Djinn |
Em tempos de dificuldade, como
os que atravessa agora a Europa, os demagogos são como as pragas tradicionais. Saem
das fendas entre as pedras, caiem com as chuvas ou vêm transportados pelos
ventos. Criticam todas as reformas feitas pelos governos, fazem eco a todos os
problemas, doem-se de todos os males, partilham todas as indignações, atiçam todos
os descontentamentos. Consideram-se os únicos a defender o bem, os pobres e os oprimidos
e são populares entre os que culpam sempre os outros por tudo o que de mau lhes
acontece. Vivem do outro lado da realidade, fazem correr atrás de miragens e
apontam de forma estridente um ou mais bodes expiatórios. São os profetas de
todas as desgraças e os sacerdotes de todas as promessas, que vemos, ouvimos e
lemos todos os dias.
A demagogia é uma praga que
atinge todo o mundo duma forma mais ou menos primitiva, mais ou menos bruta ou
ignorante, de acordo com o grau de desenvolvimento. Todavia, a fuga da
realidade é um mal característico da área mediterrânica, atingindo os níveis
mais delirantes quanto mais perto se encontra dos ventos dos desertos. Viver
nos limites da sobrevivência
provoca alterações mentais de adaptação e alucinações em que desaparece a
separação entre o real e o imaginário. A sul do Mediterrâneo, os habitantes conhecem
as miragens e acreditam que os ventos são habitados por espíritos turbulentos,
os “djinn”. Dessa parte do mundo saíram profetas em série, que propagaram
diversas crenças em misteriosos universos paralelos que, quanto mais
irracionais e ritualistas, mais depressa se espalharam entre os mais frágeis de
outros povos e de outras regiões.
O império mediterrânico de
Roma foi varrido por crenças sucessivas em vários desses deuses dos mistérios,
que subverteram a estrutura de essência humana do panteão greco-romano. No
território europeu, os limites onde chegaram essas epidemias de contaminações
mentais correspondem mais ou menos aos reinos da irracionalidade que duram até
ao presente. Os países que se governam mal, porque têm dificuldade em
reconhecer a realidade e separá-la dos seus desejos ou de crenças utópicas. Mesmo
o tempo dos profetas laicos e das suas religiões materialistas, passou. Mas
ficaram os demagogos retardados que apelam à irracionalidade colectiva para
acreditar que os seus desejos se podem tornar realidade apenas como objecto de
fé. O acordar é quase sempre trágico, mas as variações são infinitas. Os
“djinn” aparecem para nos atormentar de cada vez que há eleições e continuam a
incomodar entre elas.
Os países onde chegam os
ventos do deserto estão cheios de demagogos que prometem a cada eleitor uma candeia mágica com
um génio dentro que lhes satisfará todos os desejos. E os eleitores acreditam.
E elegem governantes irresponsáveis que depois têm a surpresa de não encontrar
entre os dourados dos palácios que passam a ocupar, nem candeias nem génios
para distribuir. E o povo quer os seus desejos satisfeitos. E os outros
demagogos que não foram eleitos organizam manifestações, protestos e distúrbios,
até que a situação se inverta. E tudo recomeça.
Quando lhes cai em cima a
realidade de estarem falidos, porque os cofres estão efectivamente vazios, então
pedem ajuda a organizações internacionais e aos países do Norte onde não chegam
os ventos do deserto. E são
ajudados, embora com condições. Mas quando é preciso respeitar essas condições,
aparecem dentro de cada país as diferenças de contaminação mental da realidade,
entre governantes e demagogos, que por vezes são os mesmos e se alternam.
Neste momento, é a
irresponsabilidade da maioria dos eleitores gregos e da classe política que os
explora, que nos preocupa e que é exemplar, talvez mesmo por se tratar do berço
teórico das democracias como Atenas e das sociedades militares como Esparta. O
triste facto é que são agora incapazes de distinguir o mundo real da bancarrota
em que se encontram, das fantasias demagógicas de múltiplos partidos
recalcitrantes que se agarram a alternativas que só existem na sua imaginação,
mas que correspondem ao que a populaça quer acreditar. O que se passa na Grécia
é a caricatura avançada do que se passa também nos outros países da Europa do
Sul e que se tem repetido vezes sem conta na história.
Reis e caudilhos de toda a
ordem, imitados pelos seus povos, encontram sempre boas razões para gastar mais
do que aquilo que produzem. Depois, enquanto têm crédito pedem emprestado a
quem tem excedentes, sejam os comerciantes judeus, as ordens religiosas ou os
banqueiros das cidades negociantes italianas ou hanseáticas. Quando finalmente
se apercebem que não podem pagar, acusam os judeus de qualquer coisa para os
assassinar, fazem a guerra contra as cidades credoras ou conluiam-se com o Papa
para destruir os Templários. Desaparecem os credores, desaparecem as dívidas.
Esses tempos passaram, mas uma
das características da estupidez individual ou colectiva, é não aprender com a
experiência e repetir os erros cometidos vezes sem conta. A culpa nunca é de
quem não se soube governar, a culpa é sempre de quem lhes emprestou os meios de
criar um mundo de faz de conta e agora lhes faz a ofensa de não deixar que
continuem a viver à custa dos seus créditos. Na Grécia deixaram de ouvir as
poucas vozes realistas, os restantes são todos demagogos e os “djinn” já
arrastam o país para as miragens entre as dunas do caos. Os outros países
europeus infectados pelas crenças das mil e uma noites só não seguirão pelo
mesmo caminho se houver gente suficiente que não se deixe contaminar, que tenha
vontade de resistir e a capacidade de eleger ou manter governos que digam “não”
ao facilitismo irresponsável.
JSR
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