Monday, September 26, 2011

61 - A Realidade Virtual das Reuniões Anuais

Branca de Neve e os mais de Setenta Anões...
Acabaram as maratonas das reuniões anuais das Nações Unidas primeiro e do FMI/Banco Mundial logo a seguir. Muito espectáculo e muito alarido sempre fizeram parte dos aspectos visíveis das relações internacionais. Aceitar uma realidade virtual nestas circunstâncias, incluindo um falso optimismo “de rigueur”, contribui para dissimular as situações desagradáveis até que algumas condições para a sua solução possam amadurecer.
Em Nova York, os Palestinianos pediram nas Nações Unidas o reconhecimento do seu país como estado independente. Só pode ser um país virtual. Porque não existem nem estado, nem território ou fronteiras reconhecidos, nem população definida, nem autoridade política consensual, nem economia viável.
Existem sonhos controversos, inspirados por “djinns” que confundem desejos e realidades. Existem territórios dispersos em Gaza e na Cisjordânia, esta última progressivamente ocupada por colonatos numa política de facto consumado, com acessos controlados por Israel e pelo Egipto. Existem populações divididas que vivem de contribuições de países estrangeiros, sobretudo europeus (que podem pagar cada vez menos), dominadas por milícias armadas controladas por outros países estrangeiros (extremistas que perturbam cada vez mais). A emigração de há muito levou os melhores quadros e continua a levar a maioria dos poucos que vão aparecendo. Uma terra mitológica disputada há milénios por tribos vingativas que se alimentam de mitos e superstições, que não conseguem esquecer o passado, que não reconhecem a realidade do presente e que não sabem preparar o futuro.
As Nações Unidas foram criadas para que os povos tivessem um lugar formal onde se encontrarem e assim se conhecerem melhor, onde pudessem negociar as disputas em vez de fazerem a guerra. A razão principal para o seu pouco sucesso, é que há povos que quanto mais se conhecem mais se detestam e que só falam uns com os outros quando não podem (ou não os deixam) destruir-se mutuamente.
Em Washington, o Presidente do Banco Mundial e a Directora Executiva do Fundo Monetário apresentaram os relatórios preparados pelos especialistas das suas instituições sobre o (mau) estado do desenvolvimento do mundo e a (arrastada) crise económica e financeira, assim como sobre as medidas que deveriam ser tomadas para que estas situações não piorem e se possível melhorem.
Como de costume, poucos foram os que realmente os ouviram e lhes deram atenção. Ainda menos os que, tendo concordado, tencionam agir em consequência. Muitos dos participantes estão preocupados sobretudo pelos seus interesses nacionais ou mesmo com a sua sobrevivência política. Como se ouve sempre nos corredores: “Se eu fizer isso que recomendam, para o ano vão ter que explicar ao meu sucessor porque é que não funcionou...”
O mais importante destas reuniões é que se realizem. Não é tanto o que é declarado por uns e por outros, mas o que é sugerido sobre como a situação real é compreendida pelos principais actores (os dirigentes dos países mais importantes), ou o que é deixado transparecer sobre as verdadeiras intenções de cada um.
Estas reuniões servem também de oportunidade para encontros políticos ao mais alto nível, discretos ou objectos de propaganda segundo as necessidades, que de outra forma seriam difíceis ou mesmo impossíveis de conseguir. São estas reuniões de participantes limitados, reuniões dentro das reuniões gerais, que têm maiores probabilidades de acabar por produzir resultados tangíveis.
Entretanto, há a pequena história que se repete e as pequenas histórias ocasionais que enchem os meios de comunicação: os autocratas que aproveitam a imunidade diplomática para branquear dinheiro em grande escala; os sobas que trazem as mulheres e concubinas às compras em sessões privadas; os xeques que renovam ou desenjoam do serralho doméstico; os ditadores que tratam discretamente da saúde, própria e por vezes de opositores, nos dois sentidos opostos do termo; etc.
Várias indústrias florescem à volta das reuniões, criando frequentemente situações tragicómicas, ao pé das quais as aventuras de Strauss-Kahn carecem tanto de importância como de imaginação.
JSR

