Saturday, December 31, 2011

83 - Voltar a Portugal

Return 1 - Zahi Khamis
Ditoso Camões, que amava a Pátria à qual voltava, apesar desta lhe ser madrasta. O lugar onde se nasce completa a programação dos genes que nos fazem, depois vem a educação e finalmente, se tudo correr pelo melhor, o sentido da responsabilidade individual. Mal vai o país onde os cidadãos não entrem na idade adulta sabendo que têm que o fazer pelo seu pé e viverem a sua vida sem depender das benesses de ninguém.
Estes foram alguns dos pensamentos que preencheram uma noite sem sono durante o último voo de travessia do Atlântico, lendo relatórios sobre as crises internacional e nacional, assim como notícias sobre diversas manifestações e movimentos de “indignados” aqui e acolá. Indignados porque já ninguém aceita levá-los ao colo como crianças dependentes, nem as famílias, nem as empresas, nem os Estados.
Depois de ausências de meses, anos ou décadas, os regressos a esta “ditosa pátria minha amada” são sempre experiências traumáticas, de alguma forma. Voltar primeiro para as reuniões familiares alargadas do Natal ou para umas semanas de férias, representou de cada vez a surpresa e a descoberta duma realidade desconhecida. Voltar depois por uns anos, constituiu uma sucessão de choques contra as paredes de vidro do conformismo com a tradição, da resignação com as superstições, da passividade com as estrituras impostas por um regime autoritário.
A idade adulta trouxe finalmente as asas para voltar a voar para fora e bem acima da cerca. Partir por muito tempo, mas sem nunca perder o contacto. Quem não está contente com a situação em que se encontra, ou muda a situação ou muda-se a si próprio para onde se encontre melhor. Tudo o que pára, estagna e morre. Ao longo de tantos séculos de história, Portugal viu partir os mais descontentes e os mais empreendedores, à custa dos quais viveu os seus raros períodos de prosperidade. Construíram-se impérios comerciais e vieram escravos, especiarias e ouro. Os que ficaram souberam sobretudo esbanjar tudo o que receberam em monumentos à sua vaidade, luxos de importação, conventos onde sobreviveu alguma sabedoria e muita inutilidade, sem nunca serem capazes de fazer frutificar o capital numa economia sustentável.  
Voltar desta vez, talvez a última, tem sido um reencontro progressivo e uma adaptação difícil, onde ainda continua a doer a estranheza de tudo. O principal choque, ao voltar a este pequeno país europeu, é uma confusão mental e física maior do que é aparente em visitas curtas. A confusão mental manifesta-se pela frequente irracionalidade na definição, na avaliação e na resposta às situações, na falta de rigor das alternativas propostas, na má execução dos projectos, na incapacidade de aprender com os erros passados para evitar repeti-los. A confusão física manifesta-se naquilo que aparece como uma casa desarrumada. Leio num jornal que um gestor conhecido e boçal partiu o vidro duma janela do carro ao tentar atirar uma garrafa para a estrada, enquanto conduzia e falava ao telefone... Quantos atentados às leis e quanta falta de educação e civismo se concentram neste gesto.
Por outro lado, este país é um dos raros lugares relativamente civilizados do mundo, onde se pode viver em paz, liberdade e com alguma qualidade de vida, mesmo limitada. Uma democracia razoavelmente funcional, assente numa burguesia minoritária, mas inteligente e instruída, alguns mesmo brilhantes, outros palradores e quezilentos, enquanto que a maioria popular está ainda em vias de desenvolvimento escolar, social e de cidadania. Uma economia liberal, embora a maioria dos empresários continuem dependentes do Estado e dos favores políticos, haja relações incestuosas entre as funções públicas e privadas, a maioria dos empresários e  trabalhadores sejam pouco qualificados, pouco produtivos e em servidão contratual com bancos e programas de subsídios. Um estado providência tentacular, que é a salvação da população mais carenciada, mas com uma burocracia excedentária, com hábitos de favores e corrupção, além de lenta e pouco eficaz.
Um país de pequenos contrastes, que vistos localmente parecem enganadoramente grandes. A crise financeira internacional, a falta de clarividência dos principais responsáveis Europeus e nacionais, a crise da dívida de vários países da zona Euro e particularmente deste, estão a afectar profundamente a cultura do país. A Terceira República começada em Abril de 1974 deu predominância política ao progresso social e de infra-estrutura, sobre a sustentabilidade económica. O consequente desmoronar sob o peso das dívidas, traz agora um recuo significativo de nível de vida para toda a população, que terá que alinhar as suas necessidades bem reais com a reduzida capacidade económica de que o país é capaz.
