Sunday, September 30, 2012

125 - Os Malagridas



Já não há paciência para aturar tantos disparates na comunicação social, tanta mistura de causas e consequências, de factos reais e de ilusões, de propostas racionais e de delírios fantasistas.
Uma coisa são as consequências da crise económica e da austeridade, a realidade das dificuldades de muitos, a pobreza que aumenta, as situações dramáticas de alguns. Outra coisa é a análise realista das causas da crise. Outra ainda são as propostas racionais para resolver a situação.
Desde que a crise económica (e não só) atingiu Portugal, mas particularmente nas últimas semanas, parece que alguns responsáveis pela formação da opinião pública (políticos, académicos, sindicalistas, banqueiros, gestores, representantes de classes profissionais, comentadores de cores variadas) estão atacados de “malagridismo” agudo.
O padre Malagrida foi aquele fenómeno que, após o terramoto de 1755, pregava a tese que o desastre tinha sido um castigo de Deus e que era preciso fazer procissões e penitências diversas para subornar a cólera divina. Clamava do alto dos púlpitos e do meio das ruas, contra a explicação científica das causas naturais do que tinha acontecido, particularmente um folheto mandado publicar pelo marquês de Pombal para acalmar as populações.  A sua agitação impedia a execução eficaz da ordem de enterrar os mortos, tratar dos vivos e reconstruir a cidade. Como sempre, a ideologia supersticiosa contra a ciência e a razão.
O país está a ser atingido por uma série de choques semelhantes aos de um tremor de terra. Portugal é afectado por falhas sísmicas, no sentido próprio e no sentido figurado. No sentido próximo, as placas da crosta terrestre estão em colisão provocando sacudidelas de vez em quando. No sentido figurado, Portugal não tem uma economia sustentável e de vez em quando entra em bancarrota.
É a triste verdade que a população sofre com o desemprego crescente, com os cortes de salários e pensões, com a descida do poder de compra, com a redução dos serviços sociais, com o aumento dos impostos só para alguns, com a falta de esperança no futuro. Mas também é verdade que os demagogos e os radicais se aproveitam do desespero das pessoas para soprarem as brasas de todos os descontentamentos e atearem os fogos das falsas promessas, das falsas alternativas, das falsas soluções.
Os “malagridas” recusam-se a avaliar as causas da situação actual e a procurar soluções de acordo com a realidade. São os partidários do castigo divino causado pelos malefícios do capital e as políticas neo-liberais. A expiação dos pecados passa pelas manifestações e greves para obrigar os governantes a redimirem-se das medidas contra o proletariado, contra os direitos adquiridos, contra cada uma das corporações, contra todas as cartilhas reivindicativas. Mas nunca propõem nada de útil para resolver os problemas reais e urgentes, ou então apresentam ideias que soam bem ao ouvido ou fazem bons títulos, mas que são na realidade dos números para o orçamento do Estado e a redução das dívidas, o equivalente a tentar tapar com caudas de rato os buracos abertos por trombas de elefante...
Ontem como hoje, são os críticos descabelados e os catastrofistas que têm mais fácil acesso aos púlpitos mercantilistas dos media que lucram com o aumento de circulações e audiências. Os media, que salivam de impaciência por em Portugal não ter havido (ainda?) as grandes missas de confrontos entre a polícia e os bandos de desordeiros, como na Grécia ou em Espanha. Ah, tantas grandes reportagens perdidas! Tanta falta de oportunidades profissionais! Tantas saudades do padre Malagrida, exilado em Setúbal, terra de incréus, onde iam em peregrinação os Aveiros e os Távoras, até acabarem quase todos em grandes “eventos” populares no Terreiro do Paço...
JSR 

