Monday, February 28, 2011

26 - As Boas Práticas

Compagnons du Tour de France - 1820
Para atingir um objectivo, seja montar um projecto ou escalar uma montanha, deve-se assegurar tanto o planeamento como o bom acabamento de cada etapa. Por exemplo, ir escrevendo relatórios de avaliação do progresso no primeiro caso, ou ir cravando grampos para prender a corda no segundo. São apenas boas práticas, mas são elas que separam os profissionais dos amadores, os que são consistentemente bem sucedidos dos que só chegam ao destino por acaso.
A importância das boas práticas na prosperidade dum país é um assunto pouco frequente tratado, seja na análise sociológica, seja na análise económica. Como para muitas outras coisas, analisam-se as consequências, ignoram-se as causas.
Começando pelo princípio, a formação de cada indivíduo deve fornecer as boas práticas de relacionamento com os outros, válidas para as interacções entre pessoas, entre empresas e entre nações. A educação em casa, a instrução na escola, as regras da sociedade, a diplomacia entre as nações.
Quando se comparam as boas práticas usadas nos países desenvolvidos com as dos outros, encontram-se as pequenas e grandes diferenças que estão na origem do sucesso de pessoas, empresas e dos próprios países: saber preparar-se, escolher o melhor percurso, falar com as pessoas certas e como as interpelar, chegar a horas e cumprir prazos, expor ideias de forma clara, saber quando falar e quando ouvir, antecipar as perguntas mais prováveis e escolher a altura certa para concluir.
Saber manter os contactos institucionais e os contactos com as pessoas. Enviar cartas de agradecimentos, de resumo dos pontos discutidos, das decisões tomadas, das acções a fazer e dos seus prazos. Cumprir a sua parte do trabalho de execução e dos acordos. Exigir o mesmo dos outros. 
         Finalmente, saber quando perseverar e quando mudar de caminho.
JSR

Thursday, February 24, 2011

25 - Brasigola

Printing Press
No sítio onde costumava estar Portugal encontra-se já Brasigola, uma entidade entalada entre uma invasão populacional vinda do Brasil (e não só) dum lado e uma compra económica por parte de Angola (e não só), do outro. Um pais metido numa prensa, com muitas mãos a dar à manivela.
Do lado populacional, uma volta por Cascais à hora do almoço é instrutiva.
No restaurante os empregados são brasileiros e na mesa do lado uns portugueses discutem  turismo com um inglês e um alemão que obviamente aprenderam a língua do Brasil.
Nos Correios, umas raparigas brasileiras esperam vez para mandarem dinheiro para casa, pedem ajuda para preencher a papelada e aproveitam para ir informando que podem ser muito carinhosas a agradecer...
No centro comercial, os rapazes da lavagem de automóveis são brasileiros, as empregadas das lojas são brasileiras, as pessoas que passam conversam com a pronúncia do Brasil, assim como a mulher de meia idade que fala com a caixa Multibanco, dizendo que tem lá dinheiro e não compreende porque o boneco não a deixa fazer um levantamento.
Do lado económico a invasão é discreta, a maior parte do tempo, mas não deixa de se avolumar progressivamente.
Nas reuniões de conselhos de administração de bancos e outras empresas, para além das múltiplas crises, discute-se como sobreviver em Angola e com os angolanos. Quem lá está, quer lá continuar, ou quer lá entrar, tem que pagar a “protecção” local. As formas de pagamento variam, os beneficiários são sempre os mesmos.
Participação no capital em troca de terreno de origem desconhecida para implantação, por associação com empresas que só existem no papel, por nomeação de administradores que só recebem ordenado, ou qualquer outra forma de cobrança. Porque sim, porque decide quem pode e sem decisão não há negócio.
Os benefícios da venda dos recursos naturais fluem também para os mesmos bolsos, por vezes por caminhos ainda mais directos. O que não é gasto em esbanjamento é investido na compra de participações em empresas estrangeiras, de preferência portuguesas, cada vez menos propriedade de portugueses, públicas e privadas, de todos os ramos. Note-se a progressiva mansidão dos... como lhes chamam agora? Ah, órgãos de comunicação social...
Filipe II de Espanha costumava dizer que tinha herdado, comprado e conquistado Portugal. Agora que o país está a ser comprado e conquistado, parece estranho (e ao mesmo tempo promissor) não haver falta de partidos políticos que o queiram herdar...
Claro que tudo isto é um exagero, como hipérbole e em outros sentidos do termo, a misantropia passageira dum dia em que o ataque de spleen é pior do que em muitos outros. 
JSR

