Chronos & Rhea |
1 - Timeo Danaos...
Desde que o primeiro ministro grego anunciou que ia apresentar a referendo o último programa de ajuda financeira, acabado de negociar com o directório Franco-Alemão e o FMI (programa permitindo um perdão de 50% da dívida e uma gestão relativamente ordenada da falência da Grécia), que alguns têm considerado a entrada desse país na zona Euro como uma metáfora do cavalo de Tróia. Comparação demasiado fácil. Desses versos da Eneida de Virgílio vem também o aforismo “Timeo Danaos et dona ferentes” (temo os Gregos mesmo quando trazem presentes), que ignora igualmente a opinião dos próprios gregos sobre os assuntos de que são protagonistas.
Na realidade, a chantagem do referendo foi mais uma jogada desesperada de política interna, embora se revelasse rapidamente uma jogada a mais no presente xadrez estratégico europeu. O choque perigoso de duas fragilidades.
A Grécia entrou na Europa e na zona Euro mercê de vários erros de voluntarismo optimista. A primeira foi a ilusão de que um país que foi província otomana durante tantos séculos, teria ainda as hipotéticas qualidades que fizeram o berço da nossa civilização europeia comum. A segunda foi o esquecimento selectivo de que dessas qualidades nunca fez parte a capacidade de cooperação duradoura entre as cidades-estado para o bem comum. A última foi o desplante levantino na enorme falsificação das contas, no desrespeito dos tratados e acordos, que nenhum governo pode ou quer cumprir, enquanto o país for governado por tribos de oligarcas habituados a estar acima das leis, onde o pagamento de impostos é a excepção dos desprotegidos e o bem público não é considerado dever fundamental do Estado.
Papandreou pediu mais uma ajuda à União, para um país que se desmorona sob o peso da dívida e com uma população amotinada que só piora a situação. Obteve no último acordo mais uma redução dessa dívida, redução que embora seja considerada excessiva pelos credores, na realidade não resolve nada, pois o país nem com o perdão da totalidade da dívida se conseguirá tornar economicamente viável sem vários outros tipos de ajuda externa.
A Comissão Europeia lançou agora mais um ultimato, ou a Grécia se reforma e cumpre as regras aceites nos tratados e nos acordos, ou é expulsa da zona Euro e possivelmente da União. Uma imposição da disciplina indispensável, mas também uma chantagem e um insulto, sob a forma duma “supervisão permanente” que implica uma perda de soberania. Daí este primeiro acto dum drama inevitável.
Para quem não se tenha dado conta, uma acção inesperada e dramática era necessária para determinar se os gregos, para serem salvos de si próprios, aceitam ser governados como um protectorado pelos procônsules da União e por um período indeterminado, ou se preferem descer aos infernos da miséria e da desordem social. A União Europeia e os Estados Unidos já decidiram nas margens do G20 que tal não será permitido, por isso os outros actos deste drama obedecerão às boas regras do teatro internacional.
Uma analogia mais apropriada a esta situação seria a de Chronos, o deus criador do tempo, deus comum a todas as mitologias mediterrânicas, o tempo ao qual é impossível fugir e pelo qual os gregos, como todos os seus outros filhos, acabam por ser devorados mais cedo ou mais tarde.
(continua)
(continua)
JSR
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