Beavis and ButtHead - Generation in Crisis |
Nestes tempos de crises
diversas, tem estado na moda perorar sobre o estado do país e as
características das recentes gerações que o habitam. Têm-lhes chamado
sucessivamente: geração “rasca” por falta de qualidade e de espírito critico, geração
“à rasca” por falta de emprego ou de trabalho; geração “indignada” por falta de
dinheiro e de rumo; “geração parva” porque julga ter só direitos e não deveres;
geração “mal formada” porque acredita nos vendedores de ilusões; e geração “piegas”
porque se queixa de tudo e de todos, sem ver a necessidade de esforço próprio.
Significativamente, fala-se mais do que se escreve, porque a reflexão necessária
à escrita funciona como um travão à enunciação do disparate mal pensado.
Cada geração, seja duma
família, duma tribo ou duma nação, recebe uma mistura diferente dos genes
comuns. Como um baralho de cartas, de cada vez que é misturado e distribuído,
as “mãos” são diferentes embora as cartas originais sejam as mesmas (na
realidade, os genes também vão evoluindo, mas este não é um artigo científico).
Cada indivíduo recebe as características físicas e de inteligência, as qualidades
e os defeitos que são comuns ao seu grupo, mas em proporções que lhe são
próprias. A auto-avaliação realista e o espírito critico em relação à cultura
social, são das características mais mal distribuídas.
As pessoas têm diferentes formas
de inteligência, de astúcia, de perseverança e de motivação, para serem bem
sucedidos na sua esfera privada, no seu trabalho e na sociedade. Uns mais
depressa do que outros. Uns duma forma mais gregária e outros de forma mais
solitária. No “baralha e volta a dar” da vida, cada qual acaba por encontrar o
seu lugar e a sua forma de contribuir para o bem comum. Sobram sempre uns
quantos inadaptados que não se encaixam na sociedade tal qual ela é (e não como
cada um acha que ela devia ser). São, do lado positivo, os inventores, os
artistas, os críticos; mas também, do lado negativo os malfeitores e os
parasitas. É preciso de tudo para fazer um mundo.
Em condições de stress, como
são as crises económicas e sociais, a quantidade de “desafinados” que não encontram
o seu lugar aumenta e não só por culpa própria. Não encontram saída para
desempenhar na comunidade os papeis para os quais se prepararam (ou não se
prepararam, e esse é o maior problema), nem outra função qualquer que lhes
permita dar um sentido às suas vidas e ganhar a independência económica. Para
esses, o mundo está profundamente errado. Quando se juntam todos os que se
encontram nessas situações, aparece uma quantidade de gente indignada na rua.
São as vítimas de todos os
predadores, nacionais e internacionais. Fazem lembrar o legionário romano dos
livros do Astérix, que resmunga “Engagez-vous, rengagez-vous, qu’ils disaient”,
depois de levar uma sova do Astérix (Sarkozy) e do Obelix (Merkel), porque
antes de se alistar (endividar, com o “compre agora e pague depois”), não leu
as letras pequenas dos contratos (indicando juros que mais tarde não consegue
pagar) e é depois obrigado a lutar contra insurrectos fortalecidos com a poção
mágica (as flutuações dos mercados, informatizados com algoritmos indexados aos
“ratings” das agências, num círculo totalmente viciado a favor dos interesses
que as sustentam). Quem não pertence a esses interesses, nem os conhece, não
pode saber o que fazer e torna-se uma vítima indefesa.
Até aos anos sessenta do
século passado, a educação, a instrução e os meios de comunicação social,
correspondiam a um país em evolução desigual. Em geral, a educação em casa
consistia em aprender o que as classes da média burguesia, sempre “en retard
d’une guerre”, consideravam como os bons costumes e as boas maneiras. A
instrução dependia da localização e da qualidade das escolas primárias, das
possibilidades das famílias enviarem os filhos para o secundário e também das
classificações para entrar no ensino superior. O acesso ao mercado do trabalho
fazia-se primeiro pelos conhecimentos, as influências e as cunhas, só depois
vinham as competências, as
capacidades e a motivação de cada um.
Nos anos setenta chegaram os “baby
boomers”, filhos dos que tinham passado pelas privações das guerras mundiais e
civis, que não tinham quase nenhuns apoios sociais, nem para a saúde, nem para
a reforma e com pouca ou nenhuma influência na condução dos destinos do país em
que viviam. Esta geração, decidida a ter melhor qualidade de vida que os seus
pais, mudou a situação e criou o mundo em que hoje vivemos. Um mundo em que tem
havido liberdade política, apoios sociais, progresso económico. Que tudo isto
esteja presentemente em risco por causa duma crise exterior, assim como de excessos
e erros de gestão nacionais, é outra história. Esta qualidade de vida nunca
tinha sido atingida antes, nela nasceram e cresceram os que chegam ao mercado
do trabalho neste princípio do novo milénio e que constituem certamente a
geração mais protegida e com mais oportunidades, desde sempre. E ainda se
queixam.
A geração piegas deve aos pais
a sua condição. Pais que não souberam como os educar. Professores que não
podiam fazer o trabalho dos pais na educação e integração social e que muitas
vezes se desmotivaram no seu próprio trabalho de instrução escolar e académica.
Muitos não aprenderam a socialização nem em casa nem na escola. Não conhecem a
disciplina, nem hábitos de trabalho, nem a responsabilidade pessoal, nem a
competição individual. Alguns seguiram o caminho do menor esforço e tiraram
“cursos de aviário” sem qualquer saída profissional. Não conhecem as boas
práticas de vida pessoal, nem as profissionais. Fazem estágios, mas depois
ninguém os quer contratar. Porque não há trabalho ou porque têm pouco a
oferecer?
Agora esperam que alguém tome
conta deles, como crianças serôdias que saem tarde da dependência dos pais e
esperam ficar dependentes duma entidade mítica superior, seja o Estado ou o
Governo. Embalados por demagogos e iluminados, muitos nem se apercebem
realmente que o Estado são os impostos dos outros e que o Governo gere o
dinheiro recebido dos que trabalham.
“Queremos um bom emprego com
um bom salário”, dizia uma mulher nesta última greve, provavelmente uma
sindicalista da esfera comunista reaccionária. Daqueles comunistas que destruíram
o socialismo utópico do “cada um contribui de acordo com as suas capacidades e
recebe de acordo com as suas necessidades”, porque contribuem o menos possível
e recebem o máximo que conseguem extorquir. Se fosse uma sindicalista
representativa dos verdadeiros interesses dos trabalhadores, teria dito mais
realisticamente: “queremos um trabalho correctamente pago” de acordo com as
qualificações e a contribuição de cada um.
Está na moda encontrar novos nomes
para velhas coisas e novas definições para velhos conceitos. Como em todas as
gerações, em todos os lados, há certamente os parvos e os mal formados, mas
porque hão-de ser esses a definir a geração a que pertencem? Depois dos “baby
boomers” tudo é bom para tentar definir tendências que vendam jornais, livros,
música, televisão, o que quer que seja. O “marketing” reduz a vida a um jogo de
espelhos sem substância. Porém, na realidade, os que estudam, inovam e
trabalham com motivação e inteligência, são esses que definem a geração
presente e o futuro do país.
JSR