Branca de Neve e os mais de Setenta Anões... |
Acabaram as maratonas das reuniões anuais das Nações Unidas primeiro e do FMI/Banco Mundial logo a seguir. Muito espectáculo e muito alarido sempre fizeram parte dos aspectos visíveis das relações internacionais. Aceitar uma realidade virtual nestas circunstâncias, incluindo um falso optimismo “de rigueur”, contribui para dissimular as situações desagradáveis até que algumas condições para a sua solução possam amadurecer.
Em Nova York, os Palestinianos pediram nas Nações Unidas o reconhecimento do seu país como estado independente. Só pode ser um país virtual. Porque não existem nem estado, nem território ou fronteiras reconhecidos, nem população definida, nem autoridade política consensual, nem economia viável.
Existem sonhos controversos, inspirados por “djinns” que confundem desejos e realidades. Existem territórios dispersos em Gaza e na Cisjordânia, esta última progressivamente ocupada por colonatos numa política de facto consumado, com acessos controlados por Israel e pelo Egipto. Existem populações divididas que vivem de contribuições de países estrangeiros, sobretudo europeus (que podem pagar cada vez menos), dominadas por milícias armadas controladas por outros países estrangeiros (extremistas que perturbam cada vez mais). A emigração de há muito levou os melhores quadros e continua a levar a maioria dos poucos que vão aparecendo. Uma terra mitológica disputada há milénios por tribos vingativas que se alimentam de mitos e superstições, que não conseguem esquecer o passado, que não reconhecem a realidade do presente e que não sabem preparar o futuro.
As Nações Unidas foram criadas para que os povos tivessem um lugar formal onde se encontrarem e assim se conhecerem melhor, onde pudessem negociar as disputas em vez de fazerem a guerra. A razão principal para o seu pouco sucesso, é que há povos que quanto mais se conhecem mais se detestam e que só falam uns com os outros quando não podem (ou não os deixam) destruir-se mutuamente.
Em Washington, o Presidente do Banco Mundial e a Directora Executiva do Fundo Monetário apresentaram os relatórios preparados pelos especialistas das suas instituições sobre o (mau) estado do desenvolvimento do mundo e a (arrastada) crise económica e financeira, assim como sobre as medidas que deveriam ser tomadas para que estas situações não piorem e se possível melhorem.
Como de costume, poucos foram os que realmente os ouviram e lhes deram atenção. Ainda menos os que, tendo concordado, tencionam agir em consequência. Muitos dos participantes estão preocupados sobretudo pelos seus interesses nacionais ou mesmo com a sua sobrevivência política. Como se ouve sempre nos corredores: “Se eu fizer isso que recomendam, para o ano vão ter que explicar ao meu sucessor porque é que não funcionou...”
O mais importante destas reuniões é que se realizem. Não é tanto o que é declarado por uns e por outros, mas o que é sugerido sobre como a situação real é compreendida pelos principais actores (os dirigentes dos países mais importantes), ou o que é deixado transparecer sobre as verdadeiras intenções de cada um.
Estas reuniões servem também de oportunidade para encontros políticos ao mais alto nível, discretos ou objectos de propaganda segundo as necessidades, que de outra forma seriam difíceis ou mesmo impossíveis de conseguir. São estas reuniões de participantes limitados, reuniões dentro das reuniões gerais, que têm maiores probabilidades de acabar por produzir resultados tangíveis.
Entretanto, há a pequena história que se repete e as pequenas histórias ocasionais que enchem os meios de comunicação: os autocratas que aproveitam a imunidade diplomática para branquear dinheiro em grande escala; os sobas que trazem as mulheres e concubinas às compras em sessões privadas; os xeques que renovam ou desenjoam do serralho doméstico; os ditadores que tratam discretamente da saúde, própria e por vezes de opositores, nos dois sentidos opostos do termo; etc.
Várias indústrias florescem à volta das reuniões, criando frequentemente situações tragicómicas, ao pé das quais as aventuras de Strauss-Kahn carecem tanto de importância como de imaginação.
JSR