Tuesday, November 16, 2010

11 - Porque Não Se Calam?

Voices
Published 18/11/2010 by "Jornal do Fundão"                              
O ruído acerca de Portugal tem sido intenso nos media internacionais. Primeiro associaram a situação financeira do pais à Grécia, agora é à Irlanda, amanhã será à Espanha. Não há aí surpresa, muitos dos investidores na dívida soberana dos estados têm o comportamento dos pardais, sensíveis à menor nuvem dos insectos de que se alimentam e aos ventos que os arrastam. Nem se interessam pelas diferenças reais entre as situações de cada um destes países. Além disso, as relações incestuosas entre as agencias de rating, as grandes casas financeiras, os fundos de investimento e as publicações especializadas, são por demais conhecidas.
Também não há surpresa no espectáculo dado no parlamento português onde, como em todos os parlamentos democráticos, se dizem com a mesma convicção as maiores verdades e os maiores disparates, com todas as nuances possíveis entre as duas posições. É o papel dos parlamentares, reflectir as preocupações dos seus constituintes, as suas crenças ideológicas e até as suas ignorâncias. É raro, embora por vezes aconteça, que aí se revelem grandes preocupações com os autênticos interesses do Estado. Felizmente, ninguém dá grande importância, nem nacional e ainda menos internacionalmente.
Todavia, quando são os representantes do Estado, os governantes e aqueles que poderão vir a sê-lo, mesmo não constituindo ainda um “governo sombra”, então é outra coisa. Esses são ouvidos e com atenção. Sobretudo quando aparecem facções dentro duns e doutros, sinais inequívocos de instabilidade presente e futura. Nas últimas semanas, houve muitos que falaram demais. O Presidente da República teve palavras de calma, como lhe compete, mas já lhe deram excelentes ocasiões de fazer como o rei de Espanha (diante da diarreia verbal de Chavez) e interpelar mais directamente: Porque não se calam?
O espectáculo é deprimente para quem vê de dentro e ridículo para quem avalia de fora. Neste pretenso pais de marinheiros, muitos tripulantes  de água doce esqueceram a regra fundamental: não se muda de comandante nem se atrapalha a tripulação do navio durante uma tempestade. As perguntas são inevitáveis: Mesmo que achemos que o navio está a ir ao fundo? Mesmo que eles se atrapalhem sozinhos? As respostas também são inevitáveis: Sim e sobretudo. O que cada um acha é secundário em relação à salvação de todos e se o navio tiver mesmo que ir ao fundo, ao menos que isso aconteça com dignidade.
O pais atravessa uma grande tempestade e todos os sinais de mau comando, de desordem, de confusão, só vêm reforçar as piores suspeitas de incapacidade de governação (presente e futura) e, por consequência imediata, de incapacidade de conseguir as reduções orçamentais aprovadas. E ainda menos de implementar a seguir as reformas da economia. Daí até à imposição efectiva de uma supervisão externa vai um passo cada vez mais pequeno.  
      Porque não se calam, ao menos o tempo suficiente para ouvir o clamor inquietante das vagas que sobem sobre a amurada?
         JSR 

Friday, November 12, 2010

10 - Mitose - Mitosis

Em resposta a vários pedidos, este blogue foi dividido em quatro blogues interligados, tal como descrito à direita da página da frente.
Alguns leitores comunicaram que o progresso de quatro linhas diferentes de textos estava a criar confusão. Realmente, manifestaram a preferência para seguir em sequência, ou a espécie de folhetim que são as aventuras da restauração da casa, ou as memórias nostálgicas, sem terem que procurar entre todos os outros textos…
Bem, está feito. 
                                                                       ---------

Responding to several requests, this blog is being divided into four inter-related blogs, as described to the right of the front page.
It was claimed by some readers that the progress of four different lines of posts was creating confusion. Actually, they indicated the preference to follow in sequence, either the soap-opera-like adventures of the restoration of the house, or the nostalgic memories, without having to search amid all the other posts…
Well, it’s done.

JSR

Monday, November 8, 2010

9 - O Prestígio das Nações

Triumph of Fame - Pieter Coecke van Aelst

Published 11/11/2010 by “Jornal do Fundão”                                   