O principal prazer de voltar a Portugal, é sempre o reencontro com a cultura no seu sentido lato, aquilo que a tradição chama “a alma nacional”. Em Lisboa, na província e mesmo nos que estão no estrangeiro, há uma transversalidade dessa cultura abrangente que transporta consigo cada Português, que é quase sempre reconfortante, mesmo que por vezes possa irritar profundamente. Fado, Fátima e futebol, já mantinham as massas populares numa apatia suficientemente imbecilizante, agora junta-se o triunfo da frivolidade nos media em geral e na televisão em particular, onde concursos, telenovelas, astrologias e outro lixo, são debitados até ao estado de coma intelectual.
A cultura é decerto ainda maioritariamente conservadora, mas com excepções importantes na literatura, nas artes e nas ciências. Notáveis excepções de mérito individual. A dependência dos subsídios do estado impede a clarificação da qualidade pela sobrevivência dos mais aptos. Como os subsídios dependem do gosto (ou falta dele) de quem toma as decisões, de compadrios e de politiquices, a cultura não vai a lado nenhum que valha a pena por esse caminho. Os artistas dependem historicamente de patronos oficiais ou privados que asseguram a sua sobrevivência, raros são os que dependem apenas do público que aprecia, compra ou assiste à representação das suas obras. A dependência traz sempre compromissos, mas a dependência sem exigência é desmotivadora e aviltante. Considerar a cultura como fazendo parte dos preconceitos ideológicos de redistribuição social, provoca inevitavelmente o abastardamento da qualidade, como se prova uma e outra vez.
Com os novos meios de comunicação dá-se um acesso cada vez maior à informação em qualquer lugar e de onde quer que nos encontremos. A porta da internet permite saber instantaneamente o que se passa do outro lado do mundo, aceder, ver, participar ou comentar. Os acontecimentos são em directo. Vê-se muito melhor um jogo de futebol ou uma Ópera no conforto de casa do que no estádio ou no auditório. Falta a interacção com os outros, os que estão na assistência ou os que estão no terreno ou no palco, mas o calor humano e as multidões tornam-se cada vez mais e para um número cada vez maior de pessoas, inconvenientes e desnecessários.
De tribos de homo sapiens sapiens, a parte da humanidade mais inteligente e cientificamente avançada transforma-se progressivamente em associações de interesses desencarnados num mundo cada vez mais robotizado e mais virtual. Contactamos com a terra, o mar e os animais donde extraímos os alimentos através de máquinas. Deslocamo-nos através doutras máquinas. A saúde depende de sistemas cada vez mais automáticos. Os computadores servem de intermediários para com o governo, a administração, as empresas e os amigos. Até a guerra necessária para nos defendermos dos bárbaros que atacam a nossa civilização racional e frágil, se torna progressivamente dependente do controle das comunicações, da vigilância por satélite, de robots e de drones comandados à distância. Combatemos os bandidos das nove às cinco, diante dum écran de onde se comanda o bombardeamento dos terroristas e o ataque aos extremistas.
Voltar a Portugal e continuar ligado ao mundo exterior já não é uma singularidade ou um desafio, é um estado comum para muitos, mas não para todos. Esta divisão acontece em cada povoação, cada cidade, cada país, cada continente. Pode ser maior a distância de interesses e conhecimentos entre dois vizinhos da mesma rua do que entra dois amigos no Facebook situados nos antípodas um do outro. É neste mundo desconstruído que vivemos. Esbate-se a solidariedade social, ignoram-se os interesses comuns, desaparece a democracia onde tenha conseguido florescer, aumenta a insegurança. Cresce o tribalismo nacional, a criminalidade transnacional, as máfias em simbiose com regimes autoritários, a mediocridade política nacional e internacional.
“Não me tapes o Sol”, conta a lenda que disse Diógenes a Alexandre. Não nos tapem o Sol com uma peneira, dizemos nós aos aprendizes de feiticeiro que não ousam atacar os problemas de frente, as sucessivas crises políticas, económicas e sociais dos lugares onde vivemos. Na realidade, tanto o fracasso como o sucesso resultam da acção e podem sempre ser revertidos. A verdadeira derrota é a irrelevância, o navio parado no meio do oceano sem velas e sem motor. O acumular de incompetências e desvarios a que ninguém presta a devida atenção durante muito tempo e que de repente se pode revelar um buraco negro onde tudo desaparece.
Aqui estamos neste fim do ano de 2011, à beira do abismo financeiro, económico, social e político. Em Portugal, como em outros países, ouvem-se as vozes irresponsáveis vindas da Europa e da América, insistindo em que é preciso e urgente dar um passo em frente. É preciso resistir, mas para resistir é preciso saber como, o que obviamente nem todos sabem.
Este é o último post deste ano, com desejos sinceros que 2012 seja um ano melhor.
JSR

