Wednesday, April 25, 2012

101 - Os Donos de Portugal

New Age Fat Cat
Folheei o livro nas livrarias e agora vi o documentário do mesmo nome depois de uma catadupa de recomendações. Bom, e então? Para além de alimentar curiosidades, honestas ou perversas, para que é que isto serve?
Que os homens não nascem iguais e vivem e morrem cada vez mais desiguais, toda a gente sabe. Que, seja qual for a organização social, os indivíduos se estratificam inevitavelmente, qualquer um se apercebe bem cedo ou, para os mais obtusos, o mais tardar quando chegam ao mercado de trabalho. Que existem donos de cada país e que isso acontece com todos os países, verifica-se com um pouco de experiência internacional. Que, cada vez mais, a globalização da economia, da tecnologia e da informação, permitem o aparecimento de donos do mundo, apreende-se com um pouco de cosmopolitismo, de atenção e de conhecimento.
Mesmo em suposta democracia, uma classe de privilegiados é sempre “mais igual” do que os outros. Em Portugal, a burguesia dos negócios infiltrou-se, despiu-se, misturou-se e acabou por substituir a aristocracia como classe dominante. Esta nova classe híbrida apropriou-se progressivamente dos poderes do estado e continua a reproduzir-se das relações incestuosas que mantém com os seus sucessivos detentores. Nada de novo, nesta grande família promíscua mudam os mitos das personagens, mas no fundo o teatro é sempre o mesmo. Desapareceram os mitos da nobreza, que embora totalmente bastarda, ainda se pretendia de origem visigótica e herdeira dos direitos adquiridos pela presúria. Vingaram-se os comerciantes anteriormente diminuídos como classe social e por serem ou descenderem de cristãos-novos, que ao meterem-se na cama da nobreza aumentaram o instinto de rapina nos seus genes. Mas continuam todos muito dependentes da religião tradicional e do regime, qualquer que ele seja. Desde que a oligarquia mantenha os seus privilégios, a Igreja mantenha o povo resignado (crente que depois da morte é que vai ser bom...) e que um regime politico mantenha os mais recalcitrantes a manifestarem tanto quanto queiram, mas inofensivos, tudo vai pelo melhor. Tudo muda e tudo fica na mesma.
Podem-se escrever - e escrevem-se - exactamente o mesmo tipo de relatórios acerca de qualquer país do mundo, seja qual for a sua forma de organização política. Nos Estados Unidos, a elite económica e os que lhe estão associados duma forma ou doutra, representam cerca de 1% da população, percentagem que deve ser válida também para as outras democracias. Nos outros regimes, as percentagens dos privilegiados em relação à totalidade da população são ainda menores. As “nomenclaturas” comunistas tornaram-se classes hereditárias, como na antiga URSS e ainda na China, ou mesmo ridículos regimes dinásticos, como na Coreia do Norte. Há também as monarquias tribais dos emires do petróleo do Golfo, as teocracias medievais do Irão e outros, os novos sobas da África, os “robber barons” do Sul da Ásia, as “cliques” da América Latina.
Esta estratificação está na natureza humana e faz parte da evolução. Desde que se constituíram as primeiras comunidades agrícolas que as diferenças de produtividade levaram à noção de propriedade e que das trocas de produtos nasceu a noção de capital. Apareceram então os aproveitadores que, pela força das armas ou pela chantagem da superstição, viviam à custa dos que trabalhavam e em troca protegiam-nos dos outros bandidos e dos medos do desconhecido. Uma simbiose de vantagens desiguais, mas duradoura. Até hoje.
Há alguma coisa a fazer para mudar este estado das coisas? Na realidade não muito, mas o politicamente correcto obriga a inventar umas quantas teorias sociais, para mascarar a realidade aos corações mais sensíveis e não chamar o verdadeiro nome às coisas. 
Por um lado, a globalização nivela presentemente as diferenças dos estratos correspondentes de todos os países. Os mais ricos estão cada vez mais ricos, são mais numerosos e mais bem distribuídos pela face da terra. Aqueles que tem melhores conhecimentos para participarem na revolução tecnológica que transforma a produção agrícola e industrial, os transportes e a distribuição, o consumo e tudo o resto, vêm a sua qualidade de vida aumentar onde quer que estejam. Todos os outros em actividades progressivamente obsoletas, estão também na competição global nos seus sectores respectivos e os seus rendimentos alinham-se pelos mais baixos, independentemente do local. Várias gerações estão a ser sacrificadas neste processo. 
Por outro lado, o avanço da sociedade do conhecimento traz a esperança duma melhoria progressiva da qualidade de vida para todos no longo termo e da sua homogeneização no ainda mais longo termo. Na condição de se controlar a população mundial, de não se dar cabo do clima irremediavelmente, da inteligência e da razão derrotarem a ignorância e o fanatismo. É preciso começar agora, mas quem vier a seguir, verá.
 JSR

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