Thursday, September 13, 2012

123 - As Revoadas de Parvoinhas


Este país tem um governo bem intencionado, razoavelmente eficaz, embora por vezes asneirento. As intervenções do primeiro ministro e do ministro das finanças foram pontapés num vespeiro já muito exasperado. Dispararam vespas em pé de guerra por todas as direcções, com muito ruído mas menos sentido, como revoadas de parvoinhas.
“Revoadas de parvoinhas” é uma tradução muito livre da expressão japonesa para os grupos de rapariguinhas de ultra-ninisaia que se passeiam pelas cidades de headphones colados aos ouvidos e telefone na mão, trocando mensagens, giggles e trejeitos, vestidas de forma exótica inspirada de personagens de banda desenhada ou de filmes de culto. Para atrair a atenção, como os bandos partidários de todos os países, das mais livres das democracias aos palhaços das ditaduras, sempre como meio de obter algumas vantagens.
Antes de mais, é melhor separar as águas. O vespeiro português está exasperado e com muito boas razões.
Em meio século o país sofreu uma profunda transformação social e económica, multidões saíram da pobreza e ignorância atávicas para a emigração, para a escola, para novas oportunidades de trabalho, para novas habitações, para novas protecções estatais, em resumo para a vida melhor nas novas “classes médias” dum país democrático.
Na realidade, uma vida muito melhor do que aquilo que o país podia pagar, uma falsa prosperidade a crédito. O crédito é por natureza temporário, é preciso pagar o que foi pedido emprestado e quando essa altura chega acabaram-se as fantasias, ou o dinheiro foi bem usado para produzir mais riqueza ou se perde tudo o que se julgava ter adquirido, bens e direitos.
Nesta altura, em que tudo o que é bom se reduz, garantias de rendimento, protecção e serviços sociais, e em que tudo o que é mau aumenta, desemprego e custo de vida, não existe sequer o embuste da inflação para aquietar os mais ignorantes com a aparência da manutenção ou aumento de salários. O choque da crise é brutal, assim como as suas consequências. Ninguém gosta de pagar impostos exorbitantes, de empobrecer e ainda menos de perder o emprego, de viver mal, por vezes ao ponto de não conseguir alimentar convenientemente a família. A revolta cresce, cega, surda e irracional, procurando um alvo para se manifestar e não encontra melhor alvo do que os governantes e os seus mensageiros. 
Mais uma vez, entram aqui as revoadas de parvoinhas.
Dizem uns : Nós bem avisámos que a noite ia chegar a seguir ao dia, acertámos, somos os maiores. É preciso eleições já para que votem em nós. Não podemos fazer nada de diferente, mas por enquanto podemos prometer tudo, não sabemos bem o quê, mas connosco vai ser melhor. Vamos culpar quem nos empresta o suficiente para podermos pagar salários e os serviços do Estado, apelando à sua má consciência de culpas passadas.
Como se as novas gerações dos países credores ainda quisessem saber disso para alguma coisa. Se quisermos fazer progredir o federalismo europeu, então aí podemos contar com a devida solidariedade, porque com a supervisão central duma federação de estados os países com economias frágeis têm menos hipóteses de se endividarem demasiado.
Outros dizem: "Mentiram-nos, mentiram-nos, mais depressa se apanha um mentiroso do que um... do que um... ah, um deficiente duma perna!"* Pois, agora até os estalinistas se curvam tanto, tanto, ao politicamente correcto que ficam com... com... o rabo fora das calças... Manifestemos, manifestemos. Nisso têm razão, é para isso que servem estes partidos de velhotes saudosistas, cuja resmunguice por vezes até é simpática, para descarregar a pressão mas com um bom serviço de ordem para evitar garotadas anarquistas.
Comentam os mais velhos: Estes jovens inexperientes não sabem o que fazem. Até pode ser verdade, mas também é verdade que na altura própria os mais experientes não aceitaram fazer parte do governo. Nah... são tempos muito difíceis, com muitas responsabilidades em cargos mal pagos, é muito melhor ficar de fora numa prateleira dourada, bem paga e com a liberdade de criticar tudo o que mexe.
E a comunicação social ajuda ao desnorte, com títulos alarmistas, por vezes dizendo o contrário do que diz o corpo da notícia real, procurando o sensacional e o sórdido, comunicando para aumentar as vendas, ou as audiências, e não necessariamente para informar correctamente.
Pobre de quem governa, são sempre os bombos da festa. Não quer dizer que não façam asneiras, e estes têm feito a sua quota parte, mas ao menos caminham no bom sentido e sempre vão fazendo algumas das reformas que os governos que os precederam não tiveram nem a clarividência nem a coragem de fazer. Se pecam é por defeito, por ainda não terem o arrojo de capitalizar na sua nova credibilidade de bons executivos e arriscarem expropriar as empresas e julgar os acusados de cometer crimes contra os interesses do estado nas parcerias público-privadas, nos Bancos renegados, nas rendas e negociatas de toda a ordem, nas luvas e corrupção, no “bloco central de interesses”...
A propósito do “bloco central de interesses” parece ser verdade que este primeiro ministro se está efectivamente “a lixar para as eleições”, mas tanto o seu partido como o seu parceiro de coligação não estão, nem está o maior partido da oposição, porque querem manter os lugares, os privilégios e continuar a dividir os espólios da sua passagem pelo poder. Daí outra revoada de parvoinhas.
Qualquer pessoa sensata compreende que nenhum governo sobrevive mais do que um mandato com estas políticas de austeridade. Pelo menos, os membros essenciais deste governo são gente nova, que tem um futuro para além da política e do país, que não parece precisar de arranjinhos com os donos da economia nacional para garantir um “tacho” quando deixarem os negócios do Estado.
Pela Europa fora, na maior parte dos países que vão a eleições os governos caiem que nem tordos. A maioria dos eleitores não compreende, não quer saber, não vê para além dos seus interesses pessoais imediatos. Não estou contente, voto contra, talvez novos governantes saibam conjurar os poderes sobrenaturais e haja um milagre.
Sugiro que vão todos em procissão pôr uma vela a Santa-Maçaneta-da-Porta, padroeira das parvoinhas, para que lhes mostre o que estaria do lado de fora.
JSR

*Jerónimo de Sousa dixit.

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