Há muitos anos, antes desse
marco temporal que foi “o 25 de Abril”, um dinamarquês a trabalhar em Portugal
esqueceu um momento a sua reserva natural e declarou que a maioria da população
tinha “a loser mindset”, uma mentalidade perdedora.
Porquê? Por causa das
“vitórias morais” (no futebol e na política), dos “grandes” segundos lugares
(ou terceiros, ou oitavos), dos “quase” sucessos (sempre por falta de sorte), da
fé em milagres (as promessas de Fátima, as velas a São Fuas-d’Alcatruzes ou à
Santa Maçaneta-da-Porta). Porque procuram sempre alguma forma de se
desembaraçarem das dificuldades por intervenção exterior, com um golpe de asa
astuto ou requerendo um esforço sobre humano mas curto e sobretudo sem terem
que se sujeitar a um trabalho regular e perseverante.
Depois há a ilusão do
“desenrascanço nacional”, um lugar comum mas sem nenhuma originalidade. Todos
os povos pretendem o mesmo, todos se consideram particularmente astutos, mesmo
os mais conservadores e disciplinados. Os ingleses têm o Robin Wood, os belgas
Tintin, os franceses Asterix, os americanos meia dúzia de heróis também
imaginários, todos supostos representar os arquétipos respectivos.
Passou o tempo desde a última
Abrilada (antes houve as do D. Miguel e a do Gen. Botelho Moniz, todas acabaram
mal), mas neste ponto evoluiu tudo na mesma direcção, até o primitivo Totobola
deu origem aos novos deuses das lotarias Euromilionárias, onde os mais pobres e
ignorantes gastam os últimos tostões sem nunca perderem a esperança (a escola
obrigatória não ensina nem a matemática nem a razão).
“Close, but no cigar”, dizem
os americanos (chegou perto, mas não há razão para festejar com um charuto).
Uma mentalidade ganhadora sabe que ou se atinge os objectivos ou não, ou se
ganha ou se perde, o “quase” não presta.
Portugal vai mal, pior do que
dizem as “cabeças falantes” na televisão e escrevem os “mestres da opinião” nos
jornais. Porque esta “austeridade” não é suficiente, não será nunca suficiente.
Sem um crescimento suficiente da economia, os juros dos empréstimos continuam a
fazer aumentar o total das dívidas que é preciso pagar, além da contracção do
consumo, do aumento do desemprego, da diminuição das receitas fiscais e tudo o
resto. É evidente que em todo o caso é indispensável continuar a reduzir as
despesas do estado, senão a situação seria ainda pior, como se observa todos os
dias no desenrolar da tragédia grega.
Fala-se muito nas “reformas estruturais”, mas avança-se a
passo de caracol e com meias medidas. Sem essas reformas o país vai continuar a
afundar-se. A Constituição é uma manta de retalhos de ideologias caducas que já
ultrapassou largamente o seu prazo de validade. O Tribunal Constitucional está
em roda livre. O Ministério Público navega à vista. Os diferentes Códigos são
verbosos e voluntariamente confusos, todo o edifício da Justiça funciona mal.
Com a presente “rigidez” laboral, os sindicatos protegem os que estão
instalados contra os que procuram emprego. Os centros das cidades estão em
ruínas porque foi barato para governos populistas fazerem política social à
custa dos senhorios, desincentivando todo o investimento e oferta no sector do
arrendamento. Vendem-se por necessidade as “jóias da coroa” nas privatizações, mas
também porque a experiencia mostra que uma empresa privada funciona melhor que
uma empresa pública.
Assistir pela televisão à
apresentação pelo governo do “estado da nação” ao Parlamento e à discussão que
se seguiu foi uma humilhação e um exercício em futilidade. O governo não disse
nada de informativo e a oposição não apresentou uma única ideia útil. Para que
são necessários tantos deputados? Uns ausentes, outros medíocres em apartes patéticos.
Não são eleitos directamente por círculos eleitorais específicos, são todos
nomeados pelos partidos. Bastaria menos de metade para cumprirem a sua função
de caixa de ressonância dos sentimentos do país e ganhar-se-ia em exemplo de
redução de despesas.
Entretanto, o país empobrece e
não se vê por onde vai chegar o crescimento desejado. Dizem que será um
acontecimento determinante a próxima avaliação pela “troika” em Setembro e a
subsequente decisão sobre se as metas definidas pelo “acordo de resgate” podem
ser atingidas, ou se é preciso mais tempo e mais dinheiro. Vai a dívida ser reestruturada?
Não vai haver nada disso para já, apenas mais do mesmo. Os participantes da
troika têm todo o interesse em apresentar Portugal como um caso de sucesso na
implementação das medidas previstas, embora com alguma flexibilidade devido às
influências exteriores.
Em resumo, e apesar de promessas,
esperanças vãs e comportamentos irracionais, a nação está mal e não se
recomenda. A governação do país está entre um “defining moment” e o “breaking
point”, ou seja, entre um acontecimento determinante para o seu futuro e o
momento de máxima tensão em que alguma coisa tem que ceder. Como não há milagres,
não se pode contar que a maioria da população compreenda os deveres de
cidadania (não aprenderam em casa e não os ensinaram na escola), que tenha
iniciativa própria e que adapte as decisões individuais ao bem colectivo.
O estado tem que dar o exemplo,
reduzindo ao mínimo a sua interferência na vida dos cidadãos e aumentando ao máximo
os incentivos à expansão das empresas nos mercados externos. Ninguém sente
melhor as ineficiências que oprimem a sociedade, do que quem volta a Portugal
depois de muitos anos a viver e trabalhar nos países mais desenvolvidos. O
presente “cabo das tormentas” significa a escolha entre a capacidade de
prosseguir para um futuro melhor e sustentável, ou ter que voltar para trás,
para a barafunda terceiro-mundista donde saímos.
JSR
Uma análise excepcional do momento presente do país!
ReplyDeleteMuito obrigado pelo comentário. Excepcional é muita gentileza sua, mas verdadeiro é com certeza, na medida dos meus conhecimentos e daquilo que sinto em relação ao país em que nasci. Volte sempre com as suas opiniões.
ReplyDeleteNão tem de agradecer, sou leitor atento e assíduo deste seu espaço e dou por mim a reflectir e concordar consigo naquilo que aqui vai partilhando. E só lamento que mais gente, de cargos mais importantes aqui pelo país, não o leia e ouça também - bem preciso era!
ReplyDeleteNa realidade, alguns vão ouvindo, mas é difícil acabar com os maus hábitos ou sair da cartilha...
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