Tuesday, December 27, 2011

82 - Letters to my American Grandson (2)

Giotto's Nativity
2 - Christmas and the Winter Solstice

Family reunions are not easy when we are dispersed over such long distances. Sometimes we cannot get together at the traditional occasions, as this year unfortunately, happened for Christmas. With all the development and ease of transportation of our age, it is due to the unchangeable part of human nature that we cannot always be masters of our time. The individual constraints and professional commitments can intrude today, like they always did, in personal choices.
When I had your age, travel required considerable preparation, time and expense. However, we still managed to go back as often as possible to our roots, the place to which the oldest living generation had always returned to reside. At the center of things there were my grand parents, then bound to carry the hereditary responsibility for caring and providing the venue for family reunions. Air travel was still scarce and ocean liners could take weeks to reach destination, but that was the price to pay to have several generations meet, exchange their memories, experiences and views of the world, thus strengthening the extended family ties.
To your grandmother and I, it has now fallen that responsibility. It is with sadness that we spend this period without our children and grandchild, after all those years where we got used to being together. After reaching a certain age, when we look into the future we wonder how many more opportunities will be there to get together, but we know they will be fewer and fewer, thus the sadness.
On the other hand, all this is also normal. As the years go by, in time the children create their own little families and other obligations. As generations follow each other and such patterns are repeated, the important is for each one to find equilibrium, peace and happiness in life.
Since we could not get together, let me tell you in writing instead of in person, about how Christmas was made to coincide with the traditional celebrations of the winter solstice.
The natural rhythms are the only things certain and of which we are aware: the succession of days, the lunar months, the seasons of the year, life and death. At the winter solstice we celebrate the shortest day of the annual cycle and by consequence the longest night. It's the end of the agony of autumn, when the temperature drops, the flora falls asleep and the fauna enters the slow pace of survival in times of scarcity.
The solstices and equinoxes are significant milestones since mankind became conscious of the seasons’ regular return. As they change, so change the sources of food and all the other needs to adapt and survive. Since then, stones have been engraved, the interior of caves painted up, megaliths rose, pyramids, temples and space observatories have been erected. In common, they have the desire to understand what affects us and to conjure up the unknown.
The recognition of being dependent of nature’s rhythms is as inevitable as the appearance of all the myths and superstitions connected to these significant events. The need to think, to understand, also entails finding the limits of our rationality. It is in reaching these limits that are established the fundamental differences in the capabilities of each person to deal with the reality that is beyond our immediate understanding. Some people accept that nature’s unknown is conquered step after step; others indulge in fantasies of inevitable submission to supernatural entities.
Every civilization that overlaps the previous ones, adds its own layer of beliefs, traditions and legends. Christmas marks a special birth among those that frequently occur nine months after the celebrations of the spring equinox, when nature awakens, many animal species mate and a new annual cycle truly begins.
This special birth happened about two thousand years ago and had a negligible impact on his contemporaries. But after his execution, Jesus’ ideas had the best viral public relations that the world has ever known, for which were mainly responsible some of the Greeks absorbed by the Roman Empire, Greeks already known at the time as independent minded and obstinate radicals...
These myths, legends and their different versions, have accumulated civilization after civilization, colouring the immutable natural realities and thus providing the opportunities to produce both some of the best spiritual and artistic creations of humanity, and also the worst tragedies and aberrations.
For those who are lucky enough to live in peace and have at least the bare minimum of material possessions, the winter solstice is a time of hope. The families get together to strengthen the ties among its members, share common traditions and keep the memory of their roots. It does not matter if the decorated tree coexists with the nativity scene, Santa with the child Jesus, the pagan bonfire burns during the midnight mass and the nights are frigid.
This year, the days still bring a blue sky, the sun is warm and we are alive. Next year, despite the world’s many difficulties, the spring season is definitely coming again.
JSR

