Tuesday, February 28, 2012

93 - Desemprego e Desatino

Zé Povinho
de Rafael Bordalo Pinheiro
Diz o filósofo: A liberdade social assume que cada um seja capaz de assegurar os meios essenciais da sua própria subsistência, sem os quais não há liberdade, mas apenas dependência ou exclusão. Liberdade e democracia são conceitos diferentes, mas o primeiro é indispensável ao segundo.
Diz o sociólogo: Poucos conseguem subsistir fora do trabalho profissional, artesanal ou por conta de outrem. A capacidade empresarial raramente se manifesta em Portugal sem a muleta do estado e das influências.
Diz o historiador: Isto tem acontecido desde os tempos em que a Coroa se apropriou do todo o comércio importante, nacional e de além-mar, arruinando ou expulsando a burguesia do país. Foi assim que definhou a capacidade empresarial e se tornaram atávicos os defeitos de dependência, resignação, credulidade e pobreza endémica.
Diz o professor: O compacto democrático entre dirigentes e dirigidos baseia-se na mentira aceite da igualdade utópica dos cidadãos, igualdade que nunca existiu nem pode existir, pois os indivíduos não nascem iguais em capacidades, nem encontram igualdade de oportunidades.
Diz o banqueiro: Ouve-se um coro de imbecis a clamar contra os bancos, contra os ricos e contra as empresas que fazem o que têm que fazer para assegurar a sua sobrevivência. Mas se para se tornar e se manter rico é necessário um mínimo de esperteza, os pobres não têm que ser necessariamente estúpidos. Ninguém os obrigou a acreditar nas propostas de crédito fácil e a empenhar-se até às orelhas. Todos têm que compreender uma regra simples de causa a efeito: só sobrevivem os mais capazes.
Diz o economista: O problema dum país não são os ricos, quanto mais ricos houver por consequência haverá menos pobres e mais impostos são cobrados. O problema não são as empresas, mesmo as que transferem a sua sede para fora do país, porque são as empresas que criam e mantêm empregos. O problema são os pobres que não pagam impostos, ou aqueles que custam mais à sociedade do que contribuem. O problema são os se aproveitam do estado, do dinheiro das contribuições, com esquemas e manigâncias para obter para si próprios mais do que a sua justa parte.
Diz o jornalista: Uma crónica, um artigo, uma entrevista, a expressão de pontos de vista mais assertivos ou de factos mais desconfortáveis, e o jornalista ou o cidadão interventivo responsáveis pela desafinação, desaparecem no limbo dos espaços de opinião que lhes são retirados. Sobram os intocáveis e os bobos da corte, uns são tolerados porque necessários como pára-raios dos descontentamentos, outros porque são inofensivos.
Diz o radical: A Maçonaria, a Opus Dei e outras sociedades secretas, quando existem em democracia só podem ser associações de malfeitores. Não é possível que pessoas adultas ainda acreditem no Pai Natal, que gente racional alinhe nessas baboseiras doutrinárias e que quem tenha um mínimo de inteligência participe em cerimónias exotéricas de aventalinho. Portanto, a única explicação para fazer parte dessas organizações é a constituição de grupos de predação sobre a sociedade, o que é característico de todas as máfias.
Diz o político no governo: Se não empreendem nem conseguem emprego, para os mais audazes resta sempre partir. Nos anos sessenta do século passado partiram para o estrangeiro à procura duma vida melhor, sobretudo os camponeses e outros trabalhadores pouco especializados, que eram explorados aqui e que continuaram a ser explorados nos países para onde partiram. Mas que mandavam as economias para casa... Cinquenta anos depois, são agora os melhores e mais bem preparados que estão a partir, deixando para trás os acomodados, os velhos e os subsidiados. O país só pode sobreviver com a exportação, seja ela qual for...
Diz o político da oposição: Esta diminuição da vitalidade do país tem como consequência a degradação da prática da liberdade em democracia. Quando eu estiver no governo acabo com a austeridade, com o desemprego, com a inflação, com tudo aquilo com que os eleitores estão descontentes. Não sei como vou cumprir estas promessas, não sei onde vou buscar o dinheiro, depois logo se vê, a culpa será sempre do governo anterior, o importante é que estes saiam do poleiro para eu ir para lá. 
Diz o comunista: O estado tem que garantir trabalho a todos os trabalhadores, não se admite que o desemprego continue a subir. O estado tem que controlar todas as empresas públicas e não pode privatizar nada daquilo que pertence a todos os portugueses, os bancos, a energia, a água, os transportes e outras coisas de que não me estou a lembrar agora. De qualquer forma, é tudo culpa do governo.
Diz o sindicalista: O estado tem que subir o salário mínimo, assim como as pensões. Os patrões têm que garantir salários decentes e não podem despedir trabalhadores que precisam de segurança no trabalho. Se há crise é culpa dos ricos que devem pagar a crise. O governo diz que não há dinheiro, mas há sempre dinheiro para os bancos. Queremos justiça social e para isso é preciso que todos os portugueses participem na próxima greve geral, a maior que alguma vez houve em Portugal.
Diz o “bloquista de esquerda”: Este governo não sabe o que anda a fazer e o anterior também não. O país está em crise, a dívida externa é insuportável, a austeridade é insuportável, a troika é insuportável, o desemprego é insuportável, a pobreza é insuportável. A propósito, o governo anterior ao anterior também era insuportável e não sabia o que andava a fazer. E nunca me vou calar porque é preciso que alguém diga a verdade aos portugueses.
Diz o cidadão português: Eles são todos insuportáveis e não sabem o que dizem. Se soubessem estavam calados...
JSR

