Jean-Michel Folon - Wings |
Ao voltar agora a Portugal, esperava-me logo de entrada uma constatação encorajadora, que o desejo de cultura é resiliente aos tempos de crise e que essa aspiração é transversal das capitais do mundo às terras de província no interior do país.
Mas primeiro houve a descompressão, que só pode acontecer numa passagem gradual por pontos intermédios. Deixar progressivamente para traz as discussões intermináveis dos grandes bonzos da política, da economia e das finanças, sobrevoar os problemas artificiais do Euro e a falência bem real dos Estados fantasistas, para voltar a uma aldeia com cerca de trezentos habitantes permanentes.
Em dias normais, passam uma pessoa, um carro ou um grupo de turistas de vez em quando, juntam-se uma dúzia de habitantes no Centro de Dia, quando abre o Posto Médico ou nas reuniões da Junta de Freguesia. De noite, a princípio custa a adormecer com o silêncio, quebrado apenas pelo bater tranquilizante das horas na torre do Castelo ou pelos rouxinóis que cantam nas tílias do Largo.
Trezentos habitantes... menos do que um arranha-céus de apartamentos na Quinta Avenida, cujos habitantes têm em conjunto um rendimento decerto superior ao de muitos concelhos. Tudo é relativo, como dizia o motorista do táxi em Lisboa quando perguntou donde vínhamos. “lá fora podem ser ricos, mas não foram à praia ontem como eu...”.
Tudo é relativo, claro. Nova York tem tudo, mas não tem as meninas do Posto de Turismo desta aldeia na Beira Interior. Quando as burocracias, a incompetência e a mesquinhez local faziam desesperar da ideia peregrina de restaurar o Solar, no Posto de Turismo mesmo ao lado havia sempre uma palavra calorosa de boas-vindas. Um pólo de vida num lugar envelhecido e desertificado.
Nos intervalos das visitas dos turistas, a Vera, sempre sorridente e coquette, estava frequentemente sentada ao computador (sem internet, eu perguntei...) a escrever. Um dia soube que escrevia poemas e também as histórias tradicionais da região que lhe contavam os habitantes mais velhos da aldeia. Publicou agora o seu primeiro livro de poesia, “Palavras Nunca Ditas”.
Apropriadamente, foi apresentado na Biblioteca Eugénio de Andrade, dedicada a este poeta natural do concelho. Espero que seja apenas o primeiro livro e que outros se sigam, para manter a cadeia de pessoas de espírito através de continentes e países que nos une a todos, onde quer que nos encontremos, de Nova York à Beira Interior.
Qualquer que seja o seu talento, o seu mérito e a sua notoriedade, são todas estas pessoas que nos separam do materialismo asfixiante e da frivolidade coscuvilheira em que temos que viver. São elas também que nos defendem do desespero e do egoísmo, durante os tempos difíceis das crises que sempre se sucedem e às quais é preciso saber sobreviver.
JSR