Nabucco's spaceship |
(O disco voador do Nabucco aterrou a 5 de Outubro... e partiu com o Steve Jobs)
Às 3:21 da madrugada (hora de Nova York) no dia 5 de Outubro, fui acordado pelo iPhone com uma mensagem na qual um amigo de Bruxelas exprimia os seus arroubos republicanos: “E viva a República! Viva a República Portuguesa! Abaixo o anacronismo ridículo das monarquias! XXXX, residente há 45 anos numa monarquia...” Cento e um anos depois e não posso dormir descansado.
Durante o pequeno almoço, ao ler/ver as notícias no iPad, foi chegar aos media portugueses e ser invadido pela “cinco-outubrite” nacional: o discurso do Presidente da República e alguns comentários xexés sobre o mesmo assunto.
Subitamente, o Facebook invadiu o ecrã (como é que esses malandros conseguem fazer isso?) e, ao passar os olhos pelos posts, descubro que uma amiga se declara a favor duma monarquia constitucional, entre outras razões porque “o D. Duarte é um fofo”...
Mais tarde, ao trabalhar no meu MacBook (o iMac é pouco portátil...) soube da morte de Steve Jobs, um dos raros inovadores que tiveram a capacidade de mudar efectivamente os parâmetros do mundo em que vivemos. A tecnologia interage cada vez mais com a maioria das pessoas e muda a forma como se pensa o futuro. É como exemplo dessa influência e como homenagem, que aqui menciono todos os aparelhos da Apple que fazem parte dos meus dias.
Por coincidência, foi dia do “Nabucco” de Verdi no Met, com Maria Guleghina. Sim, a Opera do “Va, pensiero”, o coro dos escravos.
Nada a ver com as trapalhadas da implantação da República em Portugal, à primeira vista. A contemporaneidade de Verdi com a unificação italiana fez com que algumas das suas obras servissem de inspiração ao movimento e particularmente essa obra coral. O que é estranho, se se pensar racionalmente, pois esse anseio de liberdade dos escravos israelitas é usado para promover a unificação italiana subordinada a um rei...
Escrevi “à primeira vista”, porque durante o espectáculo, de execução relativamente banal diga-se de passagem (excepto algumas árias cantadas de forma mais dramática), o pensamento vagueou para o que há de constante na “anima” latina: o drama, o exagero, o egoísmo, as lutas fratricidas, a improvisação, as mudanças súbitas de opinião, os entusiasmos irracionais. Mas também a teimosia que pode ser perseverança, a capacidade de sacrifício por um objectivo em que se acredita, o sentido da grandeza, a criatividade e a virtuosidade que nascem da desordem. Os gregos condensaram estas características de todos os povos mediterrânicos que os precederam e passaram-nas aos romanos, que criaram a matriz da civilização europeia.
Ainda hoje somos nós que neles nos revemos, por contraste com os europeus do Norte que sempre tiveram que poupar ajuizadamente para sobreviverem ao Inverno. Os povos do Sul, pródigos e irrealistas, querem tudo e já, enquanto o Sol brilha, inventam deuses à sua medida para os tirarem de apertos quando precisam e a quem culparem quando morrem por imprevidência.
Quando chegou o “Vá, pensiero”, uma das várias orações espalhadas pela obra, o impacto visual foi... “weird”, estranho e bizarro não traduzem bem o carácter surrealista da coisa. O cenário oval, montado na máquina rotativa, parecia um disco voador. O coro do Met até é bom, mas ouvir as palavras inspiradas do salmo “Junto aos rios de Babilónia” vindas dum grupo encavalitado nos diferentes compartimentos duma nave espacial foi um momento único, alguns diriam sobrenatural...
Quando o cenário rodou, deixando as margens do Eufrates, espero que a nave espacial tenha levado Jobs para um paraíso tecnológico de ficção científica, melhor do que este imaginado pelo cenarista do Met.
JSR
Bela performance conseguir estabelecer um fio condutor entre o 5 de Outubro republicano, o Nabucco de Giuseppe Verdi e a aterragem de Steve Jobs...
ReplyDeleteCaro José Manuel, obrigado pelo comentário. Não posso dizer "it's all in a day's work" (nada de especial), como deveria, porque é óbvio que foi um dia diferente e escrever o post um exercício de estilo. Segundo um outro comentário que recebi, estilo surrealista...
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