Sunday, July 29, 2012

116 - O Estado da Nação: O Novo Cabo das Tormentas

Há muitos anos, antes desse marco temporal que foi “o 25 de Abril”, um dinamarquês a trabalhar em Portugal esqueceu um momento a sua reserva natural e declarou que a maioria da população tinha “a loser mindset”, uma mentalidade perdedora.
Porquê? Por causa das “vitórias morais” (no futebol e na política), dos “grandes” segundos lugares (ou terceiros, ou oitavos), dos “quase” sucessos (sempre por falta de sorte), da fé em milagres (as promessas de Fátima, as velas a São Fuas-d’Alcatruzes ou à Santa Maçaneta-da-Porta). Porque procuram sempre alguma forma de se desembaraçarem das dificuldades por intervenção exterior, com um golpe de asa astuto ou requerendo um esforço sobre humano mas curto e sobretudo sem terem que se sujeitar a um trabalho regular e perseverante.
Depois há a ilusão do “desenrascanço nacional”, um lugar comum mas sem nenhuma originalidade. Todos os povos pretendem o mesmo, todos se consideram particularmente astutos, mesmo os mais conservadores e disciplinados. Os ingleses têm o Robin Wood, os belgas Tintin, os franceses Asterix, os americanos meia dúzia de heróis também imaginários, todos supostos representar os arquétipos respectivos.
Passou o tempo desde a última Abrilada (antes houve as do D. Miguel e a do Gen. Botelho Moniz, todas acabaram mal), mas neste ponto evoluiu tudo na mesma direcção, até o primitivo Totobola deu origem aos novos deuses das lotarias Euromilionárias, onde os mais pobres e ignorantes gastam os últimos tostões sem nunca perderem a esperança (a escola obrigatória não ensina nem a matemática nem a razão).
“Close, but no cigar”, dizem os americanos (chegou perto, mas não há razão para festejar com um charuto). Uma mentalidade ganhadora sabe que ou se atinge os objectivos ou não, ou se ganha ou se perde, o “quase” não presta.
Portugal vai mal, pior do que dizem as “cabeças falantes” na televisão e escrevem os “mestres da opinião” nos jornais. Porque esta “austeridade” não é suficiente, não será nunca suficiente. Sem um crescimento suficiente da economia, os juros dos empréstimos continuam a fazer aumentar o total das dívidas que é preciso pagar, além da contracção do consumo, do aumento do desemprego, da diminuição das receitas fiscais e tudo o resto. É evidente que em todo o caso é indispensável continuar a reduzir as despesas do estado, senão a situação seria ainda pior, como se observa todos os dias no desenrolar da tragédia grega.
 Fala-se muito nas “reformas estruturais”, mas avança-se a passo de caracol e com meias medidas. Sem essas reformas o país vai continuar a afundar-se. A Constituição é uma manta de retalhos de ideologias caducas que já ultrapassou largamente o seu prazo de validade. O Tribunal Constitucional está em roda livre. O Ministério Público navega à vista. Os diferentes Códigos são verbosos e voluntariamente confusos, todo o edifício da Justiça funciona mal. Com a presente “rigidez” laboral, os sindicatos protegem os que estão instalados contra os que procuram emprego. Os centros das cidades estão em ruínas porque foi barato para governos populistas fazerem política social à custa dos senhorios, desincentivando todo o investimento e oferta no sector do arrendamento. Vendem-se por necessidade as “jóias da coroa” nas privatizações, mas também porque a experiencia mostra que uma empresa privada funciona melhor que uma empresa pública.
Assistir pela televisão à apresentação pelo governo do “estado da nação” ao Parlamento e à discussão que se seguiu foi uma humilhação e um exercício em futilidade. O governo não disse nada de informativo e a oposição não apresentou uma única ideia útil. Para que são necessários tantos deputados? Uns ausentes, outros medíocres em apartes patéticos. Não são eleitos directamente por círculos eleitorais específicos, são todos nomeados pelos partidos. Bastaria menos de metade para cumprirem a sua função de caixa de ressonância dos sentimentos do país e ganhar-se-ia em exemplo de redução de despesas.
Entretanto, o país empobrece e não se vê por onde vai chegar o crescimento desejado. Dizem que será um acontecimento determinante a próxima avaliação pela “troika” em Setembro e a subsequente decisão sobre se as metas definidas pelo “acordo de resgate” podem ser atingidas, ou se é preciso mais tempo e mais dinheiro. Vai a dívida ser reestruturada? Não vai haver nada disso para já, apenas mais do mesmo. Os participantes da troika têm todo o interesse em apresentar Portugal como um caso de sucesso na implementação das medidas previstas, embora com alguma flexibilidade devido às influências exteriores.
Em resumo, e apesar de promessas, esperanças vãs e comportamentos irracionais, a nação está mal e não se recomenda. A governação do país está entre um “defining moment” e o “breaking point”, ou seja, entre um acontecimento determinante para o seu futuro e o momento de máxima tensão em que alguma coisa tem que ceder. Como não há milagres, não se pode contar que a maioria da população compreenda os deveres de cidadania (não aprenderam em casa e não os ensinaram na escola), que tenha iniciativa própria e que adapte as decisões individuais ao bem colectivo.
O estado tem que dar o exemplo, reduzindo ao mínimo a sua interferência na vida dos cidadãos e aumentando ao máximo os incentivos à expansão das empresas nos mercados externos. Ninguém sente melhor as ineficiências que oprimem a sociedade, do que quem volta a Portugal depois de muitos anos a viver e trabalhar nos países mais desenvolvidos. O presente “cabo das tormentas” significa a escolha entre a capacidade de prosseguir para um futuro melhor e sustentável, ou ter que voltar para trás, para a barafunda terceiro-mundista donde saímos.
JSR 

4 comments:

  1. Uma análise excepcional do momento presente do país!

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  2. Muito obrigado pelo comentário. Excepcional é muita gentileza sua, mas verdadeiro é com certeza, na medida dos meus conhecimentos e daquilo que sinto em relação ao país em que nasci. Volte sempre com as suas opiniões.

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  3. Não tem de agradecer, sou leitor atento e assíduo deste seu espaço e dou por mim a reflectir e concordar consigo naquilo que aqui vai partilhando. E só lamento que mais gente, de cargos mais importantes aqui pelo país, não o leia e ouça também - bem preciso era!

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  4. Na realidade, alguns vão ouvindo, mas é difícil acabar com os maus hábitos ou sair da cartilha...

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