Uma Miss Minnie, portuguesa e contemporânea, partiu para oriente em vez do ocidente, para fazer um doutoramento em vez de participar em movimentos democráticos. Bem, espero que não se meta nisso, não vale a pena, o dragão já tem a sarna capitalista... Partiu mais precisamente para Macau, que não é só o inferno do jogo. Para quem não saiba, é também a sede de uma Universidade muito razoável e dum bom Instituto da Universidade das Nações Unidas (UNU).
Em tempos idos, Macau foi um porto importante na primeira rota comercial da carreira das Índias portuguesas, que levava anualmente os “barcos negros” de Lisboa a Goa, a Macau e ao Japão. Depois de vicissitudes seculares, um dia o hino nacional foi tocado pela última vez, o governador meteu a bandeira dobrada debaixo do braço e toda a administração portuguesa do Território partiu de volta a Lisboa.
Nos últimos anos antes da devolução à China, houve uma actividade frenética para consolidar o legado português de arquitectura religiosa e colonial, cultura, língua e sistema administrativo. Fizeram muita coisa, aumentaram a superfície através de aterros, construíram uma cidade nova e modernizaram a economia para além do racket do jogo. Abanaram também o mais possível a tradicional árvore das patacas, para os vários projectos, para financiamento partidário na metrópole e para enriquecimento pessoal.
No meio dessa actividade, uma certa quantidade das patacas do jogo serviram para financiar projectos culturais e de educação. Já existia uma espécie de universidade mercantil, com poucos alunos mas muitos diplomas vendidos por correspondência. Foi comprada pelo governo do território, mudou de nome, de corpo docente e de gestão, e transformou-se numa instituição respeitável. Como cereja no bolo, foi também criado de raiz um Instituto internacional, parte da UNU.
Passados estes anos todos, o que é que a Miss Minnie foi encontrar? A maior concentração de Casinos do mundo, largas teias de negócios em todos os tons de cinzento a negro, como seria de esperar num porto franco com estatuto especial, e um parque histórico com os vestígios da presença portuguesa, para turista ver enquanto descansa o cotovelo de tanto puxar as manivelas das máquinas de jogo.
Macaenses de raiz, a mistura dos locais com portugueses e todos os aventureiros e piratas dos mares do Sul da China, são poucos e com eles extingue-se a última comunidade que ainda fala português. A cidade e ilhas foram invadidas nos últimos anos pela massa dos migrantes chineses. Resta a comunidade académica na Ilha de Taipa e alguns profissionais dispersos com partida adiada. Depois, há a Casa Silva Mendes, a vivenda colonial dum antigo comerciante rico, escritor e coleccionador, na colina da Guia, o lugar menos poluído de Macau. Da vivenda restam as paredes exteriores, o interior foi totalmente reconstruído para nele funcionar o Instituto Internacional de Tecnologia de Software.
É difícil a cultura e a ciência florescerem numa atmosfera onde resta pouco oxigénio, mas é possível. Desde que se faça entrar ar novo de vez em quando e se saia frequentemente para arejar as ideias. Para além dos dias de trabalho académico, a Miss Minnie vai encontrar depressa a claustrofobia dos lugares pequenos, das comunidades fechadas onde se entra devagar, de conceitos diferentes de cooperação, liberdade e segurança em sociedade. Aconselho-a a não ler ou reler Kafka quando encontrar problemas com as chinesices burocráticas, mas antes a fugir do calor e humidade, refugiando-se no ar condicionado a ler um dos livros de Pamela Kyle sobre a China, particularmente “A Translucent Mirror”.
Ah, e que aproveite a oportunidade de viver em Macau para aprender mandarim...
JSR
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