Zé Povinho de Rafael Bordalo Pinheiro |
Diz o filósofo: A liberdade social assume que cada um seja capaz de assegurar os meios essenciais da sua própria subsistência, sem os quais não há liberdade, mas apenas dependência ou exclusão. Liberdade e democracia são conceitos diferentes, mas o primeiro é indispensável ao segundo.
Diz o sociólogo: Poucos conseguem subsistir fora do trabalho profissional, artesanal ou por conta de outrem. A capacidade empresarial raramente se manifesta em Portugal sem a muleta do estado e das influências.
Diz o historiador: Isto tem acontecido desde os tempos em que a Coroa se apropriou do todo o comércio importante, nacional e de além-mar, arruinando ou expulsando a burguesia do país. Foi assim que definhou a capacidade empresarial e se tornaram atávicos os defeitos de dependência, resignação, credulidade e pobreza endémica.
Diz o professor: O compacto democrático entre dirigentes e dirigidos baseia-se na mentira aceite da igualdade utópica dos cidadãos, igualdade que nunca existiu nem pode existir, pois os indivíduos não nascem iguais em capacidades, nem encontram igualdade de oportunidades.
Diz o banqueiro: Ouve-se um coro de imbecis a clamar contra os bancos, contra os ricos e contra as empresas que fazem o que têm que fazer para assegurar a sua sobrevivência. Mas se para se tornar e se manter rico é necessário um mínimo de esperteza, os pobres não têm que ser necessariamente estúpidos. Ninguém os obrigou a acreditar nas propostas de crédito fácil e a empenhar-se até às orelhas. Todos têm que compreender uma regra simples de causa a efeito: só sobrevivem os mais capazes.
Diz o economista: O problema dum país não são os ricos, quanto mais ricos houver por consequência haverá menos pobres e mais impostos são cobrados. O problema não são as empresas, mesmo as que transferem a sua sede para fora do país, porque são as empresas que criam e mantêm empregos. O problema são os pobres que não pagam impostos, ou aqueles que custam mais à sociedade do que contribuem. O problema são os se aproveitam do estado, do dinheiro das contribuições, com esquemas e manigâncias para obter para si próprios mais do que a sua justa parte.
Diz o jornalista: Uma crónica, um artigo, uma entrevista, a expressão de pontos de vista mais assertivos ou de factos mais desconfortáveis, e o jornalista ou o cidadão interventivo responsáveis pela desafinação, desaparecem no limbo dos espaços de opinião que lhes são retirados. Sobram os intocáveis e os bobos da corte, uns são tolerados porque necessários como pára-raios dos descontentamentos, outros porque são inofensivos.
Diz o radical: A Maçonaria, a Opus Dei e outras sociedades secretas, quando existem em democracia só podem ser associações de malfeitores. Não é possível que pessoas adultas ainda acreditem no Pai Natal, que gente racional alinhe nessas baboseiras doutrinárias e que quem tenha um mínimo de inteligência participe em cerimónias exotéricas de aventalinho. Portanto, a única explicação para fazer parte dessas organizações é a constituição de grupos de predação sobre a sociedade, o que é característico de todas as máfias.
Diz o político no governo: Se não empreendem nem conseguem emprego, para os mais audazes resta sempre partir. Nos anos sessenta do século passado partiram para o estrangeiro à procura duma vida melhor, sobretudo os camponeses e outros trabalhadores pouco especializados, que eram explorados aqui e que continuaram a ser explorados nos países para onde partiram. Mas que mandavam as economias para casa... Cinquenta anos depois, são agora os melhores e mais bem preparados que estão a partir, deixando para trás os acomodados, os velhos e os subsidiados. O país só pode sobreviver com a exportação, seja ela qual for...
Diz o político da oposição: Esta diminuição da vitalidade do país tem como consequência a degradação da prática da liberdade em democracia. Quando eu estiver no governo acabo com a austeridade, com o desemprego, com a inflação, com tudo aquilo com que os eleitores estão descontentes. Não sei como vou cumprir estas promessas, não sei onde vou buscar o dinheiro, depois logo se vê, a culpa será sempre do governo anterior, o importante é que estes saiam do poleiro para eu ir para lá.
Diz o comunista: O estado tem que garantir trabalho a todos os trabalhadores, não se admite que o desemprego continue a subir. O estado tem que controlar todas as empresas públicas e não pode privatizar nada daquilo que pertence a todos os portugueses, os bancos, a energia, a água, os transportes e outras coisas de que não me estou a lembrar agora. De qualquer forma, é tudo culpa do governo.
Diz o sindicalista: O estado tem que subir o salário mínimo, assim como as pensões. Os patrões têm que garantir salários decentes e não podem despedir trabalhadores que precisam de segurança no trabalho. Se há crise é culpa dos ricos que devem pagar a crise. O governo diz que não há dinheiro, mas há sempre dinheiro para os bancos. Queremos justiça social e para isso é preciso que todos os portugueses participem na próxima greve geral, a maior que alguma vez houve em Portugal.
Diz o “bloquista de esquerda”: Este governo não sabe o que anda a fazer e o anterior também não. O país está em crise, a dívida externa é insuportável, a austeridade é insuportável, a troika é insuportável, o desemprego é insuportável, a pobreza é insuportável. A propósito, o governo anterior ao anterior também era insuportável e não sabia o que andava a fazer. E nunca me vou calar porque é preciso que alguém diga a verdade aos portugueses.
Diz o cidadão português: Eles são todos insuportáveis e não sabem o que dizem. Se soubessem estavam calados...
JSR