Falta um... |
As próximas eleições não são apenas para escolha dos esbirros que vão fazer subir esta nação ao pelourinho da austeridade. A sentença foi lavrada no acordo que o governo assinou com os representantes dos credores do Estado. Mas não se ouve discutir os termos desta mensagem.
Os partidos fazem uma grande berraria, mas até parece que a escolha entre uns e outros está apenas nos detalhes da aplicação das penas. Um partido prefere cortar primeiro a orelha esquerda. Outro acha que é melhor cortar a orelha direita. O terceiro não tem preferência entre as orelhas, mas quer ajudar a segurar o cabo da faca. Depois, há um quarto que nega que o pelourinho exista. O quinto sugere que se pusermos voluntariamente o nariz no cepo, talvez se possa evitar o corte das orelhas...
As diferenças apregoadas são catálogos de hipocrisias, porque eventualmente tudo terá que ser cortado, mesmo algumas outras excrescências não mencionadas, sob a forma de vendas, privatizações, encerramentos, impostos e reduções de benefícios.
Estas eleições são também acerca de quem terá a capacidade de implementar efectivamente as cláusulas desse acordo e fazer as reformas necessárias, mas impopulares. Por isso não se ouve falar delas nesta espécie de campanha - jogo de escondidas - ninguém quer ser o mensageiro. Porque não vai ser fácil, nem há nenhuma certeza de ser conseguido. Mas sobretudo, sobretudo estas eleições deveriam ser acerca da escolha de quem terá a coragem de, uma vez as reformas feitas e quando chegar o momento, saber renegociar a dívida de forma a pôr a economia a crescer antes que seja tarde demais.
Os políticos
A classe política portuguesa é naturalmente uma mistura de pessoas sinceras e empenhadas, gente de bem e competente, mas também populistas, actores, malandros, aldrabões de feira, aproveitadores, corruptos e ignorantes. As análises correctas e as declarações disparatadas vêm de todos os quadrantes políticos, embora haja especializações... A pressão para se venderem a uma maioria de eleitores politicamente indiferentes, obriga a contorções que fazem os partidos e os seus responsáveis parecerem piores do que realmente são. Acabou a democracia, sem nunca ter realmente começado, e a “partidocracia” está pelas ruas da amargura.
Muitos políticos portugueses podem não ser grande coisa, mas realmente não são piores do que a mesma classe nos outros países (mais ou menos...) desenvolvidos. Porquê? Porque os melhores de cada país raramente aceitam participar directamente em actividades políticas, com a consequente exposição e bisbilhotice mediática sobre eles e as suas famílias. Porque podem ter maiores recompensas e melhor qualidade de vida em actividades privadas, fora ou dentro dos seus países de origem.
Porque os que ficam, podem sempre apoiar políticos promissores e ambiciosos, que lançam e financiam como num estábulo de cavalos de corrida, apostando em que algum ficará eventualmente bem colocado para favorecer os seus interesses. Porque assim evitam de se sujar directamente com a lama da pista. Mais tarde, se o “cavalo” tiver sido suficientemente rentável, acaba os seus dias nas verdes pastagens dos conselhos de administração das empresas para as quais correu...
Os eleitores
A julgar pelas sondagens, parece que muitos eleitores portugueses são menos exigentes do que a média dos eleitores dos tais países com os quais nos comparamos. Avaliam a política com os mesmos critérios com que assistem na televisão a concursos, telenovelas e outros programas igualmente imbecilizantes. São pessoas crédulas que se deixam levar por contos do vigário. Por essas e por outras é que o país está falido.
Usando a metáfora estafada do futebol, se o clube teve uma época desgraçada e desceu de divisão, qual é a primeira coisa que acontece? Muda-se o treinador. Pois, mas parece que neste canto da Europa uma parte da tribo ainda acredita em milagres, que um mau treinador pode de repente começar a ganhar jogos.
Noutros países com maior percentagem de eleitores já mais alerta, quando a economia não funciona os governos são postos na rua sem dó nem piedade. “É a economia, estúpido!”, lembram-se?
“Born again”
Como é possível que o governo e um partido que arruinaram o país, por haver uma crise é certo, mas também por incompetência, por porem os interessem dos seus apaniguados acima dos interesses da colectividade, consigam apresentar-se diante dos eleitores como virgens ofendidas?