Tuesday, September 20, 2011

60 - Os Cem Dias do Governo

Seven Sages and a Sphere (Roman mosaic)
Published 13/10/2011 by "Jornal do Fundão".
                                                                                 O presente governo de Portugal tomou posse a 21 de Junho 2011. Faz cem dias por agora, um período geralmente aceite como razoável para uma primeira avaliação da capacidade de cumprir as promessas eleitorais e de implementar as medidas correspondentes.  
Esqueçamos todo o barulho de fundo que houve entretanto, das oposições parlamentares, das associações de interesses, dos cidadãos mais afectados pelas primeiras medidas restritivas e obviamente dos media, cujas funções incluem encher tempo e espaço, com mais ou menos responsabilidade social.
Cem dias. O tempo necessário para definir um mandato, o período em estado de graça que deve ser aproveitado para fazer passar a legislação e tomar as decisões mais difíceis e mais controversas. Quais são as avaliações prevalentes sobre a performance do governo de Portugal?
Observando de Washington, neste período de reuniões anuais do Fundo Monetário e do Banco Mundial (a visão de Bruxelas não é muito diferente), há boas e más notícias.
As boas notícias são que os membros da “troika” agradecem aos deuses por lhes ter dado Portugal neste momento. Um país onde a população, os sindicatos e mesmo os pequenos partidos populistas, protestam como é natural contra os sacrifícios impostos pela austeridade que foi aceite como condição dos empréstimos, mas protestam civilizadamente. Um governo sério e sem convulsões na coligação partidária, com técnicos competentes e sem peias ideológicas nos ministérios mais importantes, que cumpre os acordos com as adaptações que considera apropriadas, que está a fazer as reformas que há muito se sabia serem necessárias mas que vinham sendo adiadas sine die. Em resumo, a “troika” pode defender-se dos ataques de quem considera as suas medidas irrealistas, exibindo um país que é tudo o que a Grécia não é.
As más notícias são que os mercados, as agências de avaliação e todos aqueles que sabem ver para além do curto termo, são uns desconfiados sem tempo para discriminações temporárias. Se a Grécia vai à bancarrota, e desde o princípio da crise que é evidente que vai, toda a periferia Sul da zona Euro é suspeita de poder ir também, por arrastamento progressivo. Porque a crise financeira é a parte mais visível mas menos importante do iceberg, com juros menores e mais tempo acaba por ser do interesse tanto dos credores como dos devedores negociar um pagamento parcial. Subjacente está a parte mais perigosa e mais difícil de resolver, a perda da competitividade económica.
Os países da Europa e os Estados Unidos partilham estes mesmos problemas. São economias desenvolvidas que deixaram partir as indústrias mais utilizadoras de mão de obra para as zonas do mundo em desenvolvimento, onde essa mão de obra é mais barata, tem menos exigências e menos custos sociais. São consumidores que se embriagaram com os produtos baratos importados desses mesmos países em desenvolvimento e que aproveitando os juros baixos dos empréstimos se endividaram sem freio. Agora, os governos não sabem o que fazer com as legiões de falidos e desempregados, nem como sobreviver sem o seu consumo e sem os seus impostos, mas com os seus custos de apoios sociais acrescidos.
Como todos os poderosos  e ricos que empobrecem mas não conseguem abdicar dos hábitos de domínio e de esbanjamento, os Estados Unidos sobretudo, mas a Europa também, continuam a tomar sobre si as responsabilidades de segurança e de apoio ao desenvolvimento de regiões do mundo onde há países mais ricos do que eles. Há importantes interesses geoestratégicos em jogo, mas os custos têm que ser mais bem repartidos.
A economia internacional, como a política e o direito, não se jogam em tabuleiros equilibrados. São o domínio das circunstâncias em mutação.
De qualquer forma, é ridículo ter considerado até recentemente a China um país subdesenvolvido, recebendo todos os tratamentos preferenciais inerentes a essa classificação, quando já prosseguia um programa de exploração espacial, ou aceitar agora que mantenha o valor da moeda artificialmente baixo como subsídio às exportações, para depois utilizar os excedentes financeiros como armas de guerra económica.
Na Rússia, como na China, os sucedâneos dos partidos “comunistas” apropriaram-se de todos os recurso do Estado e estão cada vez mais ricos, mantendo a população pobre e explorada. Outros regimes autoritários no Médio Oriente produtor de petróleo, onde antigos chefes tribais se apropriaram dos recursos naturais comuns para exclusivo proveito próprio, são factores explosivos de instabilidade social e económica. Como se viu com a invasão do Kuwait pelo Iraque e se continuará a assistir com as revoltas das populações árabes que estão a varrer toda a região.  
Também é, não só caro como imoral, ceder a chantagens para custear a sobrevivência de certos países desgovernados ou mesmo inviáveis da África, enquanto os nababos desses mesmos e doutros países da região, vivem numa ostentação agressiva e investem os recursos dos seus países em proveito pessoal. É evidente que tudo isto é temporário, à medida que os regimes exploradores caem, os novos governantes perseguem os anteriores nos tribunais e nas contas bancárias.
Os tempos mudaram, os Estados Unidos têm que se habituar a avaliar, negociar e dosear melhor os esforços, como qualquer organismo que se sabe adaptar e envelhecer com dignidade. Os países da Europa têm que esquecer os traumas da geração passada e juntar forças sem hesitações numa entidade comum, simplesmente para conseguirem sobreviver como sociedades prósperas e justas.
No seu canto, Portugal tem que continuar a fazer as reformas necessárias para que a sua economia se torne competitiva o mais rapidamente possível. A gestão da bancarrota grega e as dificuldades dos outros países do Sul, estão a obrigar a decisões importantes na Europa do Euro, com consequências que o governo português terá que saber aproveitar no momento próprio. O capital de confiança ganho pela seriedade com que serão feitas as reformas vai ter que ser aproveitado para renegociar a dívida, de forma a que o seu peso não asfixie durante muito mais tempo a possibilidade de crescimento da economia. As características que terá essa renegociação e o nome que lhe for dado, não interessam. O importante é que o país continue no Euro, que a sua economia se articule tão vantajosamente quanto possível com as outras economias europeias, que a sua balança comercial se equilibre e que a grande maioria da população encontre trabalho condizente com as suas reais capacidades, embora não necessariamente com alguns diplomas sobrevalorizados.
Os próximos cem dias vão ser mais excitantes e mais decisivos do que estes primeiros. Apertem os cintos e vamos todos enfrentar as turbulências com confiança e de olhos bem abertos, para conseguir distinguir as aparências da realidade.
 JSR 

