Já não há paciência para
aturar tantos disparates na comunicação social, tanta mistura de causas e
consequências, de factos reais e de ilusões, de propostas racionais e de
delírios fantasistas.
Uma coisa são as consequências
da crise económica e da austeridade, a realidade das dificuldades de muitos, a
pobreza que aumenta, as situações dramáticas de alguns. Outra coisa é a análise
realista das causas da crise. Outra ainda são as propostas racionais para
resolver a situação.
Desde que a crise económica (e
não só) atingiu Portugal, mas particularmente nas últimas semanas, parece que
alguns responsáveis pela formação da opinião pública (políticos, académicos, sindicalistas,
banqueiros, gestores, representantes de classes profissionais, comentadores de
cores variadas) estão atacados de “malagridismo” agudo.
O padre Malagrida foi aquele
fenómeno que, após o terramoto de 1755, pregava a tese que o desastre tinha
sido um castigo de Deus e que era preciso fazer procissões e penitências
diversas para subornar a cólera divina. Clamava do alto dos púlpitos e do meio
das ruas, contra a explicação científica das causas naturais do que tinha
acontecido, particularmente um folheto mandado publicar pelo marquês de Pombal
para acalmar as populações. A sua
agitação impedia a execução eficaz da ordem de enterrar os mortos, tratar dos
vivos e reconstruir a cidade. Como sempre, a ideologia supersticiosa contra a ciência
e a razão.
O país está a ser atingido por
uma série de choques semelhantes aos de um tremor de terra. Portugal é afectado
por falhas sísmicas, no sentido próprio e no sentido figurado. No sentido
próximo, as placas da crosta terrestre estão em colisão provocando sacudidelas
de vez em quando. No sentido figurado, Portugal não tem uma economia sustentável
e de vez em quando entra em bancarrota.
É a triste verdade que a
população sofre com o desemprego crescente, com os cortes de salários e
pensões, com a descida do poder de compra, com a redução dos serviços sociais,
com o aumento dos impostos só para alguns, com a falta de esperança no futuro.
Mas também é verdade que os demagogos e os radicais se aproveitam do desespero
das pessoas para soprarem as brasas de todos os descontentamentos e atearem os
fogos das falsas promessas, das falsas alternativas, das falsas soluções.
Os “malagridas” recusam-se a avaliar
as causas da situação actual e a procurar soluções de acordo com a realidade.
São os partidários do castigo divino causado pelos malefícios do capital e as
políticas neo-liberais. A expiação dos pecados passa pelas manifestações e
greves para obrigar os governantes a redimirem-se das medidas contra o
proletariado, contra os direitos adquiridos, contra cada uma das corporações, contra
todas as cartilhas reivindicativas. Mas nunca propõem nada de útil para
resolver os problemas reais e urgentes, ou então apresentam ideias que soam bem
ao ouvido ou fazem bons títulos, mas que são na realidade dos números para o
orçamento do Estado e a redução das dívidas, o equivalente a tentar tapar com
caudas de rato os buracos abertos por trombas de elefante...
Ontem como hoje, são os
críticos descabelados e os catastrofistas que têm mais fácil acesso aos
púlpitos mercantilistas dos media que lucram com o aumento de circulações e
audiências. Os media, que salivam de impaciência por em Portugal não ter havido
(ainda?) as grandes missas de confrontos entre a polícia e os bandos de
desordeiros, como na Grécia ou em Espanha. Ah, tantas grandes reportagens perdidas!
Tanta falta de oportunidades profissionais! Tantas saudades do padre Malagrida, exilado em Setúbal, terra de incréus, onde iam em peregrinação os Aveiros e
os Távoras, até acabarem quase todos em grandes “eventos” populares no Terreiro
do Paço...
JSR