Thursday, December 22, 2011

81 - Solstício de Inverno

Madeiro do Natal
Os ritmos naturais são as únicas coisas certas de que temos consciência. A sucessão dos dias, dos meses lunares, das estações do ano. A vida e a morte. Neste solstício de Inverno celebra-se o dia mais curto do ciclo anual e consequentemente a noite mais longa. É o fim da agonia do Outono em que a temperatura desce, a flora adormece e a fauna entra no ritmo lento da sobrevivência em período de escassez.
Os solstícios e equinócios são marcos significativos desde que a espécie humana teve consciência da forma repetitiva como mudam as estações, assim mudavam as suas fontes de alimentação e todas as outras necessidades de adaptação para sobreviver. Desde então gravaram-se pedras, pintaram-se caves, ergueram-se megalitos, pirâmides, templos e observatórios espaciais. Sempre com o objectivo de compreender o que nos afecta e conjurar o desconhecido.
O reconhecimento da dependência dos ritmos da natureza é tão inevitável como o nascimento de todos os mitos e superstições que se ligam a estes acontecimentos significativos. A necessidade de pensar, de reflectir, obriga também a encontrar os limites da racionalidade. É nestes limites que se estabelecem as diferenças fundamentais nas capacidades de cada um lidar com a realidade que nos ultrapassa. Uns aceitam que o desconhecido natural se conquista pouco a pouco, outros entregam-se a fantasias de sujeição inevitável a entidades sobrenaturais.
Cada civilização que se sobrepõe às anteriores acrescenta a sua própria camada de crenças, lendas e tradições. No calendário gregoriano ocidental que se tornou o standard de facto em todo o mundo, o Natal foi feito coincidir com as celebrações tradicionais do solstício de inverno. Natal, um nascimento entre os que frequentemente acontecem nove meses depois dos festejos do equinócio da Primavera, quando a natureza desperta, muitas espécies animais acasalam e um novo ciclo anual começa verdadeiramente.
Esse nascimento especial aconteceu há cerca de dois mil anos e teve um impacto insignificante nos seus contemporâneos. Mas depois da sua execução, esse judeu reformista teve uma das melhores public relations virais que o mundo já conheceu, feita sobretudo por Gregos dominados pelo Império Romano, já conhecidos na época como de espírito independente e radicais obstinados... 
 Mensageiros e cartas transportaram histórias que, como diz o provérbio “quem conta um conto, acrescenta um ponto”, com o tempo se foram tornando cada vez mais fantasiosas, irracionais e destruidoras dos valores imperiais. Exactamente o que conquistou a imaginação dos crédulos, dos ignorantes, dos pobres e dos excluídos, nessa altura como em todas as épocas e em várias partes do mundo.
As diferentes versões de todos estes mitos e lendas acumulados durante civilização após civilização, foram colorindo as realidades naturais imutáveis e assim produziram as ocasiões para algumas das melhores criações espirituais e artísticas da humanidade, mas também as piores tragédias e aberrações.
Para quem viva em paz e tenha o mínimo indispensável, o solstício de inverno é um tempo de esperança. Reúnem-se as famílias para reforçar os laços entre os seus membros, partilhar e transmitir as tradições comuns, manter a memória das raízes. Que importa que a árvore decorada coexista com o presépio, o pai natal com o menino Jesus, o madeiro arda durante a missa do galo, as noites sejam gélidas.
Este ano, os dias trazem ainda um céu azul, o Sol está quente e estamos vivos. No próximo ano, apesar das dificuldades, vem aí a Primavera.
JSR

