pelas cidades de headphones colados aos ouvidos e telefone na mão, trocando mensagens,
giggles e trejeitos, vestidas de
forma exótica inspirada de personagens de banda desenhada ou de filmes de culto.
Para atrair a atenção, como os bandos partidários de todos os países, das mais
livres das democracias aos palhaços das ditaduras, sempre como meio de obter
algumas vantagens.
Antes de mais, é melhor
separar as águas. O vespeiro português está exasperado e com muito boas razões.
Em meio século o país sofreu
uma profunda transformação social e económica, multidões saíram da pobreza e
ignorância atávicas para a emigração, para a escola, para novas oportunidades
de trabalho, para novas habitações, para novas protecções estatais, em resumo para
a vida melhor nas novas “classes médias” dum país democrático.
Na realidade, uma vida muito
melhor do que aquilo que o país podia pagar, uma falsa prosperidade a crédito. O
crédito é por natureza temporário, é preciso pagar o que foi pedido emprestado
e quando essa altura chega acabaram-se as fantasias, ou o dinheiro foi bem usado
para produzir mais riqueza ou se perde tudo o que se julgava ter adquirido,
bens e direitos.
Nesta altura, em que tudo o
que é bom se reduz, garantias de rendimento, protecção e serviços sociais, e em
que tudo o que é mau aumenta, desemprego e custo de vida, não existe sequer o
embuste da inflação para aquietar os mais ignorantes com a aparência da
manutenção ou aumento de salários. O choque da crise é brutal, assim como as
suas consequências. Ninguém gosta de pagar impostos exorbitantes, de empobrecer
e ainda menos de perder o emprego, de viver mal, por vezes ao ponto de não
conseguir alimentar convenientemente a família. A revolta cresce, cega, surda e
irracional, procurando um alvo para se manifestar e não encontra melhor alvo do
que os governantes e os seus mensageiros.
Mais uma vez, entram aqui as revoadas
de parvoinhas.
Dizem uns : Nós bem avisámos
que a noite ia chegar a seguir ao dia, acertámos, somos os maiores. É preciso eleições
já para que votem em nós. Não podemos fazer nada de diferente, mas por enquanto
podemos prometer tudo, não sabemos bem o quê, mas connosco vai ser melhor. Vamos
culpar quem nos empresta o suficiente para podermos pagar salários e os
serviços do Estado, apelando à sua má consciência de culpas passadas.
Como se as novas gerações dos
países credores ainda quisessem saber disso para alguma coisa. Se quisermos
fazer progredir o federalismo europeu, então aí podemos contar com a devida
solidariedade, porque com a supervisão central duma federação de estados os
países com economias frágeis têm menos hipóteses de se endividarem demasiado.
Outros dizem: "Mentiram-nos,
mentiram-nos, mais depressa se apanha um mentiroso do que um... do que um...
ah, um deficiente duma perna!"* Pois, agora até os estalinistas se curvam tanto,
tanto, ao politicamente correcto que ficam com... com... o rabo fora das
calças... Manifestemos, manifestemos. Nisso têm razão, é para isso que servem
estes partidos de velhotes saudosistas, cuja resmunguice por vezes até é simpática,
para descarregar a pressão mas com um bom serviço de ordem para evitar
garotadas anarquistas.
Comentam os mais velhos: Estes
jovens inexperientes não sabem o que fazem. Até pode ser verdade, mas também é
verdade que na altura própria os mais experientes não aceitaram fazer parte do
governo. Nah... são tempos muito difíceis, com muitas responsabilidades em
cargos mal pagos, é muito melhor ficar de fora numa prateleira dourada, bem
paga e com a liberdade de criticar tudo o que mexe.
E a comunicação social ajuda
ao desnorte, com títulos alarmistas, por vezes dizendo o contrário do que diz o
corpo da notícia real, procurando o sensacional e o sórdido, comunicando para
aumentar as vendas, ou as audiências, e não necessariamente para informar
correctamente.
Pobre de quem governa, são sempre
os bombos da festa. Não quer dizer que não façam asneiras, e estes têm feito a
sua quota parte, mas ao menos caminham no bom sentido e sempre vão fazendo
algumas das reformas que os governos que os precederam não tiveram nem a
clarividência nem a coragem de fazer. Se pecam é por defeito, por ainda não
terem o arrojo de capitalizar na sua nova credibilidade de bons executivos e
arriscarem expropriar as empresas e julgar os acusados de cometer crimes contra
os interesses do estado nas parcerias público-privadas, nos Bancos renegados, nas
rendas e negociatas de toda a ordem, nas luvas e corrupção, no “bloco central
de interesses”...
A propósito do “bloco central
de interesses” parece ser verdade que este primeiro ministro se está
efectivamente “a lixar para as eleições”, mas tanto o seu partido como o seu
parceiro de coligação não estão, nem está o maior partido da oposição, porque querem manter os lugares, os privilégios
e continuar a dividir os espólios da sua passagem pelo poder. Daí outra revoada
de parvoinhas.
Qualquer pessoa sensata
compreende que nenhum governo sobrevive mais do que um mandato com estas políticas
de austeridade. Pelo menos, os membros essenciais deste governo são gente nova,
que tem um futuro para além da política e do país, que não parece precisar de
arranjinhos com os donos da economia nacional para garantir um “tacho” quando
deixarem os negócios do Estado.
Pela Europa fora, na maior
parte dos países que vão a eleições os governos caiem que nem tordos. A maioria
dos eleitores não compreende, não quer saber, não vê para além dos seus
interesses pessoais imediatos. Não estou contente, voto contra, talvez novos
governantes saibam conjurar os poderes sobrenaturais e haja um milagre.
Sugiro que vão todos em
procissão pôr uma vela a Santa-Maçaneta-da-Porta, padroeira das parvoinhas, para
que lhes mostre o que estaria do lado de fora.
JSR
*Jerónimo de Sousa dixit.
*Jerónimo de Sousa dixit.
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