Friday, September 21, 2012

124 - Panegírico de Santa-Maçaneta-da-Porta, Virgem e Mártir

As maçanetas estão colocadas de um lado e doutro duma porta, separando o dentro e o fora. Uma posição menos exaltada que a dos pontífices (pontifex, fazedor de pontes), os quais sucederam aos xamans como mediadores entre os homens e os espíritos. Uns e outros encontram-se instalados entre a realidade e o imaginário.
Esta Santa Maçaneta viveu nos tempos conturbados das guerras bufónicas (neologismo de bufão, bufões). Dum lado, os que estavam  do lado de dentro da porta do governo de Portugal e que não tinham outro remédio senão tentar resolver os problemas da triste realidade nacional. Do outro lado, os que por estarem de fora, se podiam permitir apregoar umas alegres patetices negando a gravidade da situação. As posições eram reversíveis, os factos não. O tesouro do reino estava empenhado, não havia verba para continuar a sustentar os oligarcas no seu estadão habitual, nem os burgueses nos seus privilégios, nem os servos da gleba nas suas pequenas regalias.
Disse o povo:
“Santa-Maçaneta-da-Porta
não tugia nem mugia.”
Por essa altura houve manifestações pacíficas contra as dificuldades crescentes e o empobrecimento de todos, com a óbvia excepção de alguns oligarcas multi-alavancados. Centenas de milhares de pessoas gritaram o desespero de quem não vê saída para as consequências da crise, o desemprego, a diminuição dos rendimentos, o aumento incessante dos impostos para os que pagam. Saiu à rua o povo que não percebe, nem quer perceber do equilíbrio das contas do orçamento, que acha que chega de sacrifícios para pagar erros de governação e de gestão financeira, de apropriação dos recursos do Estado por grupos de interesses e governantes complacentes. As manifestações e as greves corriam geralmente bem, apesar de haver alturas em que a polícia, oportunamente bem treinada, tinha que aguentar estoicamente mas sem ceder, as provocações duns quantos destrambelhados.
O país projectava assim uma imagem de irritação digna e civilizada, assim como enviava uma mensagem de desmentido àqueles que julgavam o povo adormecido ou resignado. Uma imagem e uma mensagem muito importantes para o exterior. Melhores imagens do que as que vimos recentemente vindas de Inglaterra ou de França, em que grupos organizados de bandidos destruíram os centros de Londres ou Paris. Para não mencionar a Grécia.
Disse o povo:
“Santa-Maçaneta-da-Porta
não fechava nem abria.”
Mas depressa apareceram os oportunistas e os excitados, que aproveitaram o descontentamento popular por todas as formas, as honestas, as desonestas e mesmo as ridículas.
Perguntava a repórter (da RTP Informação, no dia 15 de Setembro, cerca das 17 horas) a um dos manifestantes: “Veio a esta manifestação porque a situação do nosso país nunca esteve tão má como agora, não é verdade?” Responde o manifestante: “É isso mesmo”. Apanhada a pôr palavras no boca dos entrevistados... É este o “serviço público" que temos, sem noção de objectividade e de ética jornalísticas.
Os aproveitadores apressaram-se a saltar na corrente contra a austeridade e na onda do basta de sacrifícios. Os primeiros foram os radicais de esquerda que protestam contra as consequências sem se preocuparem com a solução das causas das dificuldades. Logo seguidos dos que perderam as últimas eleições por terem entregue o reino aos credores, por num sufoco de tesouraria terem aceite um acordo de emagrecimento programado e regularmente controlado. Dizem que estão de acordo com o memorando de entendimento que assinaram, mas não com a forma como é aplicado. Porém, quando perguntados sobre o que propõem como alternativas, não sabem o que dizer ou dizem disparates, porque sabem bem que não há alternativas.
Disse o povo:
“Santa-Maçaneta-da-Porta
não tugia nem mugia.”