Saturday, September 17, 2011

59a - Cartas ao meu Neto Americano (1)

The San Agustin sails into San Francisco Bay 
1. O teu aniversário

Hoje é o teu décimo primeiro aniversário e desejo-te uma vida feliz, longa e produtiva. A tua avó e eu estamos contentes por nos reunirmos contigo e com os teus pais, para comemorar o acontecimento na casa de Bethesda, onde já viveram três gerações da nossa família.
Durante o voo que nos trouxe da Europa, veio à minha mente que já é altura de saberes que a associação dos nossos antepassados com este país vem de muito longe, muito antes da chegada do Mayflower, que é normalmente associada com o princípio da nação Americana. Durante o século quinze, como proprietários e capitães de navios comissionados pela Coroas de Portugal e Espanha, eles exploraram e cartografaram as costas do Novo Mundo e, numa disputada nota de rodapé da história, um deles baptizou a Califórnia com o nome de uma praia próxima de Sesimbra, uma cidade Portuguesa.
Para o teu nascimento em Los Angeles, a nossa família imediata veio literalmente de várias partes do mundo, a tua tia de Washington DC, a tua avó de Paris e eu vim de Tóquio. Durante a minha viagem nocturna, o piloto chamou a atenção para uma estupenda aurora boreal que podia ser vista enquanto cruzávamos perto do Pólo Norte. Aquilo foi uma entrada em grande na vida, daquelas que no passado davam origem a lendas.
Nasceste no ano 2000, do calendário actualmente em uso geral no mundo. As datas com números redondos dão sempre origem a muitos mitos e exibições de ignorância. Desta vez, foram novamente os temores de calamidades provocadas pela mudança de milénio e outros disparates do género. Primeiro que tudo, as datas são por definição artificiais, o resultado de uma convenção acerca de quando iniciar a contagem do tempo. Os primeiros seres humanos facilmente compreenderam a sucessão dos dias, o ciclo lunar e o retorno das estações solares constituindo um ano.
A contagem do tempo foi sempre relacionada com um acontecimento importante partilhado por cada comunidade. Podia ser uma catástrofe, a necessidade de uma migração ou outra ocasião fundadora duma época. Mais tarde, foram contadas as dinastias de governantes (os Faraós do Egipto, os Imperadores da China ou do Japão), os pontos de viragem política (a Era de César), acontecimentos religiosos (o nascimento de Cristo ou a fuga de Maomé de Meca para Medina), todos estes acontecimentos representando faróis míticos das respectivas civilizações.
O nosso calendário começou com a data de nascimento convencional de Jesus Cristo, um profeta nascido na Judeia, uma província no Médio Oriente do Império Romano. Jesus pregou uma versão adaptada das crenças de Buda, um visionário indiano anterior, ideias trazidas pelos comerciantes ao longo da Rota da Seda, em caravanas que ligavam a costa leste do Mediterrâneo a todas as terras até à China. O homem e as suas ideias entraram em conflito com as religiões dominantes do Império, foram perseguidos com uma violência desnecessária, o que é sempre um método seguro para divulgar qualquer doutrina, quanto maior for a repressão mais rápida é a expansão.
E assim, aqui estamos nós, depois de muitas guerras entre partidos organizados como tribos, nações ou impérios, que usaram as religiões e seitas como instrumentos na competição sem fim por território e recursos, reconhecendo com o nosso calendário a interacção permanente dos povos de todas as partes do mundo e a sua influência na formação recíproca das suas mentalidades. Isto é o que passa por ser a história da humanidade, uma lição de humildade.
Ter netos aumenta o sentimento de responsabilidade pessoal para com o futuro, a necessidade de fazer ouvir a sua voz e de contribuir para a soma de conhecimento racional que é a melhor defesa contra a barbárie ainda dominante e ameaçadora em grande parte do mundo.
Nunca antes existiu uma correlação aumentando tão depressa, entre o nível de conhecimento e a consequente forma de vida das pessoas ou sociedades mais intelectualmente avançadas, por um lado, e as crenças supersticiosas e resultante empobrecimento geral daqueles que ficam para trás, por outro lado. Acrescente-se a isto a disponibilidade generalizada de informação e comunicações, assim como a diminuição dos tempos de viagem que encurtam distâncias e há uma grande probabilidade de teres que lidar com confrontos contínuos durante a tua vida.
Faz hoje um ano que eu comecei este blogue de acesso limitado, para compartilhar com familiares e amigos algumas memórias de acontecimentos passados e a análise ocasional do presente, tal como ele se desenrola diante dos nossos olhos. A intenção era, que tais experiências e opiniões poderiam incentivar os leitores a participar na discussão das principais questões do nosso tempo e das mudanças significativas das quais fazemos parte.
Haverá, espero, oportunidades para te escrever outras cartas, sobre as raízes da nossa família e as línguas, sobre a história e as lendas, sobre a ciência e a ficção, sobre a política e a economia, sobre a doutrina e a ideologia, sobre a religião e o fanatismo, sobre a responsabilidade social e a credulidade, sobre a diplomacia e as boas maneiras, sobre problemas importantes e tudo o que me passar pela cabeça quando me sentar na frente de um computador. Só tens que ter a paciência de me acompanhar e pode ser que não te arrependas.
JSR

59 - Letters to my American Grandson (1)