Tuesday, February 21, 2012

92 - El Corte Inglés

Pelourinho...
Aquela grande loja perto do Parque Eduardo VII em Lisboa, só pode ter sido concebida como chafarica de bairro, onde se vai a pé comprar um molho de brócolos ou um par de peúgas, quando se mora perto. Para os outros, para os que vêm de mais longe, é preciso uma boa dose de masoquismo para a frequentar, porque o acesso ao parque de estacionamento é um verdadeiro atentado contra os utilizadores, assim como um desrespeito das boas práticas de arquitectura, engenharia e urbanismo.
Quem foi apanhado na armadilha uma vez, nunca mais lá quer voltar: uma rampa em caracol projectada por anões para mini-carros, estreitíssima, longa, estonteante, necessariamente lenta, de enfurecer o mais calmo. Deve ser repintada frequentemente, mas estão bem visíveis os sulcos deixados pelos carros que raspam as paredes. Mas então não há normas para a construção e segurança destas coisas? Porque é que não foram cumpridas? Quem foram os membros da quadrilha que tornou possível esta aberração?
Os culpados deviam ser castigados por incompetência, incúria ou corrupção: o arquitecto que desenhou o projecto, o promotor que o aceitou e o responsável pelo urbanismo da Câmara que o aprovou; o engenheiro que construiu e o fiscal que aprovou a obra concluída. Todos deviam ser condenados a ter que utilizar a rampa num carro de tamanho médio, descer até ao andar mais baixo e voltar a subir, todos os dias e até ao fim das suas vidas. Que seriam decerto curtas, pois dentro de pouco tempo se suicidariam de desespero e de remorsos.
JSR

Wednesday, February 15, 2012

91 - A Dança da Chuva

"Tar and Feather" flower
Poucos a viram praticar ao vivo, mas faz parte do imaginário colectivo: as tribos primitivas que dançam em círculos, pedindo aos deuses que do céu caia a água da vida. Mas, na realidade, apesar das missas, das velas e das procissões, a nossa tribo continua em seca múltipla: falta de chuva, de razão, de desenvolvimento e de futuro.
Falta de chuva: O aquecimento climático aumenta os excessos meteorológicos, sejam eles secas, inundações ou tempestades. Diminuem as zonas temperadas de habitação humana e com elas a fiabilidade do calendário de sucessão das estações, do acesso à água e da produção agrícola. Depois dum Inverno seco, metade do país está em situação de desastre ambiental.
Falta de razão: As deficiências do sistema de educação e a indigência de muitas famílias, são responsáveis pela falta de educação científica e de capacidade de raciocínio lógico da maioria da população. “Oxalá”, “se Deus quiser”, “a culpa é do governo”, substituem a análise racional dos problemas seguida de decisões oportunas, sejam individuais ou colectivas. Os meios de comunicação (mesmo os estatais!) estão cheios de fala-barato, cartomantes, astrólogos, pastores de passa-para-cá-o-pouco-dinheiro-que-tens-idiota e outros aldrabões, que nos antigos filmes de cowboys apareciam a fugir das cidades do Far West cobertos de alcatrão e de penas...
Falta de desenvolvimento: A globalização do comércio aumenta as disparidades de produção, de distribuição e acesso, de consumo, de rendimento de pessoas e empresas. A competição favorece os mais capazes, desprotege os menos preparados e equaliza oportunidades. Os rendimentos dos indivíduos, das empresas e dos países, sobem ou descem nesta competição darwiniana, sem consideração de fronteiras, níveis de desenvolvimento ou de solidariedade social. The survival of the fittest.
        Falta de futuro: Portugal é um país com uma percentagem de gente inteligente e capaz igual à dos países mais desenvolvidos, mas continua a ser dominado por cliques sem qualidade. Revolucionários de pacotilha, políticos criados nos serralhos das igrejas ou das sociedades maçónicas, escritores cujos “homens mais sábios que conheceram não sabiam ler nem escrever”, empresários pendurados nas benesses do estado, consumidores deslumbrados com o crédito fácil. Como em outros países europeus, os rendeiros serôdios de comunismos e fascismos que ultrapassaram o prazo de validade na prateleira do supermercado das ideias, têm a pesada responsabilidade de enviar uma geração inteira para o caixote do lixo da história. 
Sem crescimento um país pára e parar é morrer.
JSR

