Tuesday, August 28, 2012

120 - A Saída da Crise

Os media estão cheios de especulações sobre a vinda da troika numa altura em que se tornou claro que Portugal não vai atingir a meta dos 4.5%  de défice no fim deste ano sem medidas adicionais de aumento da receita ou corte na despesa. E então? Much ado about nothing, como na peça de Shakespeare.
A incapacidade de se concentrar sobre o essencial e sair disparado em tangentes irreflectidas não é só uma característica dos fazedores de histórias da “comunicação social” portuguesa, acontece por todo o lado onde é preciso alimentar uma opinião pública ansiosa e largamente crédula.
Por exemplo, muitas notícias dos dois lados do Atlântico, fazem-me lembrar a seguinte história:

“O Dólar perdido:
Três estudantes viajavam durante as férias, chegaram a Nova York e alugaram um quarto num hostel, onde o gerente lhes pediu 30 dólares adiantados por noite. Eles pagaram 10 dólares cada um e foram para o quarto.
Passado um bocado, um empregado bateu-lhes à porta e disse que o gerente tinha decidido fazer-lhes um desconto e estendeu-lhes 5 dólares. Os estudantes olharam uns para os outros e disseram que, cinco dólares não sendo divisível por três, eles ficavam com um dólar cada um e lhe davam os outros dois dólares de gorjeta. O empregado agradeceu e foi-se embora.
Passado um pouco, um dos estudantes disse aos outros: Há aqui qualquer coisa que não bate certo. Nós tínhamos dado cada um 10 dólares pelo quarto. Recebemos 1 dólar de volta, portanto pagámos efectivamente 9 dólares cada um, ou seja um total de 3x9=27 dólares. Demos 2 dólares ao empregado, o que faz 29 dólares. Se o quarto custava 30, quem é que ficou com o dólar que falta?”

Quando num país se encontra pelo menos 15% da população que responde correctamente a esta pergunta, isso significa que sabe separar o trigo do joio na avalanche informativa e também nas decisões essenciais da sua vida. Significa também que esse país superará rapidamente qualquer crise que tenha que enfrentar. 15% é a percentagem mínima da população necessária para dinamizar a educação, a economia, as profissões, a política e as funções do estado, necessários ao bom funcionamento duma democracia.
Como amostra, gostaria que me enviassem as vossas respostas até ao próximo Domingo. A quem participar prometo enviar a resposta correcta e a percentagem de certos/errados.
Então? Nada de timidez.

JSR

Saturday, August 18, 2012

119 - O Cabeleireiro de Paris (Conversas Surrealistas)

Farol da Guia, Cascais
Por muito igualitário que intelectualmente se queira ser, as diferenças entre os sexos caiem-vos em cima de todos os quadrantes. E não é só la petite difference. A maioria dos machos vulgaris Linnaeus desiste de compreender como funciona o cérebro da outra metade da espécie aí por volta do fim da adolescência. A partir desse raro momento de lucidez, é como ser apanhado nas correntes marinhas, ou se nada com a corrente e se sobrevive, ou se nada contra e se vai ao fundo.
Um recente exemplo aconteceu na pastelaria da Casa da Guia, entre Cascais e o Guincho, que faz as melhores torradas da zona. Chá e torradas, tomava também um grupo de senhoras na mesa do lado. Falavam todas ao mesmo tempo como as madrilenas, embora contrariamente às madrilenas, se conseguisse compreender o que diziam.
- Ele é óptimo, nunca tive um corte tão bem feito, vale cada um dos Euros que cobra para cá vir de Paris.
(Quer isto dizer que pagam para que um cabeleireiro venha de Paris? Como o personagem do Eça que ia a Londres comprar uns sapatos?! Hum, isto parece propaganda, esta senhora é de certeza uma mercenária).
Espreitadela tão discreta quanto possível.
(Conheço esta cara, mas donde? Ah, mas não será esta criatura que, segundo as cusquices dos suplementos que vêm com os jornais de fim de semana, está contratada  para fazer publicidade a uma clínica de cirurgia estética? Aparentemente enxertaram-lhe na cara a pele do rabo de um bebé. Será que li bem? Então agora andam a tirar a pele dos rabos dos bebés para enxertar na cara das senhoras de idade?! Não pode ser... ou pode?).
- O meu cabelo é comprido, não mudou muito. Mas realmente parece que me está a cair melhor...
(Mas... mas... esta já a vi num debate na televisão, muito senhora do seu nariz, é a... uma empresária muito em voga, não me lembro de que ramo).
- A mim disse-me para não pintar os meu cabelos brancos, fazer só umas madeixas louras, acha que o blond cendré me fica bem.
(Uma das “tias da Linha”, pois, fica-lhe muito bem o ar de avozinha, que é exactamente o que ela é, além de fazer parte da “maioria silenciosa” do Parlamento. Blond cendré... louro cinza uma ova, branco com farripas cor de manchas de tabaco. Ouvem falar em blond cendré e pensam que são a Ingrid Bergman).
- É... não sei não... deu aqui umas tesouradas, aparou um pouquinho, ficou mais curto deste lado, puxou o cabelo assim, mais nada, dez minutos e vai embora... Talvez não se veja tanto num cabelo comprido, mas o meu é curto e ele não sabe cortar... É... ele não presta mesmo...
(Boa, apareceu alguém capaz de quebrar o espelho da pirosice e dizer que “o rei vai nu”. Parece que estamos outra vez no período entre o Rei Sol e Napoleão, quando as cortes europeias importavam os friseurs de Paris).
Os homens envelhecem sem cair nestas trapaças. Quando muito compram um Porsche descapotável ou um barco à vela...
Irreconciliáveis diferenças.
JSR 