The San Agustin sails into San Francisco Bay
1. Your birthday

Today is your eleventh birthday and I wish you a happy, long and fruitful life. Your grandmother and I are glad to join you and your parents, to celebrate the event at the Bethesda home where three generations of our family have already lived.
During the recent flight from Europe, it came to my mind that it is time for you to learn that our ancestors’ association with this country goes far back, much before the arrival of the Mayflower, which is usually associated with the beginning of the American nation. During the fifteen hundreds, as owners and captains of ships commissioned by the Crowns of Portugal and Spain, they explored and mapped the coasts of the New World and, in a disputed footnote of history, one of them actually named California after a beachfront next to Sesimbra, a Portuguese town.
For your birth in Los Angeles, our immediate family came literally from all over the world, your aunt from Washington D.C., your grandmother from Paris and I came from Tokyo. During my night flight, the pilot gave the alert to a stupendous aurora borealis that could be seen while cruising close to the North Pole. That was a grand entrance in life, the stuff from which in the past legends were made.
You were born in the year 2000, of the calendar presently in general world usage. Dates with round numbers are always the origin of much myth and display of ignorance. This time, there were again fears of calamities brought up by the change of millennium and other nonsense of the kind. First of all, dates are by definition artificial, the result of a convention about when to start counting time. Early humans understood easily the succession of days, the lunar cycle and the return of the solar seasons constituting a year.
Counting time always related to an important event shared by each community. It could be a catastrophe, the need for a migration or other seminal occasion. Later, were counted the dynasties of rulers (Pharaohs of Egypt, Emperors of China or Japan), the political turning points (the Era of Caesar), religious events (the birth of Christ or Mohammed’s escape from Mecca to Medina), all representing mythical beacons of their civilizations.
Our calendar started with the conventional birth date of Jesus Christ, a prophet born in Judea, a Middle Eastern province of the Roman Empire. Jesus preached an adapted version of the beliefs of Buddha, an earlier Indian visionary, ideas brought along by the merchants of the Silk Route, on caravans that linked the Mediterranean eastern shores all the way to China. The man and his ideas conflicted with the dominant religions of the Empire, were prosecuted with needless violence, which is always a sure method to disseminate any doctrine, the more repressed the faster the expansion.
And so, here we are, after much fighting between parties organized as tribes, nations or empires, using religions and sects as tools in the endless competition for territory and resources, recognizing with our calendar the permanent interaction of peoples from all parts of the world and their reciprocal influence in shaping each others minds. This is what passes for the history of mankind, a lesson in humility.
Having grandchildren brings up a sense of increased personal responsibility towards the future, the need to have your voice heard and to contribute to the body of reasoned knowledge that is the best bulwark against the barbarism still dominant and threatening in large parts of the world.
Never before existed a correlation increasing so fast, between the overall knowledge and consequent way of life of the most intellectually advanced people or societies, on one hand, and the superstitious beliefs and resulting general deprivation of those staying behind, on the other hand. Add to that the widespread availability of information and communications, the shrinking of traveling distances and you have a large probability of having to deal with continuous confrontations during your lifetime.
One year ago to this day I started this limited access blog, to share with family and friends some memories of past events and the occasional analysis of the present as it unfolds before our eyes. The intention was, that such experiences and opinions could encourage the readers to participate in the discussion of the main issues of our time and the significant changes of which we are a part.