Saturday, December 17, 2011

80 - "Fog in Channel, Continent Cut Off”, Mr. Cameron

Cameron Pis ?
“Há nevoeiro no canal, o continente está isolado”... Conta-se que entre as duas grandes guerras europeias do século XX, a expressão era corrente nos boletins meteorológicos ingleses e assim devidamente noticiada pelos jornais.
Mais do que o chauvinismo tradicional e um estado de espírito, isto significa uma auto confiança com raízes testadas pelos factos. Uma sociedade profundamente conservadora precisa de tempo para evoluir e para ser convencida das vantagens de qualquer mudança.
A Inglaterra esteve contra este ultimo conselho europeu e não concordou com as suas decisões. Não são só os interesses da City of London. É a forma e é o conteúdo do acordo. Não hesitou em ficar só contra todos e se há um país ao qual se deve prestar atenção quando isso acontece, esse país é a Inglaterra. Há suficientes razões históricas, antigas e recentes, para justificar essa precaução.
Quando o Marquês de Pombal escreveu a célebre carta ao governo inglês por causa do incêndio de barcos comerciais franceses que saiam dos portos algarvios, pela armada britânica, começou por lembrar que Portugal podia mudar de alianças. Era o tratado de aliança entre os dois países que permitia excepcionalmente aos barcos comerciais ingleses não serem revistados nas alfandegas ao partirem. Assim, podiam sair com o ouro do Brasil que recebiam em pagamento dos bens manufacturados que traziam, ouro que permitiu a construção dessa mesma armada que assegurava o seu poderio naval no mundo.
Nessa altura, a Inglaterra enviou rapidamente um embaixador carregado de explicações e referências a uma "amizade" tão antiga. O risco de perder um bom negocio valia bem um pedido de desculpas. Mas quando Portugal quis reivindicar o "mapa cor de rosa" em África, já não havia ouro a ganhar, por isso recebeu um ultimato em vez de apoio nas negociações de Berlim. Na última guerra, a Inglaterra resistiu absolutamente só até conseguir arrastar os Americanos para o seu lado. O que não era óbvio e que o resto da Europa esqueceu depressa demais.
O pragmatismo inglês nunca deve ser subestimado, nem a capacidade de defender os seus interesses contra tudo e contra todos. Vale sempre a pena fazer uma pausa para perceber porque o "buldogue" inglês se recusa a avançar, em vez de sucumbir a reacções epidérmicas. Pode ser que, afinal, os nossos interessem coincidam. Pode ser que não.
Nesta ultima cimeira europeia, seguir as elucubrações a dois do Directório germano-francês, necessitava um "leap of faith", uma fé cega que as meias-medidas apresentadas seriam suficientes desta vez para restaurar a credibilidade na zona Euro. Não eram, como os mercados e as agências de rating se apressaram a mostrar logo a seguir. Porém, a maioria dos representantes políticos dos estados membros deixaram-se levar pelo sindroma do rebanho e seguiram quem se apresentou a liderar. As propostas da Comissão eram bem mais racionais, mas foram ignoradas.  
Parece que ao menos um, pelas boas e más razões que evocou ou que lhe atribuíram, foi capaz de dizer "não".

