Saturday, August 4, 2012

117 - A Deseducação Burguesa (Conversas Surrealistas)

Foi em Cascais, na pequena esplanada que há agora diante da geladaria Santini. Depois de ter dado um volta pela livraria Galileu, que me faz sempre lembrar a Shakespeare and Company (embora as semelhanças sejam poucas) um dos meus hang-outs favoritos durante os muitos anos que vivi em Paris, decidi sentar-me à espera da família que estava na fila habitual para comprar gelados.
Na mesa ao lado estava uma senhora ainda nova, com a pose típica “da linha”, a brincar com o telefone. Distraído a ver a rapidez com que a fila aumentava e a fauna que a compunha, as famílias de volta do passeio pela baixa depois do jantar, os grupos de jovens entre o McDonald’s e as discotecas,  de repente oiço:
- O que estás aqui a fazer?
Olhei, era a senhora que falava com um rapazote dos seus doze, treze anos, que se tinha sentado à sua frente.
- Estou farto de estar na bicha.
- E deixaste o pai sozinho? Como é que ele consegue trazer três gelados?
- Ele desenrasca-se.
- Estás parvo? Volta já para o pé dele!
- Não vou.
- Estou a dizer-te para voltares imediatamente para junto do pai!
- Não vou.
E estavam nisto quando o pai chegou com os gelados, equilibrado os três nas mãos e os distribuiu. Um tipo grandalhão, género São Bernardo ou cão Serra da Estrela.
- Já me pinguei todo.
- Oh pai, mas não era isto que eu queria!
- Han? Desculpa, devo-me ter enganado...
Não me pude impedir de me virar para eles de repente: Será que ouvi bem? Se no lugar daquela mãe estivesse a mãe dos meus filhos, o fedelho tinha saltado da mesa para ir ter com o pai, com as orelhas a arder do raspanete, logo após a primeira resposta malcriada. Com “o pai dos meus filhos” o problema nem se punha, porque se o rapaz queria um gelado ou ele estava na bicha ou não havia gelado nenhum. Para já não falar “do avô dos meus filhos”, que esse, enfim, teria enfiado o gelado “que não era o que o rapaz queria” imediatamente no caixote do lixo e ponto final na conversa.
Se é assim que a burguesia educa (?) agora os seus rebentos, estamos realmente perdidos.
JSR

2 comments:

  1. Tio, como constatou as"familias do hoje" educam de tal maneira que os filhos aos 2 anos de idade já são capazes de decidir...o que verificou nesta situação, é que este rapazote com 13 anos tem esta atitude só e porque estes pais, desde tenra idade da criança, tiveram uma atitude permissiva, situação que conduz à tal falta de respeito pelos pais e que provoca mau estar a quem observa e tem de conviver com este(s) joven(s)! Sandra Travassos

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  2. Sandra, obrigado pelo comentário, que tem tanto mais valor quando vem de alguém que conhece bem o assunto desde o princípio. Diz-se que "é de pequenino que se torce o pepino", não é?

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