There will be, I hope, opportunities for other letters to you, about family roots and languages, history and legend, science and fiction, politics and economics, doctrine and ideology, religion and bigotry, social responsibility and gullibility, diplomacy and manners, important issues and whatever will cross my mind when I sit in front of a computer. Just have the grace of bearing with me and there is a chance you will not regret it.
JSR

Thursday, September 15, 2011

58 - Monkey’s Money

Monkey's Money
It just happened recently while in transit between Lisbon and New York. The comment just sprang out of my mouth when the shop’s attendant was returning the change at London’s Heathrow airport: “What do I want this monkey’s money for?” 
The answer came with the expression on the woman’s face, which was actually worth paying for. She did deserve the pounds and pennies change for my Euro banknote, as a tip.
Actually, nobody should even care to carry paper money anymore, with the ubiquitous availability of plastic cards. But sometimes it is difficult to break the engrained habit of paying with a bill for a magazine or a bottle of water.
That disparaging reference to any currency other than the dollar as “monkey’s money”, by that meaning “worthless”, came to mind out of the past as a repeated complaint of a former work colleague, one member of a small group that for a while crisscrossed the globe on a most interesting mission, every time we left a country with a pocketful of local currency.
Gil was his name, pronounced “gill”, like the fishes’ respiratory organs. A character, the oldest of the team, stocky, bronze-black skin color, the face and straight shoulder-length black hair of an Indian chief of Hollywood’s golden age. Ah, and blue eyes. According to him, inherited from an Irish-American earlier colonist who had lassoed an Indian woman for a wife. Their child married a former slave from Africa.
“All these lucky events to a produce a distinguished American specimen like myself”, he would say before happy hour at one of the multiple hotels where we stayed. Later in the evening, after sitting at the piano and singing a couple of his favorite operatic arias, his glass of bourbon kept full by thankful bar managers, he would go straighter to the point and invite any single women still hanging around “to find out how such a mongrel was made”. There was usually no lack of takers to the offer...
The man had been married to a famous opera singer of the seventies and eighties. While helping her to repeat, he memorized entire librettos of Wagner’s operas and thus considered himself a fluent german speaker. His tentative conversations with miscellaneous and unwarned Germans, puzzled by the vocabulary and accent, were pieces of laughing legend during Company parties. 
These reminiscences were brought up with the belated understanding of how Americans felt in those times, which explains why they would utter such naive enormities. Coming from a nation the size of a continent, with no political borders and the same currency, the rest of the world looked intricate and backward.
Now, those living in the Euro zone have the surprise of feeling the same way when traveling around. How strange it was to have lived before in a fragmented Europe, in that distant and dark age when people had to change currencies and use passports to cross the borders inherited from a barbaric past of tribal warfare. These days, have Euros and you are welcomed everywhere. Just stick to the plastic cards...
The new generations do not even understand why some European countries still remain outside the Euro. The older generations may understand the reasons but do not forgive the shortsightedness of the politicians responsible. Some countries within the Euro zone have economic and financial problems, but this is one consequence of the Euro’s success as a strong currency. Not being able to manage from the center, the abuse of that success by some stray nations at the periphery is due to the present lack of both vision and sense of opportunity.
Giscard d’Estaing said, when presenting the draft of an European Constitution, that those responsible for their approval would get statues in their countries’ squares named after them. Unfortunately, very few of the present European statesmen and stateswomen will deserve such recognition.
JSR