Por outro lado, os que lhes sucederam querem continuar a receber os fundos para pagar as despesas de funcionamento do Estado, repetindo que sem o dinheiro da troika não há salários, não há educação, não há saúde, não há nada. Ou cumprimos o acordo ou volta o dilúvio. E assim justificam todos os sacrifícios, mesmo aqueles que, na realidade, poderiam ser minorados com o corte da despesa do lado dos grandes interesses nacionais e internacionais. Embora esses estejam defendidos por contratos leoninos, armadilhados por grandes gabinetes de advogados portugueses prontos a debicar os ossos da economia do seu próprio país.
O pior de tudo é que estes novos governantes estão a ter algum sucesso na aplicação das medidas do acordo, nas negociações com os credores e na redução das despesas do reino. E isso é imperdoável. Nada exaspera tanto os adversários, nada descontrola tanto os falsos amigos, como o sucesso, mesmo um sucesso relativo. Assanharam-se assim as lutas entre bandos partidários e entre as facções dentro de cada bando. Sucedem-se as declarações assassinas dos dois lados da porta, as punhaladas nas costas, a excitação e os exageros mediáticos.
Disse o povo:
“Santa-Maçaneta-da-Porta
não fechava nem abria.”
Não se deve abusar do povo, embora esse tenha sido um passatempo favorito dos poderosos desde o início dos tempos. Porém, quando a sobrevivência está em risco, todos os povos podem encontrar a coragem de sacrificar a casta que se apropriou do poder temporal e do divino. A história está cheia de exemplos, dos Maias à China, passando pela Europa e o Mediterrâneo, até aos nossos dias. Mas ainda não chegámos a esse ponto.
As manifestações podem ter importância democrática, como indicação do que pensa o povo numa dada situação, ou como uma chamada de atenção para os interesses particulares dum certo grupo, mas não podem ter consequências institucionais. Só as eleições gerais ou os plebiscitos, podem determinar a vontade da maioria. Essa vontade pode ser clarividente ou estúpida, mas é a base da democracia que temos. Nas últimas eleições uma larga maioria votou nos partidos que apoiaram o memorando de entendimento com a troika e no partido que assinou o acordo, não é agora uma manifestação que pode mudar esse facto.
Disse o povo:
“Santa-Maçaneta-da-Porta
não tugia nem mugia.”
Basta uma grande manifestação e chovem logo as declarações de que o governo tem que se demitir, que perdeu a credibilidade, que perdeu a legitimidade, que é preciso um governo de salvação nacional e outras inanidades do mesmo tipo. Diz quem? Dizem políticos reformados, ou caquécticos, ou azedos, ou pendurados, ou ansiosos. Dizem comentadores papagueando ideologias e cartilhas. Dizem crónicas e artigos na imprensa, explorando a emoção do momento. Mas que são apenas isso, desejos fantasistas sem contacto com a realidade. Esta maioria, goste-se ou não, foi eleita para governar durante quatro-anos-quatro.
Todavia, há também políticos, comentadores, cronistas e jornalistas, que tentam ser justos e isentos. Que compreendem que um governo estável e um mínimo de consenso social é tudo o que nos separa do desastre, que a queda do governo não seria só injustificada, seria um erro e uma estupidez. Normalmente são os mais sabedores, experientes e bem informados, vindos de todos os quadrantes sociais e políticos. Muitos são, ou foram, professores universitários ou gestores de grandes instituições ou empresas, habituados a investigar e verificar os factos antes de se pronunciarem, em vez de despejar tudo o que lhes passa pela cabeça.
Disse o povo:
“Santa-Maçaneta-da-Porta
não fechava nem abria.”
Porém, quando finalmente Santa Maçaneta se abriu, revelou que os dois lados da porta eram iguais, como reflexos num espelho. E foi assim que massacraram Santa Maçaneta, que foi mártir às mãos dos extremistas políticos e da credulidade do povo, dos que tomam os seus desejos pela realidade e dos que em nome da realidade esquecem a necessidade de manter a esperança. Já a condição de virgem é discutível, com tantas chaves e tantas marretadas dos dois lados da porta. Mas a sua canonização como santa é certamente mais merecida que a de outros e outras que ouviam vozes, viam coisas, escreviam parvoíces e falavam como ventríloquos projectando a voz dos donos. Amen.
JSR

