Two Elephant Seals... |
Ficou no café do centro comercial enquanto
esperava, jornal na mão, chá e torrada sobre uma mesa de canto, numa
expectativa razoável de estar a salvo dos carrinhos de compras e em relativo sossego.
Engano.
No meio da leitura de mais um artigo sobre o
analfabetismo atávico dos compatriotas, ouve sem realmente prestar atenção:
“Queres mais um duchesse?”, seguido do barulho duma cadeira a cair. Ao levantar
os olhos do jornal, vê avançar na sua direcção uma enorme bola de “jeans” a rebentar
pelas costuras, um traseiro de diâmetro maior do que a mesa, pertencente a uma
criatura dobrada para apanhar a cadeira. Desviou-se a tempo de ver o bule,
chávena e torrada serem sacudidos pelo sismo do encontrão e o copo de água
rolar para o chão.
A empregada, solícita, veio mudá-lo de mesa,
infelizmente para o outro lado das duas gigantescas criaturas amadoras de
“duchesses”. Aquela que estava mais próxima usava a cadeira como uma espécie de
“fio dental” entre as nádegas, uma das quais ocupava todo o espaço até ao
território dele.
E palravam. Numa rápida observação oblíqua, constatou
que deviam ter estado caladas até então porque absorvidas na leitura dumas
“revistas do bidé social”. Mas agora tinha chegado a altura da conversa... e em
voz suficientemente alta para a plateia, na qual ele tinha o azar de se
encontrar na primeira fila.
“- Já estou farta deles todos. Falam das coisas
uma vez e outra vez, e lembram isto e que aconteceu mais aquilo. Como se nós já
não soubéssemos.
- Estragam tudo. E depois os velhacos afinal não
são assim tão velhacos e a Inês que parecia tão boazinha afinal já se tinha
deitado com o Raul.
- E a irmã sabia, por isso é que não a quer ver lá
em casa.
- Não, isso eram os outros, os do... os que... tu
sabes.
- Mas olha que o Raul matou a sogra para lhe ficar
com o dinheiro e ainda não foi apanhado.
- A Policia foi lá a casa e não prendeu ninguém.
- Mas eu vi... e tu também. Foi ele.
- Achas que devíamos ir à Esquadra?
- Nah... não servia de nada, esta gente safa-se
sempre e nós é que arranjávamos chatices.”
Como? Elas viram um crime e decidiram não ir à
Policia contar o que sabem? Isto é estupidez, ignorância, resignação, falta de
civismo... Devo dizer-lhes alguma coisa, meter-me numa conversa alheia? Pensou
durante uns segundos, mas entretanto a conversa continuava:
“- Tens razão. Ele já tinha feito o mesmo à
Delfina e vai continuar até que o apanhem.
- Vais ver que não apanham. É como os Gorjões, as
patifarias que têm feito e andam sempre com o rei na barriga.
- Ainda no outro dia a Joana ameaçou de contar
como o pai tinha feito fortuna se não lhe dessem já a parte dela.
- Essa não é a Joana dos Gorjões, é a dos outros,
aqueles que... como é que se chamam?
- Não me lembro, às vezes faço confusão com tantos
malvados aí à solta.
- E depois com as repetições já não sabemos o que
está a acontecer agora e o que se estão a lembrar. É muita confusão e estão só
a fazer render o tempo.
- Pois, as repetições dão cabo das novelas.”
Ahhh?!!! Então é isso. Achou-se estúpido,
desenquadrado. Levantou-se de súbito (o copo de água voltou a entornar-se) e
para retomar a respiração foi esperar no átrio do supermercado, a passear dum
lado para o outro, no meio do barulho e da confusão. Colada à sola do sapato
andava a copa de papel dum “duchesse”...
JSR
No comments:
Post a Comment