O prestígio das nações manifesta-se de muitas formas, uma das quais é a credibilidade, esta resultando de factores objectivos, subjectivos e históricos. Portugal está em crise de credibilidade junto dos mercados financeiros internacionais. Outra vez. Talvez seja oportuno perguntar quando é que Portugal não esteve em crise durante a sua história recente. Raras vezes. Políticos, economistas e comentadores, consideram que o país está a ser injustamente vitimado pela especulação financeira. Injustamente e especulação, são avaliações subjectivas para os factos objectivos de que o país está excessivamente endividado e de que existem dúvidas acerca da sua capacidade de pagar o que deve. Não só entre os credores das que já contraiu, mas sobretudo entre os possíveis investidores acerca dos empréstimos que continua a precisar de contrair. 
Os portugueses consideram nas sondagens que estão agora a viver pior, que há mais desemprego, que o Estado os abandona e que os governantes só se preocupam com os seus interesses pessoais. Esta avaliação depende da data a partir da qual a comparação é feita, mas em todo o caso, os que respondem às sondagens só se podem estar a referir à prosperidade artificial criada pelos fundos de coesão e pelo crédito fácil após a entrada na Comunidade, agora União Europeia.
A economia funciona nesta altura com “balões de oxigénio” do Banco Central Europeu, porque os Bancos portugueses já não se conseguem financiar nos mercados. O Bundesbank já fez conhecer as condições para continuar a ser o lender of last resort da União. Mas a grande preocupação nacional parece ser a possível volta do FMI e da disciplina imposta como “condicionalidade” para os seus empréstimos. Todavia, com essa garantia de supervisão restaura-se uma parte de credibilidade, embora pequena e transitória. Porque entretanto, vai ser preciso explicar porque não têm sido feitas as reformas necessárias para o crescimento da economia. E sem crescimento da economia não há credibilidade nenhuma.
Estas considerações poderiam continuar indefinidamente, mas vale a pena juntar um pouco de análise.
Não existe igualdade entre os países a não ser na teoria retórica dos tratados. Fora condições excepcionais, ninguém no seu perfeito juízo consideraria que têm a mesma credibilidade a Rússia e os Estados Unidos, o Irão e a França ou a Nigéria e o Japão. Existe efectivamente uma hierarquia de países que informa o julgamento daqueles que tomam decisões de carácter internacional.
Todos conhecem as distinções entre os vários graus de desenvolvimento, de poder militar e económico, de influência cultural e também de capacidade de incomodar (the nuisance factor...). Daí que não sejam efectivamente tratados da mesma maneira os países que enfrentam dificuldades semelhantes. Os mais poderosos fazem mudar os critérios que não conseguem cumprir, os mais fracos têm que cumprir rigorosamente as regras. No caso de incumprimento, a guilhotina cai primeiro sobre os países menos credíveis nas suas promessas de reentrar na ordem sem o incentivo duma autoridade exterior como o FMI. Para a classe politica de alguns países, la peur du gendarme est le début de la sagesse...
A Grécia perdeu a credibilidade porque tem falsificado as suas estatísticas, tem abusado das politicas europeias de coesão, permite níveis de endividamento público incomportáveis para financiar infra-estruturas e serviços eivados de corrupção, pensões em idades ridiculamente baixas, um fisco incapaz de combater a fuga generalizada aos impostos e por aí fora. Hoje, quando se pensa na credibilidade da Grécia em termos económicos, não conta o facto dos seus antepassados terem criado a cultura que está na origem da nossa civilização ocidental, mas todos pensam nos muitos séculos em que o país foi uma província do império otomano e da influência que isso teve na sua forma actual de estar no mundo.
Em relação a Portugal o défice de credibilidade é menor do que o dos gregos, as estatísticas são mais fiáveis, a classe média mais honesta (e por isso mesmo taillable et corvéable à merci pelos sucessivos governos) e ninguém duvida da competência dum grupo considerável de profissionais com exposição internacional. Por outro lado, o endividamento tem sido imprudente, a corrupção chega ao mais alto nível, a justiça é demasiado lenta, a produtividade baixa e a educação laxista. Também ninguém toma em consideração o papel do país na descoberta do mundo durante o renascimento europeu e o primeiro mercado global, a não ser nas cortesias diplomáticas, mas todos os decisores que contam sabem dos longos anos em que o país foi efectivamente um protectorado britânico, da desordem recorrente das finanças interrompida apenas durante o consulado salazarista e da incapacidade atávica de manter a coerência no desenvolvimento económico.
Por isso Portugal vai continuar a ser injustamente tratado pelos mercados. Só deixará de o ser quando tiver uma política económica sustentável e as finanças equilibradas. Quando tiver uma legislação laboral e um mercado de habitação, competitivos e livres de interferências ideológicas. Quando tiver uma justiça eficaz, um sistema educativo que reconheça o mérito do esforço individual, quando as protecções social e de saúde forem proporcionais aos meios e às necessidades. Para que tudo isso possa acontecer é indispensável que os cidadãos sejam mais instruídos, responsáveis, produtivos, empreendedores e lúcidos nas suas escolhas politicas. Entretanto, o retorno do FMI seria o menor dos males que esperam o país durante estes próximos anos difíceis.
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Notas: 
        Outro dos factores de prestígio de cada pais é a imagem projectada pela maioria dos seus cidadãos através dos media, das relações comerciais ou turísticas e dos seus residentes no estrangeiro. É importante para o reconhecimento exterior dum país com pouca população, que consiga ter alguns dos seus nacionais nos mais importantes centros de decisões internacionais. Como são o presidente da Comissão Europeia, o director para a Europa do FMI ou um vice-presidente do Banco Central Europeu. Assim como são importantes os cientistas ou os artistas de valor. Mas a imagem de Portugal e dos portugueses é dada sobretudo pelas grandes comunidades emigradas. Gente trabalhadora, desembaraçada e que se integra facilmente, mas em geral com pouca instrução, pouca participação politica e portanto fraca consideração social nos países de acolhimento. Por isso as excepções não têm grande consequência, precisamente por serem entendidas como excepções. Embora possa ser agradável para a auto-estima de alguns que o melhor treinador ou o melhor jogador de futebol do mundo sejam portugueses, o que aumentaria realmente o prestígio do país seria se a selecção ganhasse campeonatos...
          JSR