Thursday, September 13, 2012

123 - As Revoadas de Parvoinhas


Este país tem um governo bem intencionado, razoavelmente eficaz, embora por vezes asneirento. As intervenções do primeiro ministro e do ministro das finanças foram pontapés num vespeiro já muito exasperado. Dispararam vespas em pé de guerra por todas as direcções, com muito ruído mas menos sentido, como revoadas de parvoinhas.
“Revoadas de parvoinhas” é uma tradução muito livre da expressão japonesa para os grupos de rapariguinhas de ultra-ninisaia que se passeiam pelas cidades de headphones colados aos ouvidos e telefone na mão, trocando mensagens, giggles e trejeitos, vestidas de forma exótica inspirada de personagens de banda desenhada ou de filmes de culto. Para atrair a atenção, como os bandos partidários de todos os países, das mais livres das democracias aos palhaços das ditaduras, sempre como meio de obter algumas vantagens.
Antes de mais, é melhor separar as águas. O vespeiro português está exasperado e com muito boas razões.
Em meio século o país sofreu uma profunda transformação social e económica, multidões saíram da pobreza e ignorância atávicas para a emigração, para a escola, para novas oportunidades de trabalho, para novas habitações, para novas protecções estatais, em resumo para a vida melhor nas novas “classes médias” dum país democrático.
Na realidade, uma vida muito melhor do que aquilo que o país podia pagar, uma falsa prosperidade a crédito. O crédito é por natureza temporário, é preciso pagar o que foi pedido emprestado e quando essa altura chega acabaram-se as fantasias, ou o dinheiro foi bem usado para produzir mais riqueza ou se perde tudo o que se julgava ter adquirido, bens e direitos.
Nesta altura, em que tudo o que é bom se reduz, garantias de rendimento, protecção e serviços sociais, e em que tudo o que é mau aumenta, desemprego e custo de vida, não existe sequer o embuste da inflação para aquietar os mais ignorantes com a aparência da manutenção ou aumento de salários. O choque da crise é brutal, assim como as suas consequências. Ninguém gosta de pagar impostos exorbitantes, de empobrecer e ainda menos de perder o emprego, de viver mal, por vezes ao ponto de não conseguir alimentar convenientemente a família. A revolta cresce, cega, surda e irracional, procurando um alvo para se manifestar e não encontra melhor alvo do que os governantes e os seus mensageiros. 
Mais uma vez, entram aqui as revoadas de parvoinhas.
Dizem uns : Nós bem avisámos que a noite ia chegar a seguir ao dia, acertámos, somos os maiores. É preciso eleições já para que votem em nós. Não podemos fazer nada de diferente, mas por enquanto podemos prometer tudo, não sabemos bem o quê, mas connosco vai ser melhor. Vamos culpar quem nos empresta o suficiente para podermos pagar salários e os serviços do Estado, apelando à sua má consciência de culpas passadas.
Como se as novas gerações dos países credores ainda quisessem saber disso para alguma coisa. Se quisermos fazer progredir o federalismo europeu, então aí podemos contar com a devida solidariedade, porque com a supervisão central duma federação de estados os países com economias frágeis têm menos hipóteses de se endividarem demasiado.
Outros dizem: "Mentiram-nos, mentiram-nos, mais depressa se apanha um mentiroso do que um... do que um... ah, um deficiente duma perna!"* Pois, agora até os estalinistas se curvam tanto, tanto, ao politicamente correcto que ficam com... com... o rabo fora das calças... Manifestemos, manifestemos. Nisso têm razão, é para isso que servem estes partidos de velhotes saudosistas, cuja resmunguice por vezes até é simpática, para descarregar a pressão mas com um bom serviço de ordem para evitar garotadas anarquistas.
Comentam os mais velhos: Estes jovens inexperientes não sabem o que fazem. Até pode ser verdade, mas também é verdade que na altura própria os mais experientes não aceitaram fazer parte do governo. Nah... são tempos muito difíceis, com muitas responsabilidades em cargos mal pagos, é muito melhor ficar de fora numa prateleira dourada, bem paga e com a liberdade de criticar tudo o que mexe.
E a comunicação social ajuda ao desnorte, com títulos alarmistas, por vezes dizendo o contrário do que diz o corpo da notícia real, procurando o sensacional e o sórdido, comunicando para aumentar as vendas, ou as audiências, e não necessariamente para informar correctamente.
Pobre de quem governa, são sempre os bombos da festa. Não quer dizer que não façam asneiras, e estes têm feito a sua quota parte, mas ao menos caminham no bom sentido e sempre vão fazendo algumas das reformas que os governos que os precederam não tiveram nem a clarividência nem a coragem de fazer. Se pecam é por defeito, por ainda não terem o arrojo de capitalizar na sua nova credibilidade de bons executivos e arriscarem expropriar as empresas e julgar os acusados de cometer crimes contra os interesses do estado nas parcerias público-privadas, nos Bancos renegados, nas rendas e negociatas de toda a ordem, nas luvas e corrupção, no “bloco central de interesses”...
A propósito do “bloco central de interesses” parece ser verdade que este primeiro ministro se está efectivamente “a lixar para as eleições”, mas tanto o seu partido como o seu parceiro de coligação não estão, nem está o maior partido da oposição, porque querem manter os lugares, os privilégios e continuar a dividir os espólios da sua passagem pelo poder. Daí outra revoada de parvoinhas.
Qualquer pessoa sensata compreende que nenhum governo sobrevive mais do que um mandato com estas políticas de austeridade. Pelo menos, os membros essenciais deste governo são gente nova, que tem um futuro para além da política e do país, que não parece precisar de arranjinhos com os donos da economia nacional para garantir um “tacho” quando deixarem os negócios do Estado.
Pela Europa fora, na maior parte dos países que vão a eleições os governos caiem que nem tordos. A maioria dos eleitores não compreende, não quer saber, não vê para além dos seus interesses pessoais imediatos. Não estou contente, voto contra, talvez novos governantes saibam conjurar os poderes sobrenaturais e haja um milagre.
Sugiro que vão todos em procissão pôr uma vela a Santa-Maçaneta-da-Porta, padroeira das parvoinhas, para que lhes mostre o que estaria do lado de fora.
JSR

