The Guardians |
Este é um tempo de mudança, chega ao governo uma nova geração. Já vem muito atrasada, devia ter chegado com as eleições de 2009, mas mais vale tarde do que nunca.
Erros de paralaxe
Nas últimas semanas, a actividade política e as notícias têm sido uma verdadeira competição de erros de paralaxe (diz-se que há um erro de paralaxe quando uma observação é deturpada por um desvio óptico, devido ao ângulo de visão do observador; em linguagem mais simples, quando um objecto parece estar num sítio mas na realidade está noutro).
Uma campanha eleitoral onde se falou, discutiu e noticiou tudo, menos o essencial: a implementação das medidas de poupança acordadas com os financiadores externos e a futura recuperação económica do país.
A publicação de sondagens manifestamente absurdas com o único objectivo de manter o suspense. Como se a vida real fosse agora mais um “reality show”, uma evidência da degradação social descrita nos dois livros sobre “L’Etat spectacle” de Roger-Gérard Schwartzenberg.
As encenações televisivas da política, o culto acrítico do chefe, a exibição da vida privada em vez da substância. E no fim da linha, o triunfo da opinião pateta sobre a democracia.
Finalmente, o resultado das eleições veio repor a realidade, que pode não ser a ideal nem mesmo a necessária, mas é a que se pode arranjar nas circunstâncias presentes e com a qual o país vai ter que viver.
Um Governo de “maçaricos”
Ver chegar ao poder uma nova geração é simultaneamente motivo de esperança e de apreensão.
A maioria dos ministros estão na força da vida, são inteligentes, bem informados, com ideias próprias, experiência dos meios internacionais, sem comprometimentos com os grupos de interesses nacionais, e tudo isto é bom. Não estão dependentes dos que vivem de conluios e favores a fim de assegurarem o seu futuro após os anos magros no governo, porque terão sempre oportunidades dentro e fora do país devido apenas aos seus méritos pessoais, e isto é óptimo.
Mas são uns “maçaricos”... e isto é preocupante. Para quem não saiba, e agora que já não há serviço militar obrigatório, muitos não saberão, “maçarico” é o soldado durante a recruta.
É na falta de experiência de gestão e de conhecimento do terreno real, que residem as dúvidas quanto à competência dos ministros nomeados, particularmente para a Economia e para as Finanças. Vai ser preciso implementar as reformas, doa a quem doer e aqui vão pagar igualmente os justos e os pecadores. Nem uns nem outros se vão deixar tosquiar sem protestos e manifestações. Ter experiência de gestão, saber quando mandar, persuadir ou negociar, pode fazer toda a diferença. A sua falta vai ser difícil de compensar num período muito duro e desgastante para todos os intervenientes.
Elefantes e ratos
Os elefantes da política interna, que toda a gente conhece em Portugal devido ao palco permanente das televisões, são quase todos ratos desconhecidos nos meios internacionais. Os mais capazes não aceitaram trocar as suas mordomias actuais por lugares mal pagos num governo em tempo de vacas magras.
Estes dois novos ministros, da Economia e das Finanças, embora sejam estrangeirados quase desconhecidos no país, têm boa credibilidade internacional, um como académico e o outro como especialista, nas áreas que vão ter que gerir. Têm o mérito de aceitarem voltar, sabendo que em breve se encontrarão debaixo do fogo da contestação às medidas impopulares que vão ter que impor.
Além disso, é notável que um pequeno país nesta situação difícil, tenha entre a sua diáspora não só o presidente da Comissão Europeia e o director do Departamento Europeu do FMI, mas também uma reserva de profissionais competentes ligados às actividades económicas e financeiras.
Isto demonstra várias coisas, entre elas que o país dispõe duma profundidade intelectual superior à sua performance como estado, que a rigidez da constituição, das leis e das más práticas vindas do PREC continuam a sufocar o desenvolvimento do país e a afastar os melhores dos seus quadros e da sua força produtiva.
A esperada contestação
Embora toda a gente já saiba que é preciso absolutamente fazer as reformas enumeradas pela chamada “troika” (os três cavalos que foram chamados a puxar a carroça portuguesa em dificuldades...), e mais outras reformas óbvias que não estão nessa lista, alguns grupos políticos e sindicais vivem num universo paralelo, desligados da realidade do país, numa espécie de umbiguismo esquizofrénico.