Wednesday, February 8, 2012

90 - O Blog (Conversas Surrealistas)

Trrrim... Trrrim... Trrrim...
- Estou (“blocked”? who may this be?).
- Olá. Porque é que nunca comentaste o meu novo blog?
- Olá... (ah... good morning to you too... well, better let sleeping dogs lie...).
  Qual blog? (these days everybody has blogs, writes articles and chronicles for newspapers, posts on newspapers blogs, lives on facebook... impossible to follow it all... an endless nuisance).
- Já o fechei.
- Porquê? (oops... now, what did I miss?).
- Não respondeste à minha pergunta.
- Qual pergunta? (this sounds serious, the floodgates are going to burst open).
- Não repito.
- Hum... bom (here it comes, start running to the hills, you idiot!).
  Então adeus.
- Isso, desliga...
- Mas... (too late to run away, I’m as good as dead...).
- Não me ligas nenhuma!  Ploc.
Bzzzzzzzzzzzzzzzzz...

JSR

Thursday, February 2, 2012

89 - Os Cavalos de Tróia

"Léonidas aux Thermopyles" de J.-L. David
(Musée du Louvre)
De dentro do “cavalo de Tróia” que a União Europeia primeiro e a Zona Euro a seguir, trouxeram para dentro das suas muralhas, saiu a Grécia inteira. Como os Troianos, a União puxou para o seu seio o cavalo de madeira. Mas sem ter aprendido nada com o que aconteceu aos Troianos, a Zona Euro reboca essas estruturas uma vez e outra e outra, todas as vezes que os Gregos constroem uma diante das portas. Porque? Porque estão condicionados assim.
Embora descendam apenas remotamente daqueles que construíram uma parte importante dos alicerces da civilização ocidental, os Gregos modernos não perderam nenhuma das características da sua história real e mitológica da época clássica. Cidades-estado que nunca constituíram um país unido. Democracias de vária ordem, autoritárias ou paralisadas por divisões internas, que nunca incluíam os comerciantes, os servos e ainda menos os escravos. Durante todos estes séculos que entretanto passaram, contaminaram a Europa em profundidade. Primeiro Roma, que ao conquistar as cidades gregas integrou os seus deuses, ou seja, a sua filosofia de vida. Depois os próprios Romanos disseminaram essa civilização por todo o seu mundo até chegar a grande noite da barbárie e da superstição medievais.
Estes Gregos… por quem se realizam os oráculos dos desastres europeus, que testam os limites da paciência  dos amigos e dos inimigos. Que dizem uma coisa e fazem outra, ou não fazem nada. Que fazem promessas que não cumprem. Que vendem gato por lebre. Que se dividem uns contra os outros. Que se contradizem e se batem entre eles e contra o exterior. Que se comportam como os seus antigos deuses. Que afinal são… gregos, de quem todos os europeus têm uma costela biológica e parte da estrutura mental.
Para cada um dos capítulos da tragédia que tem sido a sua participação nos projectos europeus, pode-se sempre encontrar uma analogia, uma citação da sua própria mitologia. As cidades-estado, com todas as suas qualidades e defeitos, com todas as suas forças e fraquezas, resistiram aos Persas mas foram absorvidas pelos Romanos. Se compararmos as nações europeias às antigas cidades gregas, e a União como uma necessidade de sobrevivência igual à das antigas coligações, será necessário identificar sem confusão quem são os novos Persas e quem são os novos Romanos. Quem é preciso enfrentar e com quem é preciso colaborar. Porque somos todos gregos.
Afinal, desde a época clássica que estas histórias se têm repetido sob diversas formas, sem que as sucessivas gerações tenham aprendido grande coisa. Atavismos, como se vê.
JSR