Wednesday, June 27, 2012

111 - Como as Contas dum Tesbih (rosário islâmico)

As primaveras árabes criaram muitas esperanças entre os optimistas ocidentais, sobretudo aqueles que desconhecem a geografia e a história.
Neste blogue, dois posts de 2011, um de Janeiro (20 - The Middle Ages of the Middle East) e outro de Fevereiro (24 - Egypt, Smoke and Shadows), chamavam a atenção para os vários factores que permitiam prever que os movimentos populares iriam propagar-se de país em país, mas que os resultados seriam decepcionantes para as esperanças ocidentais e sobretudo para os próprios participantes. A conclusão era que em nenhum desses países era previsível o estabelecimento duma verdadeira democracia. No melhor dos casos haveria pequenos passos tímidos, de cada vez com avanços e recuos, no pior dos casos a descida ao caos, guerra, desespero e aumento das tentativas de emigração em massa para a Europa. Entre os dois extremos, alguns países tomariam medidas cosméticas para aquietar a populaça, mas tudo continuaria realmente na mesma.
Como as contas dum “tesbih”, os países da margem sul do Mediterrâneo foram-se contagiando no entusiasmo de se verem livres de regimes despóticos, com ajuntamentos e manifestações, guerras civis e mesmo intervenções externas quando se trata de produtores de petróleo.
Esta região sofre dum tremendo atraso civilizacional, que levará muitas gerações a ultrapassar. Os factores são variados: primeiro, uma natalidade galopante, que por maior que fosse o progresso económico não conseguiria dar trabalho a todos; segundo, um sistema educativo inadequado e subordinado às crenças religiosas; terceiro, a metade feminina da população continua a ser tratada como menor e apenas destinada a procriar e às tarefas domésticas; quarto, a economia destes países reflecte o domínio de classes privilegiadas, corruptas e atrasadas, que se apropriaram de todos os recursos dos estados; quinto, nestas circunstancias a mobilidade social é praticamente inexistente a não ser como resultado de golpes, revoluções ou guerras; sexto, a maioria da população continua sem direitos, pobre, ignorante e sem esperança de melhoria.
Em todos os países islâmicos, árabes ou não, o poder está com os chefes tradicionais e/ou a hierarquia religiosa, ambos apoiados numa classe militar, ou directamente com os militares. Normalmente, são os militares que supervisam os períodos de transição, como agora no Egipto, sem surpresas. A tutela militar tem sempre custos muito elevados no desenvolvimento das sociedades. Dependendo dos países, pode também ter algumas qualidades temporárias, como aconteceu na Turquia com Mustafa Kemal, cujo regime autoritário tentou superar séculos de superstição, desordem e decadência, permitindo ao seu país aproximar-se mais tarde dum regime tendencialmente democrático e duma sociedade em vias de modernização.
Os outros países islâmicos citam muito a Turquia como exemplo, mas nunca o Irão, esquecendo tanto as diferenças que os separam dum, como as similaridades que os aproximam do outro. Precisam de bom senso e boa sorte (assim como da protecção de Allah, pois claro). Mas, como dizem os cristãos desses países quando são atacados pelos extremistas fanáticos: “Fia-te na Virgem e não corras...” e emigram todos os que podem. Porque, entretanto, do que foi escrito acima pouco ou nada de estável mudou.
JSR

No comments:

Post a Comment