Thursday, August 18, 2011

55 - Estas Crises Que Nos Tolhem

Rockefeller Center
Attilio Piccirilli's Commerce and Industry
Quando num aperto, e estas crises tolhem-nos entre apertos de muitos lados, é indispensável ganhar altitude para pôr as dificuldades em perspectiva. Só assim é possível avaliar correctamente as situações e escolher caminhos de saída.
Cada época tem as suas características e cada geração tem os seus problemas. No século XX passámos dum mundo que tinha sido eurocêntrico durante muito tempo, para um mundo que se tornou americano-cêntrico. Com a mundialização, o século XXI tornou-se tendencialmente multi-polar, mas duma forma irregular e desigual, o que é a causa de algumas das crises que atravessamos.
A globalização tende a uniformizar a concorrência global das matérias primas, dos produtos agrícolas e manufacturados. O ferro, o trigo, as calças ou o telemóvel produzidos por trabalhadores explorados em regimes totalitários, “competem” com produtos semelhantes originários de países onde os trabalhadores têm direitos democráticos e salários negociados por sindicatos. Competição não é a palavra certa para a transferência de empresas, capital e trabalho, que isto ocasiona dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. Como consequência, os salários e outros benefícios têm que se ajustar pelos níveis mais baixos, com a consequente perda de qualidade de vida nos países mais afectados.
Os Estados Unidos continuam a ser a única super-potência, o ponto  de referência e de imitação. Mas uma hegemonia sob controle democrático, dificilmente impõe um imperialismo ideológico ou uma exploração colonial eficaz e duradoura, como outras potências fizeram até a um passado recente. Pelo contrário, acreditando que a paz e o sucesso do comércio mundial são as duas faces da mesma moeda, arruínam-se como polícias do mundo. Garantem a segurança de várias zonas geográficas mas aceitam que muitos países, particularmente o Japão e os Europeus, aproveitem a protecção sem contribuir para os custos com uma parte proporcional às suas capacidades e interesses. Mas tudo tem um preço, político e económico. Em troca, é sempre potencialmente ruinoso ir contra os interesses vitais Americanos, o dólar é a moeda de reserva mundial e os USA reduzem os seus deficits através do aumento da massa monetária em circulação e consequente desvalorização cambial, que são formas de fazer os outros países contribuírem. Mesmo assim, os USA atravessam crises de confiança política e económica na federação, e as instituições federais têm que ajudar estados e cidades em bancarrota.
A Europa recuperou das lutas fratricidas e da perda dos impérios coloniais, iniciou um processo de unificação pacífica sem precedentes de forma a tentar manter uma influência nos negócios do mundo proporcional ao que é o maior bloco económico da actualidade. Porém, uma união pacífica resulta de decisões democráticas dentro de cada pais (sempre que não é possível evitá-las) e entre os países (embora uns sejam mais iguais do que os outros), o que é a sua força, a sua fraqueza e a razão da lentidão, das diferenças e das indecisões. As diferenças culturais entre estados provocam ou revelam tendências isolacionistas nuns, egoísmos noutros e ressentimentos nos restantes. É difícil o entendimento entre os que têm uma maior ética de trabalho, produção e poupança e os outros menos rigorosos, menos produtivos e mais esbanjadores. Estas “falhas sísmicas” tornam inevitáveis as crises de crescimento, a separação em círculos concêntricos de integração, as decisões bipolares.
Os países emergentes, os BRIC que vão saindo do subdesenvolvimento político, social e económico, os que beneficiam de alguma maneira da globalização, querem progressivamente conquistar uma influência proporcional ao peso da sua população, do potencial do seu mercado interno e da sua capacidade exportadora, das suas reservas monetárias ou de matérias primas. Todavia, são por enquanto gigantes com pés de barro, balões que incham com muito ar e pouca substância. A China consegue falar com a voz única dum regime totalitário, que reprime ambições legítimas de melhor qualidade de vida dos habitantes e esconde as diferenças abismais entre classes e regiões. A Índia é um mar de correntes confusas e supersticiosas, sobre as quais flutuam classes tribais profundamente corruptas que dominam a politica, a sociedade e uma economia selvagem. A Rússia transformou-se num estado mafioso. O Brasil é o único destes países cuja evolução lhe poderá permitir integrar a médio prazo as sociedades ocidentais.
No resto do mundo, cada região tem os seus problemas e cada pais é um caso, aproximando-se ou afastando-se dos grupos mencionados acima, com capacidades e características variáveis, bons exemplos mas sem grande influência e maus exemplos por vezes com enormes energias destrutivas. Por enquanto fazem apenas parte da paisagem, paisagem inter-activa, mas só paisagem mesmo assim.
Estas últimas crises não são só financeiras, nem só económicas, nem só politicas, nem só Portuguesas, nem só Europeias, nem só Americanas. Estas crises são tudo isso, têm várias origens, são também mundiais e estruturais, estão para durar e como todas as crises anteriores vão ser mal e incompletamente resolvidas.
Mas este é o mundo em que nos calhou viver. Cada um de nós, individualmente e como cidadãos, temos que tirar o melhor partido possível das oportunidades que se nos deparam e, se possível, ter a inteligência de não repetir erros passados.
JSR

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