Uns não compreendem que o tempo dos direitos adquiridos acabou, porque se acabou também o crédito para pagar os custos excessivos em relação às receitas. Também porque para proteger os privilégios de uns se aumenta o desemprego dos outros.
Outros reconhecem tarde demais que o populismo tem os seus limites, que a maioria das pessoas que os seguiam acabam por se aperceber que não há almoços grátis, que os credores não aceitam que se reestruturem dívidas para ficar tudo como antes, que isso só será possível depois das reformas, quando a previsão do crescimento da economia puder vir a compensar as perdas eventuais.
A reestruturação da dívida acabará por ser necessária, não para evitar as reformas, sem as quais o país não tem futuro, mas como complemento das reformas e em devido tempo, para estancar o pagamento de juros excessivos, permitir primeiro o crescimento da economia e mais tarde o retorno normal ao mercado de capitais.
Votos
Vamos desejar que os novos ministros se aguentem nestes testes de endurance, que nos surpreendam pela positiva, que saibam ter o golpe de rins oportuno para resolver os problemas internos, o golpe de asa necessário para ultrapassar a fraqueza das instituições europeias e a coragem para enfrentar os grupos de credores e faze-los ceder primeiro.
Vamos também desejar que os portugueses mostrem a capacidade e a paciência de aguentar civilizadamente os anos difíceis que nos esperam, de compreenderem que não é com a gasolina das greves que se apaga o fogo que devasta a economia. Tudo isto sem nunca perderem a esperança que dias melhores acabarão por vir.
JSR
Não podia estar mais de acordo com a análise. Haverá um Render da Guarda parte 2, com a indicação dos secretários de estado? Mais do que nunca estes terão um papel mais próximo de ministro devido ao número reduzido de ministros. Tenho sérias dúvidas que tenham sido escolhidos os melhores. Um secretário de estado seria, em condições normais, alguém mais técnico do que o ministro, este sim mais vocacionado para a politica. Neste caso, nem os ministros são politicos, pelo menos os que têm as pastas mais relevantes, e daí a expectativa sobre eles, nem os secretários de estado são os melhores técnicamente, pelo menos que se saiba, nem os mais capazes politicamente (algo que seria aceitável visto a falta desse traquejo politico nos ministros). Resta aguardar o futuro mas tenho sérias reservas tanto quanto ao desempenho dos secretários de estado, quanto a actuação dos deputados na AR e, acima de tudo, a capacidade de politicamente aguentar o impacto da implementação das medidas definidas no memorando da troika.
ReplyDeleteDesvalorizámos a política ao ponto de considerar que basta a competência técnica, depois de termos aceite políticos que não tinham competências de espécie nenhuma, técnica ou política, e que se limitaram ao papel de comunicadores para com a comunicação social.A europa não está melhor, quando considera que as agências financeiras é que são perturbadoras da acção política, depois de terem passado anos a escudar-se nas avaliações técnicas para se escusarem às decisões políticas.Um bom suporte técnico é essencial ao desempenho político, mas não o substitui nem, muito menos, o dispensa.Como veremos, receio bem.
ReplyDeleteJuly 15, 2011 12:57 PM
Cara Sara,
ReplyDeleteExcelente comentário "and to the point". Apesar de eu o descobrir com muito atraso, continua perfeitamente actual.
Este é o governo que foi possível formar nas circunstâncias presentes, tanto do ponto de vista político como das competências técnicas. Não é, nem poderia ser, uma selecção nacional. É pena, mas mesmo essa dependeria dos critérios do seleccionador...
Além disso, muito pouco está efectivamente nas mãos do governo. Por um lado tem que cumprir os acordos com a troika, por outro depende das indecisões Europeias e dos ventos contrários que sopram cada vez mais fortes dos mercados. O maior poder efectivo que têm é negativo, é falhar as metas e isso seria verdadeiramente uma desgraça.
Cara Suzana,
ReplyDeleteComo tens razão e como fazem falta estadistas... quando são desesperadamente precisos. Tanto na esfera nacional, como na europeia.
Os maus políticos, eleitos por cidadãos pouco e mal informados, afastam os bons políticos e sem bons políticos não aparecem bons estadistas.
A competência técnica é necessária para um bom funcionamento das instituições, mas sem uma visão política "on tourne en rond". Que é exactamente o que está a acontecer agora.