*Jerónimo de Sousa dixit.

Thursday, September 6, 2012

122 - As Falsas Esperanças

Icarus - Henri Matisse
O Banco Central Europeu acaba de anunciar que vai voltar aos mercados para comprar obrigações da dívida soberana dos países em dificuldades na Zona Euro. Sem limites, porque o Euro é irreversível. Desde que esses países tenham assinado um acordo de ajustamento fiscal e enquanto estiverem a cumprir as suas condições. O que vai incitar a Espanha e a Itália a estabelecerem esses acordos, ajudará a Irlanda e Portugal a voltarem aos mercados e lança a última bóia de salvação à Grécia para cumprir o seu memorando de entendimento com a troika.
Uma boa notícia, mas sem interesse imediato para Portugal, excepto para alguns "desperados" político-sindicais que fazem fogo de toda a lenha: “Foi o que eu sempre disse”, “não é preciso mais austeridade”, “queremos aumento de salários”... Com todo o respeito pelas ambições de uns e pelas reais necessidades dos outros, será que perceberam alguma coisa do que se passa?
Na maioria das conversas em Portugal, a pergunta que aparece mais cedo ou mais tarde, é: “Quando é que vamos sair da crise?”. Esta pergunta significa realmente: Quando é que ultrapassamos as dificuldades presentes e voltamos a viver como antes da crise, ou de preferência, melhor.
A resposta mais sincera é que este país não vai sair da crise tão depressa, não se vai voltar a viver como nos últimos anos antes da crise, nem melhor. Nunca mais nas nossas vidas, nem provavelmente nas vidas dos nossos filhos.
Meta dos 4.5% de défice este ano, meta dos 3% para o ano, memorando da troika ou memorando do governo, são tudo jogos de espelhos, manobras de passe-passe com pouco interesse. São os meios e não os fins, porque a austeridade tem como objectivo reduzir o país à sua capacidade real, a gastar apenas dentro dos seus rendimentos.
Depois de anos a viver a crédito, vai ser difícil empobrecer dentro da Zona Euro. Mas seria muito pior fora do Euro, como nos anos 80 do século passado, com uma inflação galopante que reduzia todos os dias o poder de compra dos salários. Salários nominalmente estáveis, para enganar os papalvos. O Euro obriga a salários proporcionais à produtividade, serviços e administrações do Estado de custo proporcional à colecta dos impostos, representantes políticos reduzidos no seu número e no seu custo às necessidades indispensáveis. Governos menos ideológicos e mais técnicos. O Parlamento com menos deputados e menos palração inútil para a galeria televisiva. Menos mordomias como despojos do poder. Ver os exemplos dos países do Norte de tamanho similar ao nosso e por boas razões com maiores economias. Frugalidade é agora a chave da sobrevivência.
Portugal não tem capacidade, não tem economia que possa crescer o suficiente para pagar as dívidas que tem e os juros acumulados, nem agora nem em tempo útil, ponto final. A saída da crise mundial não vai acontecer tão cedo e as consequências vão ser tais que ninguém se atreve a encará-las de frente.
