O que constitui um Estado
político? Entre outras definições estão a aceitação duma narrativa histórico-cultural comum, a
comunidade de interesses duma ou várias entidades nacionais, o domínio duma
potência unificadora, a ditadura duma ideologia e, acima de tudo, a necessidade
de defesa contra ameaças exteriores.
Quase todos os países europeus
se formaram, sobreviveram, juntaram-se, guerrearam, separaram-se, mudaram as
fronteiras e os regimes, fizeram-se e desfizeram-se de acordo com as
circunstâncias da suas histórias individuais e comuns, até aos nossos dias.
A família europeia é uma
família de origens diversas, a mistura de tribos locais e invasoras, sulcada
por africanos, levantinos, mediterrânicos e asiáticos, desunida pelos costumes,
pelos idiomas e pelos deuses.
O que tem a Europa em comum? A
geografia, a aceitação da herança cultural greco-romana, um verniz de
cristianismo, uma história de competição e conflitos, alguns impérios
coloniais, a arrogância de civilizar o mundo à sua imagem.
Pode a Europa tornar-se efectivamente
um estado federal? Pode, mas só por etapas e devido à tomada de consciência
pelos seus povos das crescentes ameaças exteriores à sua própria existência.
Para já, as diferenças são ainda demasiado grandes na aceitação dos deveres e
direitos da cidadania, no grau de instrução, na capacidade económica, na aceitação
da diversidade.
Não há uma Europa, há as europas de tradição romana, germânica, eslava,
mais os redutos célticos, bascos, ciganos e outros. Depois há as diferentes
igrejas e seitas cristãs, judaicas e muçulmanas. Finalmente há os emigrantes de
todo o resto do mundo. E espera-se que tudo isto, parodiando a célebre canção
de Maurice Chevalier, ça fasse d'excellents européens. (Et
tout ça, ça fait / D'excellents Français/ D'excellents
soldats /Qui
marchent au pas/Oubliant dans cette aventure/Qu'ils
étaient douillets, fragiles et délicats)...
Os europeus, tal como os
franceses da canção de Chevalier, tornaram-se comodistas, frágeis e difíceis de
contentar. Perderam a capacidade de impor a sua vontade no mundo, de lutar energicamente
pelos seus interesses, de tomar decisões difíceis e até de se reproduzirem o
suficiente para a substituição das gerações. Deixaram-se enrolar pelo
politicamente correcto, pelos consensos, pelos movimentos das esquerdas piegas,
sempre mais preocupados com a protecção dos direitos dos bandidos e das causas
perdidas do que com as suas vítimas ou os deveres necessários para viver numa
sociedade viável.
Os estereótipos levam tempo a
transformar-se de insultos a motivo de anedotas inofensivas entre parceiros e
esta crise atrasou os relógios do tempo. Os gregos voltaram a ser os
traficantes sem escrúpulos, os países do sul preguiçosos e esbanjadores, os
países do norte protestantes egoístas e sovinas.
Os países mais ricos não querem
pagar as contas dos países mais pobres. Acham que se o fizerem, eles nunca mais
serão capazes de acabar com a corrupção, a fuga aos impostos, as despesas
excessivas do estado, as leis iníquas, os maus hábitos de viver a crédito.
Acham também que saber governar-se tem que ser um exercício de auto disciplina,
porque se for imposto do exterior é sempre considerado uma intromissão intolerável.
Todavia, por muito má que a
situação possa ser na Europa, o mundo exterior é muito pior, com raras
excepções. Sobreviver só é muito difícil para qualquer país, por maior e mais
próspero que seja. A União Europeia é uma forma de vida e um projecto a que
aspiram os outros povos civilizados e as pessoas civilizadas dos povos em
desenvolvimento ou oprimidos.
O tempo das grandes decisões para
o futuro da União Europeia está a passar e não se vislumbra outra estratégia a não
ser a das meias medidas e deixar andar, esperar que a situação se resolva por
si própria. Ah, e esperar que o Banco Central Europeu vá tomando algumas
medidas para empatar os mercados. Com eleições à porta em países determinantes,
não há grandes alternativas.
JSR
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