Saturday, February 12, 2011

24 - Egypt - Smoke and Shadows

Kebash Road - Karnak
Could Egypt become the first-ever, Arab democracy?
The parties are winding down in Cairo and Alexandria, and soon will be over. Besides the symbolic resignation of its leader, the armed forces are still in power, as they were since the fall of the sultanate.
Give the people smoke and shadows: instead of the British-supported Sultans, give them military-appointed Pharaohs, to love first and hate later. Nasser, Sadat, Mubarak, figureheads change, the real power remains in the same hands. Give the people a whistle to blow, let them dance on the streets and they will eventually go home.
What to expect this time? Nasser nationalized the Suez Canal, Sadat made peace with Israel and Mubarak protected foreign investment and tourism. All of them entrenched a privileged military caste, lined their own and their cronies pockets, wrested external help, mostly economic. The military will now oversee the "transition"...
The fire of the demand for people empowerment is spreading throughout the region. Two much smoke and some shadows haunting the remembrance of Iran-like unqualified disasters, local wars, terrorism, religious extremists, betrayed promises. After the appearance of victory, starts now the real effort to actually move forward some political, social and economic improvements. “Allah Akbar” is not a government program.
The Arab autocrats and dictators (with a couple of minor exceptions) do not have the minimum saving grace of some other authoritarian regimes, who used their powers to reform the society and fight the most egregious forces of retardation.
Ataturk’s "young Turks" reined in the religious harmful superstitions keeping the people ignorant and the women oppressed. The Chinese stopped the population explosion with the one-child policy, without which there was no hope of ever feeding everybody and improving the economy.
Alas, democracy is not the end of the road to social progress and fairness. Both China and India are extreme examples of one an authoritarian regime and the other a democracy: each of them equally ridded with corruption, a growing chasm between the privileged few and the starving, slave-like majority. Real democracy takes time, and education, and work, and justice. Real democracy is always born in pain.
Most of the world, notoriously the Arab family of nations (as well as their neighboring Asian and African ones, led by committees, stooges or chieftains), still live with a medieval mindset: patriarchal, tribal, theocratic, aristocratic, mafia-like, chose the name, the functioning is the same: the few living out of the work of the many, using the forces of weapons, ideology or religion, to coerce people to comply with extortion practices.
The spoils of power take many forms: raiding directly the national Treasury, selling the country's natural resources for private profit, controlling the economy, requiring local and useless sponsors for foreign investment (or partners who share the profits without real work or actual capital), demanding bribes for every administrative or bureaucratic procedure. All this is done proportionally to power, rank, connections, as well as prodding or disruptive capacities.
Real democracy is not likely to happen yet there, but hope springs eternal.
On the other hand, doesn’t at least some of the above sound somewhat familiar to our own, "developed" countries?
JSR