Friday, August 10, 2012

118 - Uma “Bunda” de 150 Euros ?! (Conversas Surrealistas)

Numa esplanada da Costa da Caparica, depois dum passeio pela localidade e de ingerirmos uma quantidade inconfessável de amêijoas em casa de uns amigos, ficámos a conversar, o meu neto e eu. O resto do grupo foi passear pela beira mar debaixo dum Sol saariano.
Estava a aprender as últimas novidades sobre os jogos de computador, quando do outro lado dum pilar ouvimos:

- Olhe aqui, rapais, aquela é uma bunda de 150 Euros!
- Né, bem redonda, mas você tem melhor por aí.

Eram os empregados brasileiros da esplanada a avaliar as raparigas que passavam, ou melhor, as “mininas”, porque “rapariga” tem la cuisse légère no Brasil, embora com a discussão do valor comercial das “bundas” se fique realmente sem saber quem é quem.
Continuaram assim, nesta conversa, avaliação e comentários, “bunda”  de tantos Euros para cá, “bunda” de tantos Euros para lá, durante um bom bocado de tempo. Até que o meu neto, cuja falta de conhecimentos da língua portuguesa é uma das minhas fontes de irritação, levantou o nariz do iPad onde estava aparentemente absorvido a jogar “Minecraft” e perguntou:

- Vovô, what means “bunda”?

Nem tudo está perdido. Mais umas estadias regulares em Portugal, a entrada na adolescência e o rapaz vai falar português pelos cotovelos.

JSR 

Saturday, August 4, 2012

117 - A Deseducação Burguesa (Conversas Surrealistas)

Foi em Cascais, na pequena esplanada que há agora diante da geladaria Santini. Depois de ter dado um volta pela livraria Galileu, que me faz sempre lembrar a Shakespeare and Company (embora as semelhanças sejam poucas) um dos meus hang-outs favoritos durante os muitos anos que vivi em Paris, decidi sentar-me à espera da família que estava na fila habitual para comprar gelados.
Na mesa ao lado estava uma senhora ainda nova, com a pose típica “da linha”, a brincar com o telefone. Distraído a ver a rapidez com que a fila aumentava e a fauna que a compunha, as famílias de volta do passeio pela baixa depois do jantar, os grupos de jovens entre o McDonald’s e as discotecas,  de repente oiço:
- O que estás aqui a fazer?
Olhei, era a senhora que falava com um rapazote dos seus doze, treze anos, que se tinha sentado à sua frente.
- Estou farto de estar na bicha.
- E deixaste o pai sozinho? Como é que ele consegue trazer três gelados?
- Ele desenrasca-se.
- Estás parvo? Volta já para o pé dele!
- Não vou.
- Estou a dizer-te para voltares imediatamente para junto do pai!
- Não vou.
E estavam nisto quando o pai chegou com os gelados, equilibrado os três nas mãos e os distribuiu. Um tipo grandalhão, género São Bernardo ou cão Serra da Estrela.
- Já me pinguei todo.
- Oh pai, mas não era isto que eu queria!
- Han? Desculpa, devo-me ter enganado...
Não me pude impedir de me virar para eles de repente: Será que ouvi bem? Se no lugar daquela mãe estivesse a mãe dos meus filhos, o fedelho tinha saltado da mesa para ir ter com o pai, com as orelhas a arder do raspanete, logo após a primeira resposta malcriada. Com “o pai dos meus filhos” o problema nem se punha, porque se o rapaz queria um gelado ou ele estava na bicha ou não havia gelado nenhum. Para já não falar “do avô dos meus filhos”, que esse, enfim, teria enfiado o gelado “que não era o que o rapaz queria” imediatamente no caixote do lixo e ponto final na conversa.
Se é assim que a burguesia educa (?) agora os seus rebentos, estamos realmente perdidos.
JSR