Madeiro do Natal |
Os ritmos naturais são as únicas coisas certas de que temos consciência. A sucessão dos dias, dos meses lunares, das estações do ano. A vida e a morte. Neste solstício de Inverno celebra-se o dia mais curto do ciclo anual e consequentemente a noite mais longa. É o fim da agonia do Outono em que a temperatura desce, a flora adormece e a fauna entra no ritmo lento da sobrevivência em período de escassez.
Os solstícios e equinócios são marcos significativos desde que a espécie humana teve consciência da forma repetitiva como mudam as estações, assim mudavam as suas fontes de alimentação e todas as outras necessidades de adaptação para sobreviver. Desde então gravaram-se pedras, pintaram-se caves, ergueram-se megalitos, pirâmides, templos e observatórios espaciais. Sempre com o objectivo de compreender o que nos afecta e conjurar o desconhecido.
O reconhecimento da dependência dos ritmos da natureza é tão inevitável como o nascimento de todos os mitos e superstições que se ligam a estes acontecimentos significativos. A necessidade de pensar, de reflectir, obriga também a encontrar os limites da racionalidade. É nestes limites que se estabelecem as diferenças fundamentais nas capacidades de cada um lidar com a realidade que nos ultrapassa. Uns aceitam que o desconhecido natural se conquista pouco a pouco, outros entregam-se a fantasias de sujeição inevitável a entidades sobrenaturais.
Cada civilização que se sobrepõe às anteriores acrescenta a sua própria camada de crenças, lendas e tradições. No calendário gregoriano ocidental que se tornou o standard de facto em todo o mundo, o Natal foi feito coincidir com as celebrações tradicionais do solstício de inverno. Natal, um nascimento entre os que frequentemente acontecem nove meses depois dos festejos do equinócio da Primavera, quando a natureza desperta, muitas espécies animais acasalam e um novo ciclo anual começa verdadeiramente.
Esse nascimento especial aconteceu há cerca de dois mil anos e teve um impacto insignificante nos seus contemporâneos. Mas depois da sua execução, esse judeu reformista teve uma das melhores public relations virais que o mundo já conheceu, feita sobretudo por Gregos dominados pelo Império Romano, já conhecidos na época como de espírito independente e radicais obstinados...
Mensageiros e cartas transportaram histórias que, como diz o provérbio “quem conta um conto, acrescenta um ponto”, com o tempo se foram tornando cada vez mais fantasiosas, irracionais e destruidoras dos valores imperiais. Exactamente o que conquistou a imaginação dos crédulos, dos ignorantes, dos pobres e dos excluídos, nessa altura como em todas as épocas e em várias partes do mundo.
As diferentes versões de todos estes mitos e lendas acumulados durante civilização após civilização, foram colorindo as realidades naturais imutáveis e assim produziram as ocasiões para algumas das melhores criações espirituais e artísticas da humanidade, mas também as piores tragédias e aberrações.
Para quem viva em paz e tenha o mínimo indispensável, o solstício de inverno é um tempo de esperança. Reúnem-se as famílias para reforçar os laços entre os seus membros, partilhar e transmitir as tradições comuns, manter a memória das raízes. Que importa que a árvore decorada coexista com o presépio, o pai natal com o menino Jesus, o madeiro arda durante a missa do galo, as noites sejam gélidas.
Este ano, os dias trazem ainda um céu azul, o Sol está quente e estamos vivos. No próximo ano, apesar das dificuldades, vem aí a Primavera.
JSR
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