Sunday, February 6, 2011

23 - Entre Cila e Caribdis

Scylla and Charybdis
O "FMI já não vem” titulava ontem o “Expresso”, como eco ao alívio manifestado pelo governo depois de ter capitulado diante das novas condições para ter acesso ao FEEF. Depois do Banco Central Europeu, um governo económico europeu. Já não é sem tempo e significa mais um passo para o governo federal, sem o qual a União Europeia não faz sentido nem pode sobreviver.
Portugal encontra-se neste momento entre o FMI e o FEEF (o Fundo Monetário Internacional e o Fundo Europeu de Estabilização Financeira).  
“Scyllam atque Charybdim Inter” disse Virgílio na Eneida, referindo-se aos dois monstros mitológicos que guardavam um estreito pelo qual tinham que passar os navegantes. Evitar ser devorado por um, significava ser inevitavelmente engolido pelo outro e vice versa. Parece que o governo português escolheu qual dos dois “monstros” prefere, escolha que é perfeitamente compreensível. Infelizmente, isso não impede necessariamente que venha também a ser apanhado pelo outro, como já aconteceu à Grécia e à Irlanda. Além do mais, as condições de austeridade impostas pelos dois são equivalentes.
Não é só na parte mais ocidental da Ibéria que havia um povo que não se governava nem se deixava governar, como escreveu um general romano há cerca de dois mil anos. Nesta altura da história, quase todos os descendentes dos romanos e romanizados, assim como os descendentes dos heróis da Eneida, precisam de ser salvos dos excessos dos seus próprios governos. São os antigos bárbaros do norte da Europa que, com menos erudição e mais racionalismo, ditam as regras de governo que todos os países do Euro vão ter que cumprir…
JSR 

Friday, February 4, 2011

22 - O que é o FMI ?

IMF - 19th Street
Published 17/2/2011 by "Jornal do Fundão". 

O que é o FMI? Porque tem a sua sede na capital Americana? Porque é preciso pedir a ajuda do FMI para resolver problemas europeus?
Estas perguntas têm sido tão repetidas que merecem uma resposta simples e concisa: o FMI é uma cooperativa mundial de estados, com o objectivo principal de promover a estabilidade financeira e monetária, assim como um crescimento económico sustentável; está em Washington porque os Estados Unidos têm a quota maior; recorre-se ao dinheiro do fundo quando se precisa, porque é para isso que se é membro e se pagam quotas numa cooperativa financeira.
Em Washington, no “Federal Triangle” e arredores, encontram-se os edifícios da administração federal, assim como a Casa Branca e o Capitólio. Estão aí também organizações internacionais como o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Banco Mundial (Banco de Reconstrução e Desenvolvimento) e outras. As razões desta proximidade obrigam a recordar o papel preponderante dos Estados Unidos nas relações politicas e económicas entre os estados desde o fim da última guerra mundial.
No fim da guerra, os Estados Unidos eram o único pais com uma grande economia dinâmica e em crescimento, embora distorcida devido ao esforço de guerra. Mas estava em risco de colapso por várias razões. Uma delas era a necessidade de criar emprego para os desmobilizados, pois as mulheres que os tinham substituído como força produtiva tinham-se habituado à sua autonomia e não estavam dispostas a voltar sossegadamente para casa. Outra era a reconversão da máquina produtiva para uma economia de tempo de paz. A economia necessitava de mais clientes e com maior capacidade de compra no mercado interno, assim como mercados externos com maior capacidade para absorver as exportações americanas.
Daí a conferência de Bretton Woods em 1944, onde foram definidas regras de cooperação económica, de reconstrução e desenvolvimento e a abertura das fronteiras ao comércio mundial através da redução negociada das tarifas de importação. Foram então criadas as instituições necessárias para regular a implementação e funcionamento desses acordos, o FMI, o Banco Mundial e o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade). 
O âmbito de responsabilidades destas instituições evoluiu com o tempo e as necessidades. As "Bretton Woods' sisters", o Fundo e o Banco, completam-se e por vezes cobriram as mesmas áreas para financiarem o desenvolvimento. Deram também origem a lendas conspirativas baseadas em pequenos factos reais, como o túnel que liga os edifícios originais por debaixo da 19ª rua. O túnel existe e é mesmo muito útil num clima de extremos, liga os parques de estacionamento e permite atravessar a rua sem derreter com o calor ou gelar com o frio, ou escorregar no gelo, ou atravessar manifestações ocasionais de lunáticos crédulos e mal informados... Por outro lado, o GATT transformou-se na WTO/OMC (Organização Mundial do Comércio).
Juntamente com o Plano Marshall e a criação da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos) as medidas tomadas em Bretton Woods permitiram a recuperação rápida da Europa, um longo período de paz e prosperidade, além de lançarem as bases da cooperação económica entre os países que continuou pelos acordos comunitários e o estabelecimento duma união europeia tendencialmente federal.
JSR
Nota: Ver links no comentário abaixo.

Tuesday, February 1, 2011

21 - Portugal e o FMI

Nos últimos dias tem-se acelerado a campanha de relações públicas para fazer aceitar o facto que Portugal tem de recorrer ao FMI.
Apesar dos esforços do governo, numa campanha de contactos internacionais para aliviar a asfixia dos juros impostos pelos mercados para comprar a dívida pública, o alívio é só temporário. O país empenhou-se demasiado e embora continue a ser capaz de ir pagando as suas dívidas, os juros são demasiado altos para permitir o desenvolvimento económico indispensável.
A objectividade, assim como um certo chauvinismo nacional compreensível, obriga a mencionar que Portugal tem sido o último baluarte defensivo da Espanha. Agora, as opiniões dividem-se, não tanto sobre a necessidade de ir ou não ao FMI, mas sobre as vantagens e desvantagens de ir primeiro ou esperar e ir juntamente com a Espanha. Para complicar a decisão, as mesmas questões põem-se em relação ao Fundo Europeu. Na verdade, as políticas e as decisões dos dois países, vizinhos e interdependentes, devem ser permanentemente coordenadas.
Na sociedade europeia actual, Portugal é um pais de classe média baixa que vive acima dos seus meios. Tecnicamente não está falido porque vai conseguindo créditos novos para pagar as dívidas antigas, embora cada vez com mais dificuldade e com juros cada vez mais altos. Como não consegue cortar o suficiente nas despesas correntes, não lhe sobra grande coisa para reduzir a sua dependência do crédito, quanto mais para amealhar e para investir. Vale a pena manter esta situação sem perspectivas para o futuro? Mais tarde ou mais cedo chegará o ponto de ruptura. 
A escolha neste momento é efectivamente entre ir administrando umas mèzinhas homeopáticas ao doente, na esperança que a diminuição temporária dos sintomas dê uma aparência de cura, ou atacar o mal de frente duma forma mais dolorosa, mas mais rápida e eficaz. É aqui que entram em consideração os instrumentos europeus e o FMI.
Para que serve pertencer a uma cooperativa de ajuda económica e financeira se não usarmos os mecanismos disponíveis quando se precisa? Porque se tem medo das medidas necessárias para sair da crise? Porque têm um preço em termos de credibilidade junto dos mercados? Qual credibilidade? E que interessa aos mercados que se obrigue os cidadãos a apertar o cinto se não houver medidas para aumentar a prosperidade económica e consequentemente a capacidade de reembolsar os créditos? Os mercados, tal como os Bancos em relação aos seus clientes, aumentam os juros que pedem para emprestar aos mais pobres, porque o risco de insolvência é maior, e deixam de emprestar a quem não tem perspectivas de aumento de rendimentos.
Não se estabelece uma politica económica, nem mesmo financeira, para satisfazer os mercados. A redução das despesas faz sentido para corrigir excessos em relação ao rendimento disponível. Mas se não for acompanhada de medidas que permitam, e se possível favoreçam, o crescimento económico, não acrescentam credibilidade nenhuma junto dos mercados da dívida. Os analistas financeiros compreendem perfeitamente que a construção assenta em areia, portanto instável e frágil, que o rolar da dívida atinge juros que acabarão por tornar impossível o seu pagamento.
Nestas circunstancias, que fazer? Negociar rapidamente e duramente um pacote de ajudas financeiras contra medidas de saneamento económico. Rapidamente, enquanto ainda se tem, realmente ou apenas como argumento negocial, alguma latitude de negociação, algum tempo de sobrevivência de crédito. Duramente, para poder escolher as medidas a tomar, assim como o grau e progressividade da sua implementação. 
E quais as medidas? Tem havido estudos sérios, feitos por portugueses assim como pelo Fundo e pela OCDE. Tem havido sugestões politicamente aceitáveis assim como propostas de medidas populistas e disparatadas. Tem havido naturalmente para todos os gostos. É preciso escolher, com “um olho na carteira e o outro na saúde do doente”, como tudo na vida.
É para isso que se escolhem governantes, de preferência competentes.
JSR