As reformas estruturais acordadas no memorando de entendimento com os credores, destinam-se a martelar a realidade nas cabeças irracionais de muitos dos dirigentes e dirigidos, cheias de utopias ideológicas e de fantasias de outros tempos, um largo espectro transversal à sociedade, que vai de antigos presidentes senis a juventudes ignorantes. São profundas reformas no aparelho e nos serviços do Estado, a privatização dos monstros públicos deficitários, menos corrupção e menos negociatas à custa dos contribuintes.
A União Europeia não mudou as características essenciais das nações que a compõem. Os países que pagam os desvarios comunitários, como a Alemanha, querem uma união fiscal e política que permita governar colegialmente os países que não se sabem governar no longo termo, para terem a certeza que os empréstimos de hoje não caiem num poço sem fundo. Outros,  como a França, querem tudo em troca de nada, querem que a Europa subsidie os seus agricultores, mas não querem prestar contas a quem paga os seus delírios populistas. Outros ainda, como a Itália, fazem parte dos ingovernáveis com economias viáveis. Depois, há todos os outros, os que esperam sobreviver à sombra do novo império europeu.
Com uma reestruturação substancial da dívida (um perdão parcial, como já foi feito com a Grécia), mas só quando as contas estiverem equilibradas e as reformas implementadas, talvez o país se salve e a economia volte a crescer. Será a única forma de evitar uma agonia lenta com a grilheta dos pagamentos da dívida, ou então que as amarras ao cais europeu se quebrem e Portugal tenha que partir numa deriva de todos os riscos.
JSR

Wednesday, September 5, 2012

121 - Não é para já (a saída da crise)

Despair - Edvard Munch
Resultados das respostas à pergunta do post anterior:
Apenas cerca de 18% dos meus amigos do Facebook responderam, já incluindo alguns amigos de amigos. Dos que responderam, cerca de metade “concordaram com a Sarita”, cerca de um quarto faziam perguntas sobre alguns dos elementos da história e dos restantes, alguns diziam que “não eram bons a matemática”, um dizia que “raramente percebia as contas dos restaurantes” (?) e o Sérgio pôs no meu wall a resposta correcta (que excepcionalmente me permiti colocar como comentário ao post no blog). Duas respostas certas, porque dos que concordaram com a Sara não tenho forma de saber se lá teriam chegado sozinhos.
Sem surpresa, verifica-se que poucos se dão ao trabalho ou têm a capacidade de quebrar o jogo de espelhos duma narrativa tendenciosa. E tendenciosas são as notícias e os comentários nos media, quando feitos sem ética, sem preparação e sem objectividade. O que infelizmente faz os títulos e enche a maior parte do tempo e do espaço “informativos”. Tendenciosas são também as narrativas de muitos políticos que zelam pelos seus interesses primeiro, do seu partido a seguir e só no fim (e nem sempre), pelos interesses do seu país.
A grande maioria dos cidadãos comuns não participa, concorda com ou discorda de alguém, protesta sem compreender ou, pior do que tudo, confia tão levianamente como depois desconfia. Aqui já estou a generalizar, isto não tem a ver especificamente com a história do post anterior, nem com os meus amigos no Facebook, mas tem tudo a ver com o facto de que não é para já a saída da crise.
Continua no próximo post.
JSR