"The Toll Gate" by Cornelius Krieghoff |
Published 2/02/2012 by "Jornal do Fundão".
A introdução de portagens electrónicas nas auto estradas Sem Custo para o UTilizador é, além dum contra-senso, um monumento à imprevidência financeira, à ignorância económica e à miopia política.
A introdução de portagens electrónicas nas auto estradas Sem Custo para o UTilizador é, além dum contra-senso, um monumento à imprevidência financeira, à ignorância económica e à miopia política.
A intenção original era boa, desencravar o interior do país com uma rede de auto estradas. Mas de boas intenções está o inferno cheio. E então a indispensável concorrência do caminho de ferro? Antes das auto estradas, levava-se sensivelmente o mesmo tempo numa viagem de carro por caminhos de cabras glorificados com o nome de estradas nacionais, ou pelo caminho de ferro lento e desconfortável. Num caso como noutro, de Lisboa às Beiras era um dia de viagem, com paragens frequentes e uma média de 50 a 60 km hora. A rede de transportes era má, atrasada e resultou na desertificação do interior, onde não havia progresso porque ninguém se arriscava a investir.
A solidariedade europeia e nacional custeou o investimento nas infra-estruturas, mas porquê apostar tudo nas estradas e porque não foram melhoradas de forma semelhante as linhas férreas? Como em tudo o que é concessionado, porque não foram imediatamente cobradas portagens, mesmo simbólicas, mas sempre preferíveis porque o custo é reconhecido e amortizado sobre um período mais longo? Mudar agora de ideias é de uma falta de visão política, económica e estratégica de fazer desanimar qualquer um. Quando se faz uma asneira, primeiro assume-se e depois analisa-se bem como corrigi-la sem que a emenda seja pior do que o soneto.
É precisamente isso que está a acontecer. O que em teoria era uma ideia brilhante, na prática revelou-se ser uma forma conveniente para alguns malandros com a responsabilidade de defenderem o interesse público, negociarem contratos leoninos para as empresas e em detrimento do Estado, para depois serem descaradamente recompensados com a saída directa das funções públicas para as empresas que tinham favorecido.
Ainda não foram auditados completamente nem renegociados os contratos das parcerias público-privadas. Mas agora, antes (ou em vez?) de corrigir as asneiras anteriores procurando restabelecer a equidade contratual e financeira através de legislação, auditorias e tribunais, passou-se já à parte mais fácil que é taxar o utente indefeso e prejudicar o investidor crédulo. Estas portagens inesperadas são prejudiciais sobretudo para o interior centro do país onde irão agravar a desertificação, pois destruiram a previsibilidade no planeamento de custos das empresas em geral, não só das que contaram com baixos custos de transporte e vêm agora o tapete a ser-lhes tirado debaixo dos pés, ou das rodas, mas também das que poderiam vir a instalar-se e lhes é lembrado que não podem contar com nada de estável, nem custos, nem impostos, nem legislação.
Parece que estas portagens são as mais caras da Europa e, para juntar insulto à injúria, a cobrança electrónica vem aumentar o elemento de estranheza, confusão e incómodo que afastarão o turismo para outras paragens. Tantas declarações acerca da importância do turismo e agora, nem os estalajadeiros e o seu pessoal escapam. Sucessivas campanhas de publicidade, investimentos públicos e privados estão a ser destruídos pelas notícias na internet onde as redes sociais dão conta da aberração da cobrança electrónica em termos sarcásticos e agressivos. Os resultados estão já a ver-se nos cancelamentos e nos desvios para outras paragens menos complicadas e mais acolhedoras. As campanhas de publicidade e anos de trabalho foram destruídos para sempre, porque os comentários e queixas na internet nunca mais se apagam.
Dizem que parece anedota, mas não tem graça nenhuma que se acabe com o turismo estrangeiro rodoviário no interior, porque só os masoquistas se sujeitam às incongruências da instalação dum sistema complicado para o utilizador pagante, tecnologicamente despropositado em zonas maioritariamente rurais. Cobram-se uns milhões em portagens, mas quanto se perde em receitas de turistas estrangeiros? Turistas que faziam funcionar pequenas e médias empresas que eram o balão de oxigénio para o emprego em localidades onde muitas vezes não há outras ocupações. Hotéis, restaurantes, unidades de turismo de habitação e rural, assim como toda a cadeia de fornecedores que disso dependem.
Analisemos por um momento a perplexidade dos automobilistas estrangeiros que entram desprevenidos em Portugal e se deparam com a multiplicidade de placas indicando que têm que pagar uns quantos euros de espaço a espaço. Uma espécie de mealheiro irritante e incompreensível. Muitos esperam até encontrar um stand de portagens, mas só encontram um já de outra auto estrada e esquecem o assunto. Outros percebem a diferença e quererão pagar, mas como? Parar numa estação de serviço só serve para lhes impingirem um dispositivo temporário de três ou cinco dias, que em muitos casos já não cobre a viagem de volta. Pedir explicações é igual a falar com uma parede.
Os visitantes frequentes, entre os quais os portugueses emigrados, telefonam para as entidades indicadas pelos media como responsáveis ou participantes nesta confusão, ou acedem aos sites respectivos na internet. Assim começa uma viagem à terra de ninguém da burocracia no seu esplendor mais malévolo. As informações são, ou incompreensíveis, ou erradas, ou contraditórias, ou incompletas, ou inexistentes. Passes rasteiros entre as Estradas de Portugal, a Via Verde e os CTT.
Para os persistentes com a sorte de encontrar num balcão alguém que vá confirmar com o superior se é possível fazer o que está no site da internet, que o superior chame o perito em informática porque não sabe como aceder a esta possibilidade no computador, que o perito saiba o que fazer para descobrir esta coisa de que nunca ouviu falar apesar das sessões de formação, o aspirante a utilizador tem que mostrar uma vez e outra as regras que imprimiu por precaução para obter o que pretende, e só depois de hora e meia lá consegue obter um dispositivo.
Mas depois, como aceder à conta de visitante frequente para saber o saldo e como recarregar essa conta? Ah, isso... não seria melhor ver mais tarde, terá que haver com certeza uma actualização nos sites dos CTT, da Via Verde, das Estradas de Portugal, ou... (dizem claramente as expressões acabrunhadas dos que se acumularam do outro lado do balcão) do diabo que carregue quem se lembrou deste sistema?
JSR
Partilho de seu sentimento. No Natal a minha irmã decidiu vir de Inglaterra de carro (a primeira e última vez). Chegada a Chaves começou a ver placas com preços... sem nenhuma indicação de onde pagar. Finalmente entrou na autoestrada - normal! Nunca, em situação alguma, foi informada que tinha de pagar as scut e onde. Quando chegou a Guimarães, perguntou para que serviam as tais placas. Eu disse-lhe que era para pagar.. e depois perguntou onde, quando e como. Fui ver na internet. Afinal não seria tão fácil! Pelos vistos tinha que ter comprado um aparelho à entrada de Portugal. Problema: ninguém sabe disto! E se não pagasse? Por cada passagem teria de pagar multas de 25 a 125 euros... Como? Não se sabe...
ReplyDeleteOlá Sara. Como deve calcular, estes casos têm-se multiplicado e estamos no Inverno. O pior vai ser quando chegarem as férias do Verão. Alguns estrangeiros ouviram falar do assunto e evitam vir, outros chegam desprevenidos e depois não voltam. Quanto aos emigrantes portugueses, estou com curiosidade de ver como vão reagir a este retorno da "highway banditry" de tempos que se julgava passados.
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