Torna-se possível quando os conselheiros eleitorais sabem vender o seu produto. São os mesmos que trabalham a imagem, a narrativa e o marketing, não só de empresas legítimas que querem aumentar os seus lucros, mas também de malandros que querem escapar à justiça e, mais importante para este argumento, de seitas religiosas que sugam o tutano aos crédulos de muitos países. Uma das técnicas é o “renascimento”, através do qual desaparecem todos os pecados e crimes passados. O indivíduo toma um banho ritual e pronto, “nasce” de novo, “is born again”... sem remorsos e sem vergonha.
Democracias
O grande desafio das democracias é a sua sobrevivência, desde o momento em que é inscrito na Constituição que o governo é eleito por maioria popular e até que a maioria dos cidadãos votantes saibam realmente o que fazem. Após uma mudança de regime, que é sempre provocada por uma minoria de esclarecidos ou iluminados, a maioria acaba por levar ao poder grupos extremistas, utópicos ou reaccionários, que contradizem os objectivos iniciais e levam a grandes desilusões, a desastres e finalmente a mudanças radicais.
Demora muito tempo esta evolução difícil, até que a educação chegue a todos, até que a necessidade do equilíbrio dos deveres e dos direitos da cidadania seja compreendida pelas grandes massas populares. Até esse momento de desenvolvimento nacional, as eleições são ganhas pelas melhores campanhas publicitárias, as que vendem candidatos como sabões para lavar a roupa.
O papel dos “media”
Este estado de barbárie mantém-se também com a cultura de massas nivelada pelo mais baixo, a coscuvilhice em vez de informação, a leviandade em vez da substância, a “fama” gratuita em vez do esforço individual e do reconhecimento do mérito.
Os responsáveis dos “media” de referência, sobretudo em tempo de campanha eleitoral, deveriam ter como critério de selecção daquilo que transmitem aos espectadores ou leitores, uma célebre citação de Eleanor Roosevelt: “As grandes mentes discutem ideias, as mentes médias discutem factos, as pequenas mentes discutem pessoas”. (Great minds discuss ideas, average minds discuss events, small minds discuss people).
Uma excelente forma também, para os eleitores avaliarem os candidatos a lugares políticos.
JSR
Excelente artigo, como habitualmente.
ReplyDeleteUma excelente reflexão sobre o momento do país, interessante análise à razão do actual PM ter ainda a aceitação que tem (menor exigência do eleitorado e excelente trabalho de marketing) e, top of the top, a análise aos media.
Porque muito do que de mau se passa hoje é, quanto a mim, culpa dos media. Que, citando a sua citação de Roosevelt, preferem discutir pessoas, na melhor das hipóteses eventos, a discutir ideias. Os órgãos de comunicação social de referência, pelo menos, deveriam filtrar o que apresentam e dar maior ênfase às ideias que os partidos e políticos apresentam.
Só não gostei, ou melhor, só não partilho da sua descrença com a capacidade de superar a situação actual. Eu não me sinto vencido pelo pacto FMI/UE e sinto que o Pedro Passos Coelho também não. Além de que vejo neste acordo com o triunvirato (como diria o Portas) uma oportunidade de mudar muitas coisas em Portugal que, de outra forma, talvez os governos não tivessem (como não tiveram até agora) coragem de mudar. E o Pedro parece-me imbuído dessa coragem e vontade de mudar. Mudar Portugal.
Caro Nuno, obrigado pelo comentário e pela participação.
ReplyDeleteNão é exactamente descrença em relação à capacidade de superar a situação actual. É antes o conhecimento das dificuldades das etapas seguintes, que vão ser semelhantes às de outros países que passaram por situações semelhantes. A diferença entre o sucesso e o insucesso, de que falei em posts anteriores, tem muito a ver com a experiência dos governantes e a sua autoridade para impor as mudanças profundas que são indispensáveis.
Quando entro num avião, sobretudo sabendo que vamos encontrar zonas de fortes turbulências que necessitarão de perícia para serem ultrapassadas, prefiro que aos comandos esteja um piloto com muitas horas de voo e cujas decisões não sejam questionadas pelos co-pilotos. Mas é evidente que prefiro um piloto com menos experiência a outro que já sei que é mau...
Esperemos portanto que haja uma maioria absoluta, um governo competente, muita coragem para enfrentar contestações, muita perseverança nas reformas, muito engenho e arte nas negociações com os parceiros europeus. Ah, e muita sorte na recuperação da economia global.
Volte sempre.