Monday, September 5, 2011

57 - “Mas Quem será o Pai da Criança?”

As festas das aldeias são um assunto sério, embora por vezes seja tratado com desprezo por alguns intelectuais “fast food”, encartados ou não com cursos obtidos nos aviários que floresceram após o desaparecimento do possidonismo “da outra senhora”. Chegam a ter a sua graça, quanto mais terra ainda têm entre os dedos dos pés, denunciando uma origem camponesa recente, mais críticos são das festas das aldeias e dos gostos populares.
Encontram-se mesmo alguns, nos programas e publicações sobre as artes, fazendo exegeses sobre a “country music” americana, onde existem sem dúvida algumas canções de incontestável inspiração, mas parece que a música popular portuguesa não merece a mesma consideração. Todavia, a música pimba é bem o equivalente nacional, com a incomparável vantagem da maioria da população portuguesa perceber a letra e estar em sintonia com a música de raiz tradicional. Não admira que tenha sucesso e que deva merecer respeito, mesmo daqueles que não a apreciam.
Isto escrito, é preciso uma boa dose de masoquismo para aturar quatro-noites-quatro sem dormir, numa casa que dá para o Largo principal da aldeia durante a sua festa anual. São doses ininterruptas de música no limite máximo dos altifalantes e woofers cujas vibrações imitam com vantagem as ondas sísmicas. Penetram as paredes de pedra dum metro de espessura, soltam telhas da cobertura, estremecem vidros duplos e portadas de castanho. Por vezes até se entendem as letras das canções, repetidas pela noite dentro, que acabam por ficar na memória.
Nesta época regressam “à terra” do interior do país os exilados em Lisboa, Porto e outras zonas da costa marítima, voltam os membros da diáspora nos países ricos da Europa e da América. A população das aldeias multiplica-se por dez ou mais, restauram-se as casas, anima-se o comércio, os largos onde no resto do ano só há velhos ao Sol, enchem-se de crianças, vizinhos afastados durante longos períodos reatam amizades e passam as noites a pôr a conversa em dia junto da fonte. Um país disperso pela aventura e pela adversidade, que se reencontra uma vez por ano.
Durante os dias da festa, sucedem-se as bandas, repetem-se os mesmos êxitos de autores que podem ser desconhecidos dos mais alheados, com letras e músicas de inspiração variável, mas que são certamente férteis em imagens brejeiras e frases de duplo sentido. “Mexe, mexe, que eu gosto”, “a pulga na minha cama”, “os rapazes vêm com ela fisgada” e, claro, “mas quem será o pai da criança?”, não terão exactamente a veia de Bocage, mas servem o mesmo objectivo, encorajar uma população pouco fértil...
Durante estes quatro noites e dias, houve quatro missas, quatro novenas, três procissões, das quais uma nocturna a lembrar os costumes de outros tempos mais inocentes. Com serviços de restaurantes e bares, muita cerveja para desatar as línguas, passaram dúzias de vezes a canção com a mesma pergunta: mas quem será o pai da criança? Até aqui, compreende-se, é a mais velha história do mundo. Menos compreensível é outra canção que passou no fim das festas, perguntando quem será a mãe da criança! Não admira que o país ande mal, já nem se consegue observar o simples preceito latino “mater semper certa est, pater incertus”... 
JSR