Friday, November 5, 2010

8 - Leão Tolstoi na Beira Interior

Camille Pissarro - deux paysannes
Passar o fim de semana de Todos-os-Santos na Beira Interior é uma viagem no tempo. Um tempo não muito remoto, a grande maioria dos portugueses está ainda ligada à terra e aos seus costumes. Há os que vivem no campo, os que lá têm os pais ou os avós, ou que ainda têm propriedades que herdaram destes, e finalmente há os que voltam para lá porque restauraram casas ou adquiriram terras.
Enchem-se as aldeias, os cemitérios e os mercados. Casas fechadas quase todo o ano abrem portas e janelas. É o grande marco do ano agrícola, pagam-se ou recebem-se rendas do ano que terminou e fazem-se contratos para o futuro.
Passam invasores, fazem-se revoluções, mas as relações entre os camponeses, os proprietários de terras e o poder, qualquer que ele seja, continuam semelhantes. O que Leão Tolstoi escreveu no seu livro “Ressurreição” é ainda actual *:
Nekhludoff spoke clearly, and the peasants were intelligent, but they did not and could not understand him, for the same reason that the foreman had so long been unable to understand him. They were fully convinced that it is natural for every man to consider his own interest. The experience of many generations had proved to them that the landlords always considered their own interest to the detriment of the peasants. Therefore, if a landlord called them to a meeting and made them some kind of a new offer, it could evidently only be in order to swindle them more cunningly than before.”       
Enquanto o poder é do tipo feudal e a economia se baseia na agricultura, as relações entre as classes camponesas (senhores e trabalhadores) mantêm-se e replicam-se ao longo de gerações. Quando a economia se diversifica e a urbanização predomina, entra-se num ciclo de renovação social.
Os senhores e os camponeses que conseguem furar a barreira social (administrando as terras de outros, adquirindo as suas próprias terras e enriquecendo), uns e outros enviam os filhos para a cidade a estudar. Os filhos acabam por ficar na cidade, mas vêm regularmente visitar os pais e interessam-se pelos lugares onde nasceram e as propriedades que aí possuem. Quando os pais morrem, entregam a administração a feitores ou familiares, alguns dos quais progressivamente enriquecem por sua vez. Quando os filhos dos proprietários originais morrem, os netos vendem as terras aos feitores ou a outros camponeses que assim aumentam as suas posses. Os quais mandam os filhos estudar para a cidade e o ciclo recomeça.
A pouco e pouco, ou por vezes muito rapidamente, dependendo dos lugares e das circunstâncias, a população rural diminui e um novo fenómeno acontece. Com a rarificação da mão de obra, os proprietários ausentes conseguem rendas cada vez mais baixas até que têm que entregar as terras aos rendeiros (que já não justificam o nome) apenas em troca de que o seu aproveitamento para cultivo, pastagens ou floresta, evite que se tornem em mato selvagem. Quando isso acontece é preciso então pagar a alguém para as voltar a desbravar e as manter limpas. Até que mais tarde os descendentes se cansem e as vendam. São as sociedades agrícolas, muitas estrangeiras, que vão comprando as parcelas e reconstituindo latifúndios.
O grande ciclo completa-se com o retorno ao feudo, desta vez informatizado e mecanizado. Continua a haver uma classe de servos da gleba, cujo número se reduz, embora sejam cada vez mais bem pagos. Como resultados da lei da oferta e da procura, da evolução da economia e de muitos anos de miopia politica,  progride a desertificação do interior, aumenta a dependência externa e diminui a riqueza nacional.
JSR