JSR

Friday, December 16, 2011

79 - Es ist spät und wir sind müde, Frau Merkel

Gothic Angels...
Está a ficar tarde e estamos cansados das hesitações da Alemanha. A ultima cimeira europeia é mais um exemplo de temporização, do mínimo avanço possível para salvar o Euro e a União, arrancado pelas circunstâncias, um avanço táctico mas não estratégico.
Desde a reunificação, levou tempo até que a Alemanha assumisse as consequências da sua nova entidade no funcionamento da Europa. Os acordos e tratados davam artificialmente o mesmo peso nas instituições da União aos quatro maiores países, apesar da Alemanha se ter tornado muito maior do que os outros três. Hesitou em aceitar as responsabilidades que vêm naturalmente com o facto de ser o país com maior população, ter a maior economia e ser o maior contribuidor para o orçamento comunitário.
As novas gerações perderam os complexos ligados aos conflitos do século passado, mas os dirigentes políticos continuam a privilegiar o veludo da luva que cobre a mão de ferro. Uma precaução útil, não fosse o facto de agora o fazerem com uma mistura de incompetência e voluntarismo maladroit. Até há pouco tempo, insistiam em passar pelas instituições comuns e criar os consensos possíveis, o que não impediu a persistência em seguir um caminho que leve a modelar uma Europa economicamente germanizada. Agora, passam por cima das instituições para estabelecer acordos políticos inter-estados.
Ao mesmo tempo, a França quis contrabalançar a área de influência germânica com uma área latina, sem ter para isso os meios, sem perder de vista os seus próprios interesses e com uma noção inflacionada da sua importância. Esta suposta direcção bicéfala não engana ninguém e compete com as instituições comunitárias. Serve apenas de relações publicas até às próximas eleições nos dois países que, a não ser que alguma coisa inesperada aconteça, devem ser perdidas em ambos os casos.
Quando um navio perde velocidade no mar, fica sujeito a todos os ventos, todas as correntes, o balançar em todas as ondas. Os problemas acima descritos e muitos outros que naturalmente aparecem, podem ser mais facilmente ultrapassados quando em velocidade de cruzeiro, de preferência para um rumo definido. Neste momento há demasiados capitães num navio em perda de velocidade. O resultado é que as grandes decisões estratégicas para a crise presente e para o futuro, ficam subordinadas às tácticas do pequeno eleitoralismo imediato.
JSR

Tuesday, December 13, 2011

78 - L’Europe en a eu assez de Directoires, Monsieur Sarkozy

Membre du Directoire Exécutif
- James Gillray
A Europa já teve uma história suficiente de Directórios. No caso presente, quando dois grandes países conseguem negociar uma convergência de interesses, a política e a democracia acabam subordinadas a teorias económicas já bolorentas. A França cede em quase toda a linha aos fantasmas alemães dos períodos de hiperinflação, em troca duma representação teatral de co-liderança para tentar esconder as suas próprias fragilidades.
A irritação provocada pelos parcos resultados deste último Conselho Europeu encontra uma possível escapatória na reflexão sobre os mitos fundadores da União, entre eles a suposta igualdade dos cidadãos em democracia e entre os estados no direito internacional. Uma falácia em ambos os casos.
Igualdade traduz-se, para os membros duma comunidade, pela posse e exercício dos mesmos direitos e deveres, sociais e políticos, numa democracia, o governo do povo pelo povo (ou através dos seus representantes, por ele eleitos). Porém, a experiência mostra que, mesmo partindo dum nivelamento revolucionário e compulsivo, acaba sempre por se desenvolver uma pequena classe de cidadãos “mais iguais” do que todos os outros.
Para os estados a igualdade é uma ficção baseada no respeito que devem merecer todas as soberanias na sua auto-determinação (supostamente sem interferências exteriores) e na participação voluntária em alianças e tratados. Todavia, o nível de desenvolvimento, a acumulação de riqueza, o peso da população e outros factores, entre os quais a firmeza e capacidade na gestão do estado, torna o peso das nações profundamente desigual nas suas relações.
Neste momento de necessidade e crise europeia, só o avanço rápido para o reforço ou criação de instituições federais, pode salvar do colapso o projecto de união progressiva de países tão desiguais. Também, só assim será possível preservar o exercício democrático dos cidadãos nos destinos da União, através de decisões tomadas pelos seus representantes eleitos para essas instituições e não por Directórios de circunstância.
JSR

Saturday, December 10, 2011

77 - Geo-estratégia, o xadrez dos reis

Life Chess - Shigolev Oleg
A União Europeia está sem rei nem roque. O directório ad-hoc germano-francês duplica, interfere e sobrepõe-se às responsabilidades executivas da Comissão e legislativas do Parlamento.
Apesar de todos os protestos em contrário, a União já avança a velocidades diferentes. Tem-se progressivamente dividido em grupos, união aduaneira para todos, directivas comunitárias com excepções para alguns, união monetária para 17, espaço de livre movimento para além das fronteiras da União. Tem sido incapaz de progredir de forma significativa no estabelecimento de políticas comuns nas áreas financeiras, fiscais, económicas e de relações internacionais.
Vários dos seus membros pretendem e por vezes conseguem, conduzir políticas de protecção dos seus interesses individuais acima dos interesses da União. Acontece em todas as áreas e para obter consensos, e também por falta de alternativas, ocasionalmente arrastam a maioria dos outros em acordos mal equilibrados.
Para resolver a crise presente, é obvio que é necessário estabelecer imediatamente o suporte das dívidas soberanas nos mercados pelo Banco Central Europeu e a termo uma união fiscal e eurobonds. Estes últimos  conselhos europeus, com muita parra e pouca uva, têm a eficácia duma dança da chuva tribal. Porquê?
Porque ninguém quer assumir as verdadeiras razões da desconfiança dos países do Norte em relação ao Sul. Não são tanto os desequilíbrios orçamentais e o aumento galopante das dívidas, mas o que está por detrás disso, a corrupção nos contratos com o estado, as máfias subvertendo a economia de regiões inteiras, a Grécia, Chipre, o Sul e ilhas da Itália, da França, da Espanha e de Portugal. Basta ler os jornais e os relatórios dos Tribunais de Contas. Basta assistir à ineficácia da justiça e às complacências dos que fazem da política trampolim para o outro lado da barricada.
Os países “virtuosos”, e é preciso perceber as razões desta auto-denominação nem sempre merecida, querem ter a certeza que os outros se “reformam”, antes de aceitarem ser seus fiadores. E assim o tempo vai passando, de pequenos passos e grandes promessas, até que um dia destes não resta nada para reformar.
Sem uma estratégia de desenvolvimento comum que se veja, a tentação é sempre grande para os “aprendizes de feiticeiro” europeus de jogar o xadrez dos reis para disfarçar as profundas deficiências internas. Quando a estratégia é confusa, as decisões nunca são suficientes para resolver os problemas que ocorrem, quanto mais uma crise financeira de confiança. Sem um Presidente eleito por todos os europeus e sem um governo federal eleito pelo Parlamento, a Europa não terá nunca um peso geo-estratégico que valha, nem nas decisões internas, nem nas relações internacionais, sejam financeiras, económicas ou políticas.
A União Europeia tem o peso económico dum gigante, mas uma capacidade de projectar poder militar apenas média e um protagonismo político atrofiado. O total é muito inferior à soma das partes. Pior que tudo, está a ficar cada vez menos democrática.
JSR

Thursday, December 1, 2011

76 - O Rapto da Europa

Polonia Restituta
 (Odrodzenia Polski)
A Europa (o que significa hoje, por ordem de importância: a zona euro, a União Europeia e todos os países que constituem esta civilização coerente), está nesta altura entregue a uma geração política medíocre. Mais de meio século de progresso conquistado com inteligência, perseverança e trabalho árduo estão em risco grave de se perder.
A necessidade aguça o engenho, tanto como a facilidade provoca a complacência.
As provações da última guerra criaram uma geração motivada para o pragmatismo e dirigentes políticos tendencialmente escolhidos pelo mérito. As instituições nacionais e supranacionais que criaram desde então asseguraram um longo período de prosperidade e progresso.
A geração seguinte habituou-se ao aumento progressivo do nível de vida como um direito adquirido e a escolher dirigentes que se assemelham cada vez mais à maioria dos cidadãos que os elegem, políticos sem capacidade de liderar, preocupados em reflectir os sentimentos de populações cada vez mais frívolas e egoístas, mas ainda assustadoramente crédulas. Chega-se assim aos limites de eficiência da democracia e à beira do abismo.
No meio desta competição de... incompetências, detectam-se algumas vozes racionais e corajosas. Vale a pena salientar o discurso feito em Berlim a 28 de Novembro, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, Radoslaw Sikorski, e ao qual não foi dada toda a importância que merece.
Sikorski, com o peso histórico dum país várias vezes esmagado entre os expansionismos da Alemanha e da Rússia, foi a Berlim dizer claramente verdades como punhos, incluindo o facto de que neste momento teme mais a inactividade da Alemanha, que pode causar uma crise de proporções apocalípticas, do que a sua “actividade” passada.
Começou por lembrar as causas e os culpados do desmembramento da antiga Jugoslávia e da guerra que se seguiu, como exemplo do que pode acontecer à Europa se esta crise da união monetária não for resolvida rapidamente e bem.
Citou Kant para sublinhar a importância moral do dinheiro nas relações entre os indivíduos e entre as nações, a honestidade e a responsabilidade nas suas transacções como fundações de qualquer ordem moral. Para a União Europeia, a responsabilidade e a solidariedade são imperativos categóricos, a responsabilidade pelas decisões e a solidariedade nas dificuldades.
Num ataque frontal às responsabilidade da Alemanha nesta crise, uma crise de confiança, lembrou que o Pacto de Estabilidade já foi quebrado 60 vezes e não só pelos países pequenos em dificuldades, começou logo pelos países fundadores, incluindo a Alemanha.
A escolha agora é entre uma integração mais profunda ou o colapso. A integração significa estabelecer imediatamente um verdadeiro Banco Central e uma federação fiscal, assim como aceitar futuramente a eleição directa dum Presidente Europeu e de listas pan-europeias para o Parlamento.
Nem a Inglaterra escapou a um puxão de orelhas: Se não se querem juntar a nós, saiam do caminho. E comecem por explicar ao povo que as decisões europeias não são diktats de Bruxelas, mas o resultado de acordos nos quais participam livremente.
Lembrou aos seus anfitriões que a Alemanha é o maior beneficiário dos presentes acordos e portanto quem tem a maior obrigação de os apoiar. Que o maior perigo para a segurança e prosperidade da Polónia (como para o resto da Europa) não são as ameaças exteriores (terrorismo, mísseis russos, etc.), mas o colapso da zona euro à qual o seu país se espera juntar em breve, um sinal de confiança.
Concluiu dizendo que estamos à beira dum precipício e a Alemanha é a nação indispensável para liderar, mas não dominar, a Europa. Uma missão histórica para a reforma e a salvação da zona euro, na qual não pode falhar. Tal como ele é o primeiro membro dum governo na história da Polónia, a afirmar que teme menos o poder alemão do que a sua inactividade.
As gerações futuras julgar-nos-ão pela nossa responsabilidade no que fizermos agora, ou